sol2070 reviewed A parábola dos talentos by Octavia E. Butler (Semente da Terra, #2)
Distopia presciente
5 stars
( sol2070.in/2024/12/livro-parabola-dos-talentos-octavia-butler/ )
Em "A Parábola dos Talentos" ("Parable of The Talents", 1998, 560 págs.), Octavia Butler conclui a duologia distópica iniciada com "A Parábola do Semeador", sobre a vida de uma líder espiritual laica em um mundo que começa a ruir.
São livros muito atuais por tratarem de colapso socioambiental, conflitos raciais e religiosos, e a volta do fascismo e da escravização. Escrevendo nos anos 90, Butler projetou o início do fim das sociedades como conhecemos para mais ou menos a época atual.
Esse livro começa cinco anos depois do final do primeiro, quando a protagonista Lauren Olamina chega ao local de sua futura comunidade alternativa. É sobre o recrudescimento social que essa comunidade enfrenta após a eleição de um presidente estadunidense que é a cara de Trump, mas com um cristianismo mais fanático e agressivo. Até o slogan “fazer a América grande de novo” é o mesmo — …
( sol2070.in/2024/12/livro-parabola-dos-talentos-octavia-butler/ )
Em "A Parábola dos Talentos" ("Parable of The Talents", 1998, 560 págs.), Octavia Butler conclui a duologia distópica iniciada com "A Parábola do Semeador", sobre a vida de uma líder espiritual laica em um mundo que começa a ruir.
São livros muito atuais por tratarem de colapso socioambiental, conflitos raciais e religiosos, e a volta do fascismo e da escravização. Escrevendo nos anos 90, Butler projetou o início do fim das sociedades como conhecemos para mais ou menos a época atual.
Esse livro começa cinco anos depois do final do primeiro, quando a protagonista Lauren Olamina chega ao local de sua futura comunidade alternativa. É sobre o recrudescimento social que essa comunidade enfrenta após a eleição de um presidente estadunidense que é a cara de Trump, mas com um cristianismo mais fanático e agressivo. Até o slogan “fazer a América grande de novo” é o mesmo — que Trump reciclou de Ronald Reagan.
Assim como o primeiro livro, é pesado, com um nível de violência acima do normal, incluindo tortura, estupros e diversos tipos de execução.
A diferença é que os diários da protagonista são comentados pela filha dela, escrevendo décadas depois dos acontecimentos, quando a filosofia-religião Semente da Terra, idealizada por Lauren, já se disseminou massivamente pelo planeta.
É uma filosofia laica, que reconhece e aceita os principais aspectos da realidade, sem nenhum elemento sobrenatural, tendo a constante mudança, para o mal ou bem, como o principal deles. Entretanto, as pessoas se engajam nessas ideias de forma espiritualizada, no sentido de se apoiarem nisso nos momentos difíceis, e perceberem o processo maior, além de se integrarem e até o moldarem.
Como apêndice, assim como no primeiro volume, há uma bela entrevista com a autora. Ela conta que escreveu esses dois livros como sendo um, mas terminou dividindo. Planejava escrever mais volumes, em que uma humanidade apoiada por novos valores iniciaria a migração para outros planetas, não como fuga, mas florescimento cósmico. Ela morreu antes, em 2006.
Imagino que se estivesse viva, lamentaria o modo como esse sonho de expansão estelar foi capturado e distorcido por tecno-bilionários como Musk e Bezos, a ponto de se tornar algo ridículo e lamentável.
Admito que também passei a ver isso assim.
Entretanto, no livro, a ideia de a humanidade se espalhar pelas estrelas é como um destino transcendente da filosofia Semente da Terra. Pra mim, ficou nítido que, como ela não possui nenhum elemento de ascensão majestosa, é preciso um objetivo humano que preencha a necessidade de união com algo imortal, vasto e infinito.
Entendo, apesar de não ver viagens espaciais como a melhor forma para realizar isso — na verdade, já estamos flutuando bem no meio do espaço sideral (como diz o Flaming Lips, na canção "Do You Realize?"), em um planeta rodeando o Sol a 30 km por segundo, em uma galáxia a 600 km/segundo. A escritora nunca escondeu que o sonho de uma humanidade interestelar a atraía desde criança, assim como muitos cientistas, como o astrônomo Carl Sagan. Talvez tenha relação com o que mencionei: para pessoas que não consideram nada além da matéria observável, o espaço infinito é o que mais se parece com uma fronteira transcendental.
Um porém da edição brasileira é que a tradução não é das mais caprichadas. Para quem não costuma perceber nuances como o estilo das frases ou a sonoridade dos diálogos, não há problema nenhum. É uma tradução OK, apesar dos erros de gramática que passaram (no livro anterior, até cheguei a pensar que eram propositais, para reproduzir com fidelidade um diário). Mas senti que o estilo da escritora não estava aparecendo, que o ritmo estava desajeitado, e acabei mudando para o original em inglês, o que fez toda a diferença pra mim.
A próxima série da “Grande Dama da FC” na fila agora é "O Padronista", de cinco livros.