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Rogério M. de Almeida: Eros e Tânatos (Portuguese language, 2007, Edições Loyola) No rating

Dos pré-socráticos a Platão, de Schopenhauer a Nietzsche e Freud, o autor sustenta que no …

No livro seguinte, o delta, o filósofo se valerá mais uma ez do movimento para introduzir a questão do ser enquanto potência e enteléquia, ou ato final. A este propósito, ele aduz exemplos que vem mostrar a impossibilidade mesma de se en gir uma ontologia baseada numa dicotomia absoluta ou num dualismo irredutível, mas todo dualismo já manifesta uma irredutibilidade entre on ou. Para Aristóteles, aquele que ve, vê ao mesmo tempo em potência e em ato, e do mesmo modo que o conhecimento consiste simultaneamente na potência de atualizar o conhecimento e no conhecimento atualizado, assim também o estar em repouso revela tanto aquilo que já se acha em repouso quanto aquilo que pode ficar em repouso. Freud dirá, a partir de outra perspectiva, que o sadio é um neurótico em potência e que, inversamente, o neurótico pode ficar sadio pela análise, ou pela capacidade de simbolizar, de significar, de verbalizar, de con-versar. Mas para Nietzsche também não existe fronteira entre o normal e o patológico, entre o doente e o sadio, entre o louco e o sensato, entre o feio e o belo, entre o bom e mau³. Curiosamente, após enumerar os exemplos a que acima me referi, Aristóteles acrescentará que também com relação à substância, e não somente aos seus atributos, poder-se-á afirmar que Hermes, enquanto estátua e portanto ato, já se acha contido no bloco de mármore que, no entanto, ainda é potência; de igual modo, a semi-linha já se encontra em toda a linha e o trigo, embora ainda não amadurecido, é por todos chamado trigo. Mais adiante, ele sustentará que o ser que perece é aquele que, obviamente, também encerra a potência de perecer, pois ele não teria perecido se não tivesse tido a capacidade ou a tendência para fazê-lo. De sorte que, ajunta o filósofo, é preciso que nele resida uma certa disposição, uma causa ou um principio res- ponsáveis por uma tal modificação. Certo, na perspectiva de postóteles esta causa e este principio remetem, por sua vez, a uma causa primeira, a um princípio primeiro ou a um motor novel que finalmente explicariam todas as mudanças que se desenrolam na materialidade do mundo sublunar. Neste sen- ndo, poder-se-ia redargüir que, afinal de contas, o pensamento anstotélico se constrói igualmente como um sistema totalitário, fechado em si mesmo e rematado pelo ser enquanto ser. Este ser constitui o primeiro elo de uma corrente ontológica em que todos os seres têm o seu lugar fixo na hierarquia das formas. Mas contra uma tal objeção se poderiam igualmente apontar as inúmeras rupturas, retomadas, revalorações, reinterpretações e "contradições" que marcam de maneira radical os repetidos ensaios de Aristóteles para colmatar as lacunas, as falhas, a falta ou a hiáncia que exprimem a impossibilidade de se completar o sistema no interior mesmo de sua imanência. É o que, de novo, eu designo pela expressão "o paradoxo da escrita", o qual se acha também - guardadas, naturalmente, as diferenças de concepção e de perspectiva - em pensadores tão sistemáticos quanto Plotino, Tomás de Aquino, Descartes, Spinoza, Kant e Hegel. É, portanto, neste paradoxo que reside o ponto focal sobre o qual eu venho insistindo ao longo destas reflexões: a tensão do desejo que não cessa de articular, costurar, pontilhar e conectar o que ainda falta para completar, rematar, consumar, consumir, satisfazer, usufruir. Gozar

Eros e Tânatos by  (Leituras Filosóficas) (Page 101 - 103)