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Fiódor Dostoiévski: O Duplo (Paperback, 2014, Editora 34) 5 stars

Sobre O duplo, seu segundo romance, publicado em 1846, Dostoiévski declararia: "nunca dei uma contribuição …

Dostoiévski, o homem do subsolo, doppelgänger e o sufocamento social

5 stars

Dostoiévski faz um intenso e truncado estudo psicológico em "O Duplo". Utilizando aqui a figura do "homem do subsolo", arquétipo que seguiria fazendo parte de sua obra literária, o autor narra a vida de um burocrata solitário e psicologicamente frágil. Sua conexão com a realidade parece ser rompida após um evento social traumático, e a partir deste momento ele começa a conviver com seu duplo. A princípio amigos, logo ambos viram inimigos mortais, quando o protagonista se convence que seu novo eu quer tomar sua vida.

O conceito de Doppelgänger (o duplo não biologicamente relacionado) é vastamente utilizado nas artes como um estudo da natureza humana. Ao colocar o ponto de vista narrativo sob a ótica de um personagem não confiável, Dostoiévski convida o leitor a diferentes interpretações: estaria o protagonista entrando numa espiral de dissociação de realidade? Estaria o protagonista sobrepondo sua imagem em outrem numa tentativa de aceitação social? Realmente existiria um duplo, alguém tentando substituí-lo?

Dostoiévski constrói a narrativa com primazia, fazendo uma construção delicada e ao mesmo tempo complexa do protagonista, por meio de discursos e de fluxos de consciência truncados e desconexos, por meio de ações conflituosas e desesperadas. É possível ver também a crítica sutil ao sistema capitalista e aristocrático da Rússia do século XIX, que engole brutalmente o protagonista em sua espiral de loucura. Todas as tentativas do protagonista em ascender social e economicamente são taxativamente frustrada por seus pares, e cada nova tentativa de invasão a espaços da alta sociedade é acompanhada por rejeição, frustração e, consequentemente, dissociação. O fato do duplo parecer se adequar melhor a estes sujeitos e locais, além de fonte de cólera do protagonista, nos faz questionar: que tipo de sociedade é esta que aparenta rejeitar o "original" e aceitar a "cópia"?

A edição da Editora 34 é, indubitavelmente, um primor. A tradução direto da língua russa pelo Dr Paulo Bezerra é espetacular, mantendo a essência do texto original ao mesmo tempo que se preocupa em adaptar transculturalmente a obra. As ilustrações de Alfred Kubin presentes na edição também são lindíssimas e se conectam perfeitamente ao tom da obra.