Miguel Medeiros quoted Brasil by Lilia Moritz Schwarcz
A essas alturas, os portugueses já iam se julgando donos e senhores dos destinos da nova terra, de seus limites e nomes. No entanto, a descoberta não alterou de imediato a rotina e os interesses dos lusitanos, que então só tinham olhos para o Oriente. Por isso, durante certo tempo, a vasta área ficou reservada para o futuro. Mas a concorrência internacional, ameaças estrangeiras e os questionamentos acerca do bilateral Tratado de Tordesilhas não permitiriam que a calmaria ali fosse eterna. Espanhóis já estavam na costa nordeste da América do Sul, e ingleses e franceses, contestando a divisão luso-espanhola do globo, logo invadiriam diferentes pontos do litoral. Francisco I da França, ao questionar o famoso acordo, deixou frase lapidar: “Gostaria de ver a cláusula do testamento de Adão que dividiu o mundo entre Portugal e Espanha e me excluiu da partilha”.
E já na década de 1530 ficou evidente para d. João III que apenas a soberania do papa legitimando o tratado não daria conta de afugentar os corsários franceses, os quais com frequência cada vez maior se estabeleciam nas possessões americanas. A saída foi criar várias frentes colonizadoras, basicamente independentes, que muitas vezes guardavam mais comunicação com a metrópole do que entre si. O sistema administrativo adotado foi o das capitanias hereditárias (ver imagem 14), que já era utilizado com bastante sucesso em domínios lusitanos como Cabo Verde e ilha da Madeira. A filosofia era simples: como a Coroa tinha recursos e pessoal limitados, delegou a tarefa de colonização e de exploração de vastas áreas a particulares, doando lotes de terra com posse hereditária.
A partir de 1534 a metrópole dividiu o Brasil entre catorze capitanias, quinze lotes e doze donatários. Como se desconhecia o interior do território, a saída foi imaginar faixas litorâneas paralelas desde a costa que adentrariam até o “sertão”. Todos os beneficiados pela medida eram egressos da pequena nobreza lusitana, sendo sete deles membros destacados nas campanhas na África e na Índia e quatro altos funcionários da corte. O sistema previa que o donatário tivesse o poder supremo e de jurisdição sobre sua capitania, podendo desenvolver a terra e escravizar indígenas. O isolamento era, porém, grande e danoso. Tanto que em 1572 a Coroa dividiu a administração em dois governos-gerais: o Governo do Norte, com capital em Salvador, era encarregado de cuidar da região que ia da capitania da Baía de Todos os Santos até a capitania do Maranhão. O Governo do Sul, com sede no Rio de Janeiro, ficava com o controle da região que ia de Ilhéus até o Sul. Criavam-se, pois, territórios dentro de territórios, regiões que mal se reconheciam como pertencentes a um mesmo espaço administrativo e político.
— Brasil by Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling (Page 30 - 31)