Aceitação

( artigo completo, incluindo a seção de Spoiler: sol2070.in/2024/12/quadrilogia-comando-sul-jeff-vandermeer/ )

Depois de ler "Absolution" (2024), a quarta parte da série "Comando Sul", de Jeff Vandermeer, fiquei com algumas interrogações, já que a última vez que havia relido os livros anteriores foi há mais de um ano.

Em um dia em que faltou energia aqui, comecei a folhear Aniquilação para passar o tempo. Não consegui parar e acabei relendo toda a trilogia, pela terceira vez. Essa foi a melhor experiência até agora.

"Comando Sul" é a única série que li mais de uma vez, e continuarei relendo. Um banquete para quem gosta de ficção especulativa e, especialmente, ecológica.

Área X é uma região costeira isolada do sudeste dos EUA cuja natureza enigmaticamente torna-se completamente selvagem, intocada e livre da contaminação anterior; seu povoado desaparece e uma barreira inexplicável se ergue. Invasão alienígena? Mutação natural? Acidente com experiências secretas? Portal de outra dimensão?

É também a história dos erros da agência de inteligência clandestina responsável em investigar e conter o evento, o Comando Sul — um símbolo da ignorância humana em relação à natureza —, que pode ter influenciado o fenômeno. As pessoas-chave para entender a anomalia são retratadas de modo brilhante: uma bióloga antisocial, duas pessoas que em momentos diferentes dirigem a agência e um ex-pastor que se refugia em um farol de praia. Suas envolventes histórias quase eclipsam o mistério principal — isso só não acontece porque se entranham completamente no enigma.

No quarto livro, "Absolution" — uma prequela-surpresa, lançada dez anos depois da terceira parte — personagens secundários com papel-chave em uma “proto-Área-X”, 20 anos antes, saltam para o primeiro plano.

Além da história principal da quadrilogia ser hipnotizante, com uma formulação inédita e genial do mítico embate com uma vasta força desconhecida, a metáfora principal é sobre a estupidez com que humanos lidam com o mundo natural, através da dominação, controle, cegueira etc. Uma personagem chega a anunciar o tema, especulando que a luta entre o Comando Sul e a Área X na verdade é algo ancestral, sendo travado em um ciclo vicioso ao longo das eras, e que agora chegou num limite definitivo, em que é apocalipse ou salvação.

Por isso é uma história tão relevante para os dias de hoje.

Outro tema é um tipo de misticismo natural, em que há contato íntimo com uma força de poder inconcebível, que possui as personagens e transfigura tanto sua visão de mundo quanto seus corpos.

Inicialmente, predomina o horror cósmico à la H.P. Lovecraft, em que algo com poder praticamente infinito aterroriza a pequeneza das mentes que testemunham, jogadas na frente da monstruosidade que é aquilo que não podem nem começar a compreender. Mas com o desenrolar do mistério, já não fica tão nítido se os conceitos humanos de bem e mal se aplicam ao que está acontecendo.

Por viver praticamente desvencilhada dos valores dominantes, a bióloga se conecta à Área X de modo orgânico, chegando a questionar se o que está acontecendo é a aniquilação da humanidade ou sua salvação. O modo como esses dois polos se alternam é extraordinário, algo que nunca vi igual em nenhuma história.

Um fator que faz as pessoas se apaixonarem pela série é seu mistério e a conclusão aberta. Não fica muito claro o que exatamente aconteceu e, ao juntar as peças, surgem diversas teorias. Montar racionalmente esse quebra-cabeça não é algo obrigatório para apreciar os livros, eles podem ser sentidos e vivenciados de forma poderosa, mesmo sem uma explicação lógica.

Na seção “Spoiler” a seguir, compartilho o modo como absorvi a narrativa e seu final, e porque considero como uma história esplêndida sobre catástrofe ambiental e como lidar com ela. Pode ser útil para quem leu e ainda se inquieta com alguns elementos.

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