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@[email protected] Good to know! Many authors praise as a post-apoclyptic modern classic, but it was completely out of my radar.
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( sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/ )
Essa é a edição de Grande Sertão: Veredas (1956, 560 pgs), de Guimarães Rosa, que guardo há 30 anos — meu recorde de tempo de um livro esperando na fila de leitura.
Comprei adolescente, seduzido por essa edição comemorativa da Nova Fronteira, mas nunca consegui ler. Provavelmente foi melhor assim, já que se tivesse lido muito jovem não teria apreciado como agora.
A barreira inicial costuma ser a linguagem, uma recriação poética e hiperbólica — repleta de corruptelas, nomes quiméricos, palavras inventadas, populares ou até cultas — do linguajar de jagunços do norte mineiro, abrangendo também Goiás e Bahia, de uns 80 anos atrás. Mas, como disse um crítico após o lançamento da obra-prima, basta perseverar por umas 50 ou 100 páginas que a coisa começa a se abrir e encantar.
Toda a estória é contada oralmente pelo cativante ex-jagunço Riobaldo num jorro só, sem interrupção ou …
( sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/ )
Essa é a edição de Grande Sertão: Veredas (1956, 560 pgs), de Guimarães Rosa, que guardo há 30 anos — meu recorde de tempo de um livro esperando na fila de leitura.
Comprei adolescente, seduzido por essa edição comemorativa da Nova Fronteira, mas nunca consegui ler. Provavelmente foi melhor assim, já que se tivesse lido muito jovem não teria apreciado como agora.
A barreira inicial costuma ser a linguagem, uma recriação poética e hiperbólica — repleta de corruptelas, nomes quiméricos, palavras inventadas, populares ou até cultas — do linguajar de jagunços do norte mineiro, abrangendo também Goiás e Bahia, de uns 80 anos atrás. Mas, como disse um crítico após o lançamento da obra-prima, basta perseverar por umas 50 ou 100 páginas que a coisa começa a se abrir e encantar.
Toda a estória é contada oralmente pelo cativante ex-jagunço Riobaldo num jorro só, sem interrupção ou divisão em capítulos. Em meus frequentes momentos de desconexão ou distração, por ser algo tão diferente do que leio, bastava imaginar que ele estava na minha frente falando para trazer de volta o interesse magnético. Assim, a leitura não deixou de ser também um austero exercício de concentração e presença, com recompensa magnífica.
O enredo demora a decolar, em meio a causos e falsas partidas que vão dando um esquenta e aclimatando sobre o que virá. Depois que deslancha, se torna mágico e profundo, sem descartar o pitoresco e a aventura.
Há três temas essenciais:
O cenário é um sertão do Cerrado que transcende a natureza exuberante em direção ao mítico e fantástico.
Recomendo bastante a leitura do ensaio “O homem dos avessos” (1957), em que o lendário crítico literário Antônio Candido analisa a obra, incluído em Tese e Antítese. Ajuda a absorver melhor as múltiplas camadas.
Na superfície, é uma aventura regional bem brasileira, de rica inventividade estilística.
Também é um lendário “romance de cavalaria”, como os medievais da Távola Redonda, com todos seus mitos e rituais, porém tudo à brasileira.
E há uma camada psicológica profunda. Riobaldo é contumaz em seu questionamento se o demônio existe. Prefere negar, quase como um autoconvencimento. Estaria então dentro de cada pessoa? Além disso, há a paixão pelo companheiro Diadorim.
Como diz Candido:
A experiência documentária de Guimarães Rosa, a observação da vida sertaneja, a paixão pela coisa e pelo nome da coisa, a capacidade de entrar na psicologia do rústico, tudo se transformou em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro à matriz regional para fazê-lo exprimir os grandes lugares-comuns, sem os quais a arte não sobrevive: dor, júbilo, ódio, amor, morte — para cuja órbita nos arrasta a cada instante, mostrando que o pitoresco é acessório e que na verdade o Sertão é o Mundo.
Camadas internas
Não tem muito sentido alertar sobre spoilers em uma obra tão consagrada, parte até do currículo de vestibulares. Quem for ler provavelmente já sabe das reviravoltas e conclusão. Mas alerto. Segue a minha leitura da camada mais profunda e psicológica, repleta de spoilers. → sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/
Publicado originalmente em 1956, Grande sertão: veredas, de João Guimarães Rosa, revolucionou o cânone brasileiro e segue despertando o interesse …
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( sol2070.in/2025/07/os-despossuidos-ursula-le-guin/ )
Reli recentemente Os Despossuídos (1974, 384 pgs), de Ursula K. Le Guin. Fiquei impressionado sobre como foi superficial e acelerada minha primeira leitura, há três anos. Não só tinha esquecido como é excelente, mas muitas coisas nem percebi ou vi só de relance.
O romance costuma ser chamado de “a melhor ficção anarquista[^1] já escrita”. Além disso, inclui especulações instigantes sobre a natureza do universo — na ideia de que o espaço (e, consequentemente, o tempo) é uma limitação específica da mente e percepção humanas, e não uma realidade física — e o problema ético sobre os fins justificarem os meios.
Como sempre, a humanidade das personagens é muito tocante — marca característica da consagrada escritora, asssim como o pano de fundo sociopolítico-ambiental.
Conta a estória de Shevek, um físico à beira de revelar uma teoria revolucionária. Ele é nativo do planeta Anarres, quase desértico, onde as …
( sol2070.in/2025/07/os-despossuidos-ursula-le-guin/ )
Reli recentemente Os Despossuídos (1974, 384 pgs), de Ursula K. Le Guin. Fiquei impressionado sobre como foi superficial e acelerada minha primeira leitura, há três anos. Não só tinha esquecido como é excelente, mas muitas coisas nem percebi ou vi só de relance.
O romance costuma ser chamado de “a melhor ficção anarquista[^1] já escrita”. Além disso, inclui especulações instigantes sobre a natureza do universo — na ideia de que o espaço (e, consequentemente, o tempo) é uma limitação específica da mente e percepção humanas, e não uma realidade física — e o problema ético sobre os fins justificarem os meios.
Como sempre, a humanidade das personagens é muito tocante — marca característica da consagrada escritora, asssim como o pano de fundo sociopolítico-ambiental.
Conta a estória de Shevek, um físico à beira de revelar uma teoria revolucionária. Ele é nativo do planeta Anarres, quase desértico, onde as pessoas vivem sem hierarquias e autoridades, compartilhando tudo, mas entre dificuldades ambientais e de abastecimento. Anarres fica próximo do planeta Urras, um sendo a lua do outro. São espelhos invertidos. Urras é como a Terra hoje, há natureza relativamente abundante (em comparação com Anarres), além de riqueza extrema, mas totalmente concentrada numa oligarquia, enquanto a maioria absoluta suporta dificuldades.
Shevek tem contato com os físicos de Urras e sente que seu trabalho poderia ser melhor apreciado no planeta hierarquista. Então, fura a barreira ideológica e física entre os dois mundos e vai a Urras. Há interesses ocultos dos dois lados nessa visita, envolvendo ciência sem precedentes e insurreição.
A descoberta tem a ver com uma tecnologia-chave do universo hainiano de Os Despossuídos e outros sete romances, além de 13 contos: o ansível (ansible[^2]), que permite a comunicação instantânea entre vastidões de anos-luz.
A tecnologia se baseia na nova teoria física, em que objetos no espaço são simultâneos e não sequenciais ou lineares, a distância entre eles sendo subjetiva e não objetiva.
Em um entrelaçamento brilhante, essa especulação sobre a natureza da realidade se conecta com a utopia sociopolítica de Anarres.
Ainda criança, Shevek desafia seu professor com uma explicação matemática de um fenômeno corriqueiro. Uma pedra atirada em uma árvore, quando chega na metade do trajeto, ainda tem metade do trajeto restante para atravessar, e depois metade, e mais metade, sucessiva e infinitamente. A conclusão absurda é que a pedra nunca atingiria a árvore, segundo essa fórmula que, conceitualmente, não tem nada de errado.[^3]
O que fica implícito aí é que a matemática e a física lineares não capturam a realidade do modo como é. Isso, entre outros fatores, incita Shevek a buscar uma teoria mais coerente com a realidade.
Em algumas cenas, o livro se conecta à consagrada parábola de Le Guin Aqueles que se Afastam de Ômelas[^4]. A estória é sobre uma cidade de felicidade plena, em que as pessoas precisam autorizar que uma criança presa sofra muito para a manutenção dessa felicidade. Elas consentem justificando-se com a lógica de que valeria a pena apenas uma criança sofrer imensamente, se esse for o preço para a felicidade de milhares de pessoas.
Em uma cena de Os Despossuídos, entre outras, essa lógica também é questionada. Um motorista de trem carregando alimentos precisa escolher entre atropelar e matar algumas pessoas famintas querendo saqueá-lo, ou parar o trem e deixar saquearem, sacrificando o número muito maior de pessoas que está esperando o alimento.
Em Ômelas, algumas poucas pessoas não consentem com a tortura da criança, em nome de um bem maior. Não aceitam essa lógica. Obrigatoriamente, elas têm que sair da cidade, sacrificando o próprio bem-estar. Partem para um destino incerto, cheio de privações.
Nesse conto, não há menção ao anarquismo. Mas no conto O Dia Antes da Revolução, um tipo de prequela de Os Despossuídos, a conexão fica clara. No preâmbulo, Ursula se refere à revolucionária anarquista Odo (de Os Despossuídos) assim:
Essa estória é sobre uma daquelas que se afastou de Ômelas.
A autora tem uma definição ampla sobre o que define uma pessoa anarquista[^5]. Para ela, há algo essencial que antecede até mesmo noções sobre hierarquia e autoridade. Anarquista é “alguém que, ao escolher, aceita a responsabilidade da escolha”.
Como aquelas que se afastam de Ômelas, já que reconhecem que são elas que estão causando a tortura da criança e decidem não participar disso. Assim, aceitam o sofrimento pessoal consequente dessa escolha.
A austeridade material da vida em Anarres é um desses sacrifícios. Assim como a escuridão para onde caminham aquelas que se afastam de Ômelas.
O modo como elas enxergam o impasse sobre torturar ou não uma criança para que um número maior de pessoas tenham conforto é o seguinte: o sofrimento ou felicidade de alguém não é algo que uma equação matemática captura, não há sentido em sacrificar uma pessoa pela felicidade de mil outras.
Isso é similar à imagem de Shevek em que a pedra jamais atinge a árvore, porque tal equação matemática não captura o que acontece na realidade. Esse tipo de pensamento é um instrumento débil e insuficiente.
Shevek descobre a teoria que se aproxima mais da realidade absoluta, independente de percepções individuais subjetivas. E, de certo modo, isso é um reflexo da sociedade anarquista de Anarres, em que não pessoas não são reduzidas a números. Cada uma é valiosa pelo que é, e isso só enriquece e possibilita a expressão do todo.
O título “Os Despossuídos” é uma referência ao romance de Dostoiévski Os Possessos (de 1871, também traduzido como “Os Possuídos”, ou “Os Demônios”), em que ideologias políticas desumanizam as pessoas e chegam a validar violências diversas como um meio para fins supostamente nobres. Le Guin escreveu sua estória como um espelho invertido disso.
Reli o livro no clube de leitura Contracapa. Nas conversas, uma das perguntas que fizemos foi: “Você escolheria viver em Urras ou Anarres?” Não é uma escolha simples, porque Ursula, de modo brilhante, retrata Anarres como um lugar muito inóspito. Já Urras é como aqui, apesar das dificuldades, desigualdades e injustiças, não é um deserto (ainda) e há condições materiais relativamente abundantes.
Shevek se deslumbra com a natureza de Urras e sua riqueza, inicialmente. Ele se sentia mal em Anarres por estar alienado das outras pessoas, que não o compreendiam. Sai de Anarres também como um tipo de protesto. Entretanto, aos poucos vai conhecendo os horrores de Urras, que escondiam dele. Então, passa a dar valor a Anarres, percebendo mais nitidamente o que não conseguia ver.
As dificuldades de Anarres são todas circunstanciais: algumas pessoas difíceis, burocracias cristalizadas por aflições humanas, desastres ambientais, injustiças acidentais etc. Mas nada que não possa ser corrigido pela auto-organização das próprias pessoas. Ele e sua mulher inclusive sonham em criar uma comunidade mais genuinamente odoniana e livre, anarquista. Lá, isso é plenamente possível, nada impede.
Já em Urras, os problemas são sistêmicos. Para mudar algo radicalmente, só destruindo o sistema vigente. E qualquer movimento nessa direção é brutalmente reprimido e até aniquilado. Em uma cena que resume tudo, um ativista tem sua mão destroçada por balas porque ousou estendê-la a outras pessoas.
O fato de Anarres ser um local inóspito realça ainda mais a solidez e força de sua cultura. Por mais difícil que seja a situação, incluindo fome e escassez, nenhum colapso social jamais ocorre, devido aos valores essenciais da ajuda mútua e da associação voluntária (sem autoridades forçando nada).
É meu livro preferido de Ursula K. Le Guin, não apenas por essas discussões políticas, éticas e até pela espiritualidade cósmica laica. Nas relações humanas, também brilha como poucos.
Adoro o final. No retorno triunfal, com forte sugestão de que os valores odonianos não mais ficarão contidos num único planeta, Shevek também está radiante:
Era um homem liberto da prisão, indo para casa, para a família. Seja o que for que uma pessoa assim veja ao longo do caminho, ela vê apenas como reflexos da luz.
Escrito em 1974 pela brilhante e premiada Ursula K. Le Guin, Os Despossuídos é uma ficção científica incomum, utópica e …
( sol2070.in/2025/06/livro-moby-dick/ )
Finalmente reli Moby Dick, ou A Baleia (1851, 648 pgs, Editora 34 – 2019), do estadunidense Herman Melville. Considerado um dos mais importantes romances norte-americanos, é um épico de aventura e perdição construído com camadas místicas e existenciais. É daqueles livros que são mais como uma experiência.
Tinha lido na pós-adolescência depois de me impressionar com uma adaptação em graphic novel[^1], e gostado, notando mais o aspecto malucão da coisa. Recentemente tentei reler no original mas não pude atravessar a barreira do inglês mais fabuloso e shakespeariano. Então, encontrei a tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza (na edição da Editora 34) e adorei.
Mas o livro está longe de ser entretenimento comum. É decepção garantida para quem esperar algo no nível dos produtos culturais mais consumidos hoje.
Levei meses nessa leitura. Além da linguagem, há exposições enciclopédicas sobre baleias, navegação, instrumentos, o processo …
( sol2070.in/2025/06/livro-moby-dick/ )
Finalmente reli Moby Dick, ou A Baleia (1851, 648 pgs, Editora 34 – 2019), do estadunidense Herman Melville. Considerado um dos mais importantes romances norte-americanos, é um épico de aventura e perdição construído com camadas místicas e existenciais. É daqueles livros que são mais como uma experiência.
Tinha lido na pós-adolescência depois de me impressionar com uma adaptação em graphic novel[^1], e gostado, notando mais o aspecto malucão da coisa. Recentemente tentei reler no original mas não pude atravessar a barreira do inglês mais fabuloso e shakespeariano. Então, encontrei a tradução de Irene Hirsch e Alexandre Barbosa de Souza (na edição da Editora 34) e adorei.
Mas o livro está longe de ser entretenimento comum. É decepção garantida para quem esperar algo no nível dos produtos culturais mais consumidos hoje.
Levei meses nessa leitura. Além da linguagem, há exposições enciclopédicas sobre baleias, navegação, instrumentos, o processo de descarnar os mamíferos etc.
Como disse um crítico[^2]:
Embora ler “Moby Dick” seja um pouco como estar chapado, também evoca um ar de Asperger. Ishmael vai lhe contar tudo o que você queria saber sobre a baleia e muito do que ele inventou.
Também diz:
Parece algo que foi escrito antes da invenção dos livros, mas é totalmente moderno — pré-pós-moderno, talvez.
Exemplos da atualidade de Moby Dick: a quantidade de obras mais sombrias que influencia até hoje[^3], ou até a escalada atual na guerra de humanos contra a natureza e consigo mesmos, prometendo colapso, sem compreensão sobre o mistério natural perpassando tudo a partir de ecossistemas e do próprio planeta.
Outro elemento de vanguarda da estória está no preâmbulo da jornada, quando o outsider deprimido Ishmael vaga pelas cidades portuárias remoendo sua aversão aos valores dominantes — a voz tem muito apelo para a atualidade. Ele encontra Queequeg, um indígena todo tatuado de uma ilha polinésia, exímio arpoador. Pode-se dizer que se apaixonam, com casamento simbólico e tudo. Queequeg é um contraponto vivo da civilização moderna. Também embarca na viagem.
Como dizem, um dos maiores atrativos de Moby Dick é a simplicidade da premissa, sendo basicamente uma estória de pescador: Ishmael embarca num navio baleeiro, desavisado sobre o capitão aterradoramente alucinado, Ahab, que faz da sua vida o ódio e perseguição ao mais lendário e monstruoso cachalote, Moby Dick.
Mas não é só uma baleia. Há 200 anos, elas eram equivalentes a dragões, leviatãs míticos, mas que podiam ser caçados, tendo um preciosíssimo óleo essencial. Para compreender e apreciar do que se trata, é preciso esquecer tudo o que sabemos hoje sobre baleias e entrar nessa visão supersticiosa, de reverência pervertida — em que aquilo que há de mais magnífico é assassinado e erguido como troféu.
O desconhecimento da época sobre baleias e a vida marinha não apenas é reproduzido como atua como um elemento-chave temático: a ignorante arrogância humana contra a natureza e seus mistérios mais profundos.
O cenário é toda a existência:
Assim esse misterioso e divino Pacífico cinge quase toda a vastidão do mundo; faz de todas as costas uma única baía; parece a maré pulsante do coração da terra. Soerguido por tais ondas eternas, você não pode deixar de reconhecer o deus sedutor, inclinando sua cabeça diante de Pã.
Ahab começa a aparecer e vemos que não é apenas uma aventura de caçador. É uma viagem interna. A motivação básica não é desejo ou cobiça, mas, sim, descer até as profundezas do mistério do mundo.
Alguns trechos que grifei sobre isso:
Uma das fantasias mais extravagantes que surgiram, como as que por fim acabaram associadas à Baleia Branca na mente dos inclinados à superstição, era a ideia sobrenatural de que Moby Dick tivesse o dom da ubiqüidade, que tivesse de fato sido encontrado em latitudes opostas ao mesmo tempo. (…) não causa surpresa alguma que alguns baleeiros fossem além em suas superstições; declarando Moby Dick não apenas ubíquo como imortal (já que a imortalidade é somente a ubiqüidade no tempo)…
[Ahab:] Todos os objetos visíveis, homem, não passam de máscaras de papelão. Mas em todos os eventos — na ação viva, na façanha incontestável — revela-se alguma coisa desconhecida, mas racional, por detrás dessa máscara irracional. Se um homem quer atacar, que ataque através da máscara! Como pode um prisioneiro escapar a não ser atravessando o muro à força? Para mim, a baleia branca é o muro, que foi empurrado para perto de mim. Às vezes penso que não existe nada além. Mas basta. Ela é meu dever; ela é meu fardo; eu a vejo em sua força descomunal, fortalecida por uma malícia inescrutável. Essa coisa inescrutável é o que mais odeio; seja a baleia branca o agente, seja a baleia branca o principal, descarregarei meu ódio sobre ela.
Tudo o que mais enlouquece e atormenta; tudo o que alvoroça a quietude das coisas; toda a verdade com certa malícia; tudo o que destrói o vigor e endurece o cérebro; tudo o que há de sutilmente demoníaco na vida e no pensamento; em suma, toda a maldade, para Ahab, se tornava visível, personificada e passível de ser enfrentada em Moby Dick. Amontoou sobre a corcova branca da baleia toda a cólera e a raiva sentidas por sua raça inteira, desde a queda de Adão; e então, como se seu peito fosse um morteiro, ali fez explodir a granada de seu coração ardente.
Como se vê, a fixação de Ahab não é nada cristã. Na verdade, ele é um shakespeariano adorador do fogo:
[Ahab:] “Ó tu, espírito translúcido de fogo translúcido, que outrora nestes mares, como um persa, adorei, até que no ato sacramental fui por ti tão queimado, que ainda hoje guardo a cicatriz; agora te conheço, tu, espírito translúcido, e agora sei que teu culto é desafiar-te. Amor e veneração não te fazem benevolente; e mesmo pelo ódio tu sabes apenas matar; e tudo destróis. Não é um tolo destemido que ora te enfrenta. Reconheço o teu poder sem lugar ou palavra; mas até o derradeiro alento desta minha vida de terremotos contestarei tua dominação incondicional e absoluta sobre mim. Em meio a essa personificação do impessoal, há uma personalidade aqui. Embora eu seja, no máximo, somente um pormenor; de onde quer que eu tenha vindo; para onde quer que eu vá; enquanto viver neste mundo, a personalidade régia vive dentro de mim e tem consciência de seus régios direitos. Mas guerra é dor, e o ódio, infelicidade. Vem na tua mais baixa forma de amor e eu estarei de joelhos para beijar-te; mas em tua mais suprema, vem como simples força divina; e embora lances esquadras de mundos carregados, há qualquer coisa aqui dentro que permanece indiferente. Ó tu, espírito translúcido, do teu fogo me fizeste, e como um verdadeiro filho do fogo eu o exalo de volta a ti.”
A edição comentada da Companhia das Letras, inclui prefácio do filósofo francês Albert Camus, entre outros ensaios (Moby Dick é um dos poucos livros sobre o qual saboreio também as análises). Diz ele:
Falar em poucas páginas sobre uma obra que tem a dimensão tumultuosa dos oceanos onde nasceu não é muito mais fácil do que resumir a Bíblia ou condensar Shakespeare.
A história do capitão Ahab, por exemplo, lançando-se do mar austral para o setentrião no encalço de Moby Dick, a baleia branca que lhe amputou a perna, pode sem dúvida ser lida como a paixão funesta de um personagem que enlouqueceu de dor e de solidão. Mas também é possível contemplá-la como um dos mitos mais arrebatadores já imaginados sobre o combate do homem contra o mal, e sobre a lógica irresistível que acaba por investir o homem justo contra a criação e o criador, depois contra seus semelhantes e contra ele próprio.
A edição da 34 também inclui diversos ensaios, entre eles um do escritor inglês D.H. Lawrence. Escrevendo em 1923, ele comenta o misticismo invertido do capitão:
(…) subitamente ele sente o navio se afastando rapidamente dele, numa mística reversão.
“A minha impressão mais forte era de que, por mais rápida e impetuosa que fosse aquela coisa na qual eu estava, ela não estava se dirigindo a um porto à frente, mas que fugia de todos os portos que deixava para trás. Uma sensação violenta e desnorteante, como de morte, invadiu-me. As minhas mãos se agarraram convulsivamente ao leme, mas tive a impressão enlouquecida de que o leme, por algum encantamento, estava invertido. Meu Deus! O que há comigo?, pensei.”
Essa experiência de sonho é uma experiência real da alma. Ele termina com uma advertência a todos os homens, que não admirem o fogo vermelho quando sua vermelhidão faz com que todas as coisas fiquem como que desencarnadas.
Pois aquele estranho espetáculo que se observa em todos os cachalotes agonizantes — o movimento da cabeça voltando-se na direção do sol e morrer assim —, aquele estranho espetáculo, contemplado num tão plácido entardecer, de certo modo proporcionava a Ahab um maravilhamento até então desconhecido.
“Ele sempre se volta para aquela direção — quão lento, e no entanto firme, é seu semblante venerando e vocativo, na eminência de seus últimos e agonizantes movimentos. Também ele adora o fogo (…)”
Assim, Ahab realiza seu solilóquio: e assim a baleia de sangue quente se transforma pela primeira vez no sol, que a fazia surgir das águas.
Lançado em 1851, Moby Dick, ou A baleia, de Herman Melville (1819-1891), se tornou um dos livros de aventura mais …
( em português: sol2070.in/2025/06/livro-more-everything-forever/ )
More Everything Forever (2025, 384 pages), by Adam Becker, was one of the best nonfiction books on technology I have ever read. The subtitle: “AI overlords, space empires, and Silicon Valley's quest to control humanity's destiny.”
Given the lack of discussion and interest in the ideologies that drive the world, this work is essential. It deals with the ideas defended by tech billionaires about what really matters today, to the detriment of everything else. In their view, these are:
Achieving AGI, artificial general intelligence. The addition of “general” implies an AI capable of doing anything a person does, including self-improvement.
Preventing such AGI from turning against humanity.
Achieving technological singularity, the point at which inconceivable advances would be possible with the help of AGI.
Uploading copies of the mind into a virtual world beyond death.
Colonizing all of space and converting it into a cosmic …
( em português: sol2070.in/2025/06/livro-more-everything-forever/ )
More Everything Forever (2025, 384 pages), by Adam Becker, was one of the best nonfiction books on technology I have ever read. The subtitle: “AI overlords, space empires, and Silicon Valley's quest to control humanity's destiny.”
Given the lack of discussion and interest in the ideologies that drive the world, this work is essential. It deals with the ideas defended by tech billionaires about what really matters today, to the detriment of everything else. In their view, these are:
Achieving AGI, artificial general intelligence. The addition of “general” implies an AI capable of doing anything a person does, including self-improvement.
Preventing such AGI from turning against humanity.
Achieving technological singularity, the point at which inconceivable advances would be possible with the help of AGI.
Uploading copies of the mind into a virtual world beyond death.
Colonizing all of space and converting it into a cosmic computer, where transhumans would live forever (including resurrected copies of the dead).
It is no coincidence that in this science fiction scenario — utopian or dystopian, depending on your bank account — those who have all the power and money are the owners of corporations.
Sam Altman, from OpenAI (ChatGPT), even proposed that all money be replaced by shares in his company (obviously, only a minority portion would be divided among ordinary people). His justification is the democratization of advances in AI and alignment with the interests of society. He just didn't mention that this would perpetuate the corporation as the most powerful and, in practice, transform it into a techno-emperor.
Much of the book focuses on the ideas of the Effective Altruism, Longtermism, and rationalist movements.
Longtermism
Longtermism is about aiming for hypothetical immense benefits in the very distant future and disregarding current problems. A central argument is that a hypothetical future, where quadrillions of posthumans would live in paradise, with a 0.01% chance of becoming reality, would be morally preferable to trying to ensure the well-being of all people today. It sounds completely absurd, but the logic is that by multiplying the good of quadrillions of future beings by a 0.01% chance, that number is much higher than that of people today multiplied by a chance of success of, say, 50% or even 100%.
The flaw in the argument is that human well-being, especially in an unlikely future, cannot be converted into a number. But since treating people like numbers is a specialty of the current system, billionaires love this kind of idea, which, crucially, also underpins their attitudes. If it weren't for them, movements like Longoprazismo would remain restricted to eccentric fantasies. With millions of dollars directed to their organizations, this ideal is already influencing even governments, in addition to the general public.
Although tech billionaires like Musk and Altman profess these beliefs, there is doubt as to whether they really believe in them or just use such ideas to apply a philosophical veneer to their insatiable greed and thirst for power.
As the author of the book is a doctor of astrophysics and science journalist, the book presents rich and profound refutations of the pseudoscience and cult fanaticism behind these ideas, without compromising its fluidity. It is also a book-report, containing the positions of various experts that Becker interviewed, as well as representatives of the movements.
Singularity
However, the pace may be compromised somewhat by the long and detailed analyses of space colonization and the ideas of Ray Kurzweil, the prophet of singularity. But this is justified: as the arguments are loaded, the refutation could not be otherwise.
For example, Kurzweil imagines space nanobots capable of assembling Dyson spheres (structures around a star to capture a gigantic amount of energy), before going out into the universe, multiplying and converting all matter into an immeasurable digital network, to house and process virtual reality “better than reality” where quadrillions of beings would live forever. Although he does not mention it, this conversion implies the destruction of everything that exists!
Not only is it something worthy of a Marvel movie villain, but also, in Becker's words, it is “just the latest entry in the annals of the oldest human fantasy,” to live forever.
More Everything Forever is a treasure not only for those who follow technology and its directions, but also for those who love science fiction.
The section on how tech billionaires seem to misunderstand science fiction stories — seeing dystopian warnings as roadmaps to follow — would be amusing if it weren't so tragic.
Mental bug
The author raises the possibility that the predominance of science and math degrees — with a lot of narrow-mindedness, of course — among big tech leaders may have something to do with this misunderstanding. It is as if there were an invisible bug in how their minds operate. Here are some excerpts on this topic:
This homogeneous intellectual background focused on STEM [science, technology, engineering, and mathematics] in the culture of tech startups and, more generally, in Silicon Valley, generates a denial of the humanities, a systematic and sometimes deliberate ignorance of the arts and humanities.
Nowhere is the denial of the humanities more evident in the tech industry than in its attitude toward history. “I don't even know why we study history,” says Anthony Levandowski, co-founder of Google's self-driving car division, now known as Waymo. "It's fun, I guess — dinosaurs, Neanderthals, the Industrial Revolution, and stuff like that. But what has already happened doesn't really matter. You don't need to know that history to build on what they did. In technology, all that matters is tomorrow."
The denial of the humanities is enabled—and enables—another endemic affliction in the tech industry: “engineer disease,” the belief that specializing in one area (usually STEM) makes you an expert in all others as well. (…) Or, put another way, there is only one thing that is really difficult, and you [the engineer] already know what it is, so everything else must be easy.
People who excel at software design become convinced that they have a unique ability to understand any type of system, from the ground up, without prior training, thanks to their superior analytical powers. Success in the artificially constructed world of software design promotes dangerous confidence.
For example, Elon Musk, in his sidereal hubris, completely ignored the consecrated image that astronomer Carl Sagan commissioned and evoked, about the “pale blue dot,” Earth, “... there being no other place, at least in the near future, to which our species could migrate.” An interviewer asked the entrepreneur to read the longer excerpt, and when Musk reached that sentence, he complained: “That's not true, that's false. Mars!”
Solution?
In the final chapter, Becker advocates a solution: billionaire fortunes should not be allowed. There is an urgent need for taxation that prevents the accumulation of more than, say, $500 million — which would still allow for immense wealth. Economist Paul Krugman is quoted as saying that something like this has actually already been done. In 1953 in the US, annual incomes above $300,000 were taxed at 92%.
Personally, I imagine that such regulation — in the very unlikely event that laws were passed — would be short-lived. Very wealthy people always end up hijacking politics simply because their fortunes allow them to, just as they did to overturn this 1950s law and many other regulations on corporate power.
Something much more radical would be necessary.
This “wild and utterly engaging narrative” (Melanie Mitchell) shows why Silicon Valley’s heartless, baseless, and foolish obsessions—with escaping death, building …
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Digamos que o planeta nasceu à meia-noite e que roda por um dia. Primeiro, não há nada. Duas horas se perdem com lava e meteoros. A vida só aparece às três ou quatro da manhã. Mesmo a essa altura, são apenas os pedaços mais rudimentares de autorreplicação. Do amanhecer ao final da manhã — um trilhão de anos de ramificações, tudo o que existe são células simples e singelas. Então, há tudo. Não muito depois do meio-dia, algo turbulento acontece. Um tipo de célula simples escraviza algumas outras. Os núcleos ganham membranas. As células desenvolvem organelas. O que antes era apenas um lugar com um único acampamento agora se torna uma cidade. Já passaram dois terços do dia quando os animais e as plantas se separam. E a vida ainda é unicelular. O dia cai antes que a vida complexa tome conta. Todos os grandes seres vivos chegam tarde, depois que o céu escurece. As águas-vivas e as minhocas vêm às nove da noite. Na virada da hora, a grande sacada acontece — espinhas dorsais, cartilagem, uma explosão de formas corporais. De um instante a outro, inúmeros novos ramos e troncos se abrem e enchem a copa. As plantas chegam à Terra um pouco antes das dez. Depois, os insetos, que instantaneamente começam a voar. Momentos mais tarde, tetrápodes rastejam a partir da lama das marés, carregando na pele e nas entranhas mundos inteiros de criaturas primitivas. Às onze horas, os dinossauros já fracassaram miseravelmente, deixando os mamíferos e as aves no comando por uma hora. Em algum ponto dos últimos sessenta minutos, no alto do dossel filogenético, a vida se torna consciente. Criaturas começam a especular. Animais começam a ensinar seus filhos sobre o passado e o futuro. Animais aprendem a realizar rituais. O homem anatomicamente moderno aparece quatro segundos antes da meia-noite. As primeiras pinturas rupestres surgem três segundos depois. E, um milésimo de um mover do ponteiro, a vida resolve o mistério do DNA e começa a mapear a árvore da vida. Até a meia-noite, a maior parte do globo foi convertida em fileiras de cultivo para o cuidado e a alimentação de uma única espécie. E é aí que a árvore da vida volta a se tornar outra coisa. É aí que o tronco gigante começa a balançar.
— A Trama das Árvores by Richard Powers (Page 611 - 612)
( em português → sol2070.in/2025/06/livro-careless-people/ )
In Careless People (2025, 400 pages), Sarah Wynn-Williams recounts the years between 2011 and 2018 when she worked closely with Mark Zuckerberg and other Facebook leaders. The book is captivating and fascinating because it gets up close and personal with the kind of people who influence the world so much, showing glimpses of how extremely different they are from most people, in terms of their lack of humanity, as well as some of the company's most shady operations, which we only hear about when their spokespeople appear to deny everything.
The book's success could be one of the comedies of errors recounted in the book itself. The corporation tried to legally ban the circulation of the work. The result: it went straight to the bestseller list on the day of its release.
The narrative begins slowly, with Sarah joining the company. But the revelations …
( em português → sol2070.in/2025/06/livro-careless-people/ )
In Careless People (2025, 400 pages), Sarah Wynn-Williams recounts the years between 2011 and 2018 when she worked closely with Mark Zuckerberg and other Facebook leaders. The book is captivating and fascinating because it gets up close and personal with the kind of people who influence the world so much, showing glimpses of how extremely different they are from most people, in terms of their lack of humanity, as well as some of the company's most shady operations, which we only hear about when their spokespeople appear to deny everything.
The book's success could be one of the comedies of errors recounted in the book itself. The corporation tried to legally ban the circulation of the work. The result: it went straight to the bestseller list on the day of its release.
The narrative begins slowly, with Sarah joining the company. But the revelations become more serious as she gets closer to the leaders. For example, Zuckerberg's obsession with cornering the Chinese market, and all kinds of privacy invasions and espionage he offered the Chinese Communist Party to close a deal.
Coming from New Zealand, with experience in diplomacy, she worked with FB policies in countries outside the US. It is only towards the end that she decides to leave, disgusted by what she repeatedly witnessed and by personal abuse. For most of the book, she tries to convince herself that the corporation could still have a positive effect on the world, admitting her own careerism. In other words, she is no Edward Snowden-type whistleblower; she just wanted the company to make humane decisions, sacrificing profits minimally, but still generating billions for shareholders and a good salary for herself.
Perhaps that is why the title of the book is so neutral: “Careless People”. The author saw no evil conspiracy, only executives who were extremely irresponsible and negligent with anything that did not quickly translate into profits for shareholders. But the consequences of this, as in other companies of this size, are disastrous for people and the world.
Genocide in Myanmar
One example, in the most shocking chapter, is what happened in Myanmar between 2015 and 2017. It was one of the few countries that joined the company's project to help provide internet to the population, as long as the internet was limited to Facebook (brazilian president Dilma Rousseff appears in the book giving Zuckerberg the cold shoulder when he tries to sell the scheme to Brazil). A large part of the population started using FB, which came pre-installed on cell phones, with unlimited minutes, without ever having used the internet on a desktop computer.
The country has a Buddhist majority and an Islamic minority, and has been ruled by a dictatorship since a coup in 1962 (with failed attempts at democratization in recent years). Stimulated by fake news and hatred on Facebook, radical groups began to lynch and rape Muslims, aided or allowed by police and military personnel. The massacre escalated into genocide (recognized by the UN), with more than 6,000 dead and the forced displacement of 700,000 Muslims to Bangladesh.
From the first signs of the catastrophe, the company's leadership had been warned and pressured, but did nothing because the country was not on the priority list — what mattered there were only the millions of new users to fatten the global sum that gives value to the corporation. There was only one person employed to moderate fake news (based in Ireland), and she was sympathetic to the military and opposed to human rights. The official FB app did not work, and people ended up using third-party programs, which did not have the ability to report crimes online. There was even an implementation error in the encoding of Burmese characters, which prevented people outside the country from viewing the content correctly — for example, for someone who understood the language to evaluate it in the US (at the time, automatic translators did not translate Burmese).
The team trying to monitor the situation had to do so unofficially, contacting NGOs, since the company did nothing. Facebook only took action too late, after the ethnic-religious massacre had reached massive proportions, adding to the official list of crimes against humanity.
Hacking human vulnerabilities
Another striking example of this negligence on the part of administrators was when a report in Australia revealed that ad sellers were widely exploiting one of Facebook's capabilities: commercially exploiting moments when teenagers felt “emotionally vulnerable.”
Research has already proven that, at times like these, people spend money more compulsively. The platform detected, for example, when a teenager deleted a selfie (a sign of dissatisfaction with her appearance) and then displayed an advertisement for a cosmetic or weight loss product.
The company was quick to deny and condemn any such practice. Then, people in the sales department began to protest internally, saying that publicly condemning this practice, as if it were something nefarious, was hurting sales. Everyone, in every office of the company around the world, used it. In fact, it was what made the difference in commissions. Salespeople wanted the company to own up to what it was doing so that sales would not be affected.
Abuse
Sarah also reports several instances of abuse she suffered, such as having to participate in online meetings during maternity leave, or constant sexual insinuations from bosses. She details how silence about abuse is part of the toxic culture of the workplace. When she reported her boss's harassment, she ended up being fired.
Reacting publicly to the accusations in the book, executives referred to the author as a troubled and resentful former employee. Denying, as always, any possible illegality or wrongdoing.
Sarah Wynn-Williams, a young diplomat from New Zealand, pitched for her dream job. She saw Facebook’s potential and knew it …
( sol2070.in/2025/06/livro-nem-mesmo-os-mortos/ )
Um magistral e surreal romance latino-americano histórico: Nem Mesmo os Mortos (Ni Siquiera Los Muertos, 2020, 480 pgs), de Juan Gómez Bárcena.
Bárcena na verdade é um aclamado autor espanhol, mas a estória se passa no México, abrangendo uma busca delirante desde o século 16 até os EUA de Trump. O protagonista Juan, ex-soldado da coroa, assume a responsabilidade real de encontrar e neutralizar o indígena subversivo Juan.
É como se Cormac McCarthy tivesse expandido um conto de doppelganger borgesiano em um grande romance de apocalipse colonial, com uma boa homenagem também ao 2666 de Roberto Bolaño. Então não teria como deixar de me arrebatar.
O livro também vai bem além dessas influências, com a qualidade de um pesadelo hipnótico, e alguns respiros essenciais. Ao longo da busca, os cenários vão se transformando historicamente, assim como o linguajar das pessoas, acompanhando os séculos, em transições …
( sol2070.in/2025/06/livro-nem-mesmo-os-mortos/ )
Um magistral e surreal romance latino-americano histórico: Nem Mesmo os Mortos (Ni Siquiera Los Muertos, 2020, 480 pgs), de Juan Gómez Bárcena.
Bárcena na verdade é um aclamado autor espanhol, mas a estória se passa no México, abrangendo uma busca delirante desde o século 16 até os EUA de Trump. O protagonista Juan, ex-soldado da coroa, assume a responsabilidade real de encontrar e neutralizar o indígena subversivo Juan.
É como se Cormac McCarthy tivesse expandido um conto de doppelganger borgesiano em um grande romance de apocalipse colonial, com uma boa homenagem também ao 2666 de Roberto Bolaño. Então não teria como deixar de me arrebatar.
O livro também vai bem além dessas influências, com a qualidade de um pesadelo hipnótico, e alguns respiros essenciais. Ao longo da busca, os cenários vão se transformando historicamente, assim como o linguajar das pessoas, acompanhando os séculos, em transições integradas, sem brusquidão, como as dos sonhos. O perseguidor parece continuar a mesma pessoa, apesar das sugestões de que simboliza um anseio maior. O perseguido vai se transformando. Indígena convertido, pregador herege que aponta a hipocrisia institucional, messias, revolucionário etc.
Versa em prosa formidável (o autor também é poeta) sobre massacre colonial, religião — nas faces horrendas, fanáticas e também mais espontâneas do cristianismo — e política, sendo ao mesmo tempo uma excursão interior pela devastação, pelo “coração das trevas” (o clássico de Joseph Conrad é outra homenagem clara, assim como, aparentemente, a adaptação cinematográfica de Coppola, Apocalypse Now).
Fiquei contente por ter a cópia impressa, na bela edição da editora DBA, já que é o tipo de livro para reler, com muitas camadas. Juan está perambulando num pós-morte alucinatório? É a corporificação dos anseios essenciais de um povo eternamente pisoteado, buscando uma imagem idealizada de si? Algum anjo caído vagando pelas ruínas do tempo?
Nem importa tanto esse tipo de explicação. Há uma grandeza épica que encanta com aquela estética de um sublime maior e bestial, que reflete bastante nosso mundo.
O título vem de uma citação do filósofo cultural Walter Benjamin:
O Messias não vem apenas como Redentor, mas também como o vencedor do Anticristo. Somente o historiador perpassado pela convicção de que nem mesmo os mortos estarão a salvo do inimigo, caso este vença, tem o direito de acender no passado a centelha da esperança. E esse inimigo não cessou de vencer.
É um resumo temático do romance, levando em conta que Benjamim está falando de opressão e libertação históricas.
Vice-reinado da Nova Espanha, século XVI. Juan de Toñanes, velho garimpeiro que ajudou a Coroa na conquista do México e …