Review of 'Camões' on 'Goodreads'
3 stars
Camões é realmente uma figura curiosa. De sua vida pouco se sabe, e o que se sabe, de tão pouco, muito se especula. Facto, facto mesmo, só a obra. E que obra!
Este desconhecimento em torno da figura do poeta abre mais do que suficiente espaço para que um talentoso autor, como Almeida Garrett já aqui demonstra ser, possa conceber uma mini-epopeia onde o herói é o epopeico obreiro da grande epopeia que canta os feitos dos portugueses. Nela se conta a estória do retorno de Camões a Portugal, após seu longo périplo pelo oriente imperial português.
Assim, nesse retrato que Garrett lhe imagina, Camões aparece como um valente soldado, um completo desconhecido, que ao pisar novamente na pátria terra mais consigo não tem do que a companhia de seu escravo, Jau, por quem nutre afetos de amizade e não de senhorio. Ao desembarcar trava conhecimento com um religioso espanhol, …
Camões é realmente uma figura curiosa. De sua vida pouco se sabe, e o que se sabe, de tão pouco, muito se especula. Facto, facto mesmo, só a obra. E que obra!
Este desconhecimento em torno da figura do poeta abre mais do que suficiente espaço para que um talentoso autor, como Almeida Garrett já aqui demonstra ser, possa conceber uma mini-epopeia onde o herói é o epopeico obreiro da grande epopeia que canta os feitos dos portugueses. Nela se conta a estória do retorno de Camões a Portugal, após seu longo périplo pelo oriente imperial português.
Assim, nesse retrato que Garrett lhe imagina, Camões aparece como um valente soldado, um completo desconhecido, que ao pisar novamente na pátria terra mais consigo não tem do que a companhia de seu escravo, Jau, por quem nutre afetos de amizade e não de senhorio. Ao desembarcar trava conhecimento com um religioso espanhol, a única alma que lhe reconhece mérito e que lhe dá guarida na ingrata cidade que ignora (ou despreza) a nobreza do herói das letras que ao solo pátrio retorna.
É através da interação entre Camões e o monástico espanhol que aos poucos se vai descobrindo quem é este garrettiano Camões e a forma como àquele ponto na estória ali veio parar. No Camões romantizado de Garrett, o seu périplo asiático é transformado em vaticínio místico, fruto de uma visão em que a pátria personificada o envia nessa gloriosa empresa de os feitos lusitanos conhecer e cantar. Deixa Camões de ser mero poeta de mundanas intenções para se transformar em herói à mercê de um destino que em muito o homem ultrapassa.
Mais adiante nesta garrettiana estória, Camões recebe um inusitado convite para se apresentar, e assim dar testemunho de sua obra, diante de el-Rei Dom Sebastião. Isto porque um valido de D. Sebastião, um tal de Dom Aleixo (Aleixo de Meneses?), dos poucos a conservar aquela nobreza dos antigos lusos, por Camões intercede e consegue tal audiência. Serve este episódio para ouvirmos um resumo dos Lusíadas cantados pelo Camões primeira pessoa, que vê assim seus méritos reconhecidos pelo imberbe rei, que lhe promete honrarias e sustento. Mas serve este episódio também para a crítica de Garrett à vacuidade política portuguesa que desde há muito ignaramente só faz desbaratar tão nobre herança histórica por tão mesquinhos motivos.
Motivado em parte pelo que ouviu cantar Camões em seus Lusíadas, parte Sebastião na já sabida quimérica busca por glória, fazendo com isso descer sobre Portugal um nevoeiro de indefinição, triste ocaso para o mais glorioso período de sua história. E Camões, símbolo que aqui foi desse tão altivo passado que só ele soube cantar, morre ao saber da morte de Sebastião e de seus infaustos planos: “‘Pátria, ao menos / Juntos morremos...’ E expirou coa pátria.” (GARRETT). E o ponto final na crítica que o Camões de Garrett a Portugal dirige é totalmente capturada na última sentença do poema: “Nem o humilde lugar onde repoisam / As cinzas de Camões, conhece o Luso” (GARRETT). É pois muito triste quando com tão ingente passado, tanto dele ignorado, esquecido e, até, desprezado tem sido, algo que aqui tão bem capturado fica na pessoa em vida e morte ignorada que foi Camões.
Para finalizar, se desta crítica alguma coisa sobra, seja a coisa então: que este poema de Garrett merece o tempo que se lhe dedicar à leitura. Estilisticamente, e não obstante a pesada romantização como era de força pelo período em que foi escrita (1825), a obra é interessante por tentar emular, tanto quanto possível, um estilo camoniano. Os seus dez capítulos (os 10 cantos dos Lusíadas) estão repletos de camonismos que se, por um lado, prestam uma justa homenagem ao poeta aqui cantado, por outro artificializam o discurso, dificultando, talvez um pouco desnecessariamente, a leitura. Mas, no todo, é uma obra que vale o tempo que o leitor a ela dedicar, nem que disso apenas resulte um pouco mais de apreço pela importância histórico-literária de Camões.