sol2070 reviewed Grande Sertão: Veredas by João Guimarães Rosa
Levei 30 anos pra ler
5 stars
( sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/ )
Essa é a edição de Grande Sertão: Veredas (1956, 560 pgs), de Guimarães Rosa, que guardo há 30 anos — meu recorde de tempo de um livro esperando na fila de leitura.
Comprei adolescente, seduzido por essa edição comemorativa da Nova Fronteira, mas nunca consegui ler. Provavelmente foi melhor assim, já que se tivesse lido muito jovem não teria apreciado como agora.
A barreira inicial costuma ser a linguagem, uma recriação poética e hiperbólica — repleta de corruptelas, nomes quiméricos, palavras inventadas, populares ou até cultas — do linguajar de jagunços do norte mineiro, abrangendo também Goiás e Bahia, de uns 80 anos atrás. Mas, como disse um crítico após o lançamento da obra-prima, basta perseverar por umas 50 ou 100 páginas que a coisa começa a se abrir e encantar.
Toda a estória é contada oralmente pelo cativante ex-jagunço Riobaldo num jorro só, sem interrupção ou …
( sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/ )
Essa é a edição de Grande Sertão: Veredas (1956, 560 pgs), de Guimarães Rosa, que guardo há 30 anos — meu recorde de tempo de um livro esperando na fila de leitura.
Comprei adolescente, seduzido por essa edição comemorativa da Nova Fronteira, mas nunca consegui ler. Provavelmente foi melhor assim, já que se tivesse lido muito jovem não teria apreciado como agora.
A barreira inicial costuma ser a linguagem, uma recriação poética e hiperbólica — repleta de corruptelas, nomes quiméricos, palavras inventadas, populares ou até cultas — do linguajar de jagunços do norte mineiro, abrangendo também Goiás e Bahia, de uns 80 anos atrás. Mas, como disse um crítico após o lançamento da obra-prima, basta perseverar por umas 50 ou 100 páginas que a coisa começa a se abrir e encantar.
Toda a estória é contada oralmente pelo cativante ex-jagunço Riobaldo num jorro só, sem interrupção ou divisão em capítulos. Em meus frequentes momentos de desconexão ou distração, por ser algo tão diferente do que leio, bastava imaginar que ele estava na minha frente falando para trazer de volta o interesse magnético. Assim, a leitura não deixou de ser também um austero exercício de concentração e presença, com recompensa magnífica.
O enredo demora a decolar, em meio a causos e falsas partidas que vão dando um esquenta e aclimatando sobre o que virá. Depois que deslancha, se torna mágico e profundo, sem descartar o pitoresco e a aventura.
Há três temas essenciais:
- A luta entre bandos rivais, com muita ação e violência.
- Amor queer e os conflitos internos que invoca.
- Reflexões sobre a natureza do demônio, ou do Mal. Riobaldo é na prática um Fausto do Sertão.
O cenário é um sertão do Cerrado que transcende a natureza exuberante em direção ao mítico e fantástico.
Recomendo bastante a leitura do ensaio “O homem dos avessos” (1957), em que o lendário crítico literário Antônio Candido analisa a obra, incluído em Tese e Antítese. Ajuda a absorver melhor as múltiplas camadas.
Na superfície, é uma aventura regional bem brasileira, de rica inventividade estilística.
Também é um lendário “romance de cavalaria”, como os medievais da Távola Redonda, com todos seus mitos e rituais, porém tudo à brasileira.
E há uma camada psicológica profunda. Riobaldo é contumaz em seu questionamento se o demônio existe. Prefere negar, quase como um autoconvencimento. Estaria então dentro de cada pessoa? Além disso, há a paixão pelo companheiro Diadorim.
Como diz Candido:
A experiência documentária de Guimarães Rosa, a observação da vida sertaneja, a paixão pela coisa e pelo nome da coisa, a capacidade de entrar na psicologia do rústico, tudo se transformou em significado universal graças à invenção, que subtrai o livro à matriz regional para fazê-lo exprimir os grandes lugares-comuns, sem os quais a arte não sobrevive: dor, júbilo, ódio, amor, morte — para cuja órbita nos arrasta a cada instante, mostrando que o pitoresco é acessório e que na verdade o Sertão é o Mundo.
Camadas internas
Não tem muito sentido alertar sobre spoilers em uma obra tão consagrada, parte até do currículo de vestibulares. Quem for ler provavelmente já sabe das reviravoltas e conclusão. Mas alerto. Segue a minha leitura da camada mais profunda e psicológica, repleta de spoilers. → sol2070.in/2025/07/grande-sertao-veredas/