De todo modo, o livro foi publicado somente no ano seguinte, após a tomada do poder pelos bolcheviques. Mas no prefácio às edições francesa e alemã, escrito em julho de 1920, Lênin, já como líder da primeira revolução proletária da história, não poupa a turba que passou a considerar inimiga do socialismo:
Neste livro, damos especial atenção à crítica do “kautskismo”, essa corrente ideológica internacional que em todos os países do mundo era representada pelos “teóricos mais eminentes”, chefes da Segunda Internacional (Otto Bauer e cia. na Áustria, Ramsay MacDonald e outros na Inglaterra, Albert Thomas na França etc. etc.) e um número infinito de socialistas, reformistas, pacifistas, democratas burgueses e clérigos.[16]
O livro possui dez capítulos relativamente curtos, nos quais vão sendo destrinchados aspectos do funcionamento do capitalismo em seu novo estágio. Aqui não cabe uma análise detalhada das questões levantadas em cada um; apenas alguns pontos que considero indispensáveis serão tratados.
Em primeiro lugar, para Lênin, o imperialismo é um estágio específico do modo de produção capitalista, resultado de uma mudança substancial na sua estrutura organizacional; o estágio do capitalismo monopolista. Iniciado no último quartel do século XIX, o imperialismo se apresenta como consequência das tendências intrínsecas do processo de acumulação de capital – em que prevalecem a sua concentração e centralização – e das contradições que surgem da luta de classes no capitalismo, como analisou Marx. Portanto, o imperialismo é algo novo, não se confunde com os impérios antigos. No capítulo VII, Lênin apresenta sua definição: “Se fosse indispensável dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, seria preciso dizer que o imperialismo é o estágio monopolista do capitalismo”[17]. Nesse estágio específico, seguindo o rastro de Hilferding, Lênin reconhece o capital financeiro como a força central do imperialismo. É justamente na esfera financeira que ocorre uma mudança de qualidade no sistema: ao contrário do estágio anterior, em que prevalecia o capital industrial, o impulso econômico do imperialismo está no capital financeiro.
Em segundo lugar, no estágio imperialista, a exportação de capital ganha proeminência. A característica do “velho” capitalismo, em que predominava a livre concorrência, é a exportação de mercadorias. O “novo” capitalismo, em que imperam os monopólios, é caracterizado pela exportação de capital. A exportação de capital acentua a internacionalização econômica e, com isso, a competição entre os Estados-nação.
Em terceiro lugar, a questão da possibilidade de organização do capitalismo que evitasse a eclosão de guerras. Essa é uma das principais questões do livro. Além do prefácio da obra de Bukhárin que mencionei anteriormente, Lênin já havia discutido isso em outras oportunidades[18]. Em oposição a Kautsky, ele demonstra que os conflitos internacionais são inerentes ao funcionamento do capitalismo, embora em algumas situações possa predominar a cooperação. A exportação de capital tende a promover o crescimento econômico nos países receptores. Assim, a estabilidade do sistema é impossível, pois o desenvolvimento desigual provoca mudanças na correlação de forças entre as nações, com a tendência de erosão do poder do centro em relação a novos núcleos de poder com maior dinamismo econômico. Nesse caso, diferentemente do que se convencionou entender com base na chamada teoria da dependência, existe a tendência estrutural de que os países mais desenvolvidos tenham uma taxa de crescimento econômico menor em relação aos países menos desenvolvidos, no próprio centro capitalista ou na periferia do sistema[19].
A expansão do capital não requer necessariamente a conflagração de guerras, porém estas não podem ser descartadas, de tal modo que as atividades ligadas ao setor armamentista adquirem uma posição privilegiada nas economias nacionais. A existência de inimigos externos – mesmo inventados – que justifiquem as encomendas militares faz parte do jogo das grandes potências. Além disso, o clima de belicismo permanente beneficia também setores da economia que não estão ligados diretamente à indústria bélica, algo a que Kautsky parece não ter dado tanta importância.
Em quarto lugar, vale lembrar que a contribuição teórica de Lênin para o estudo do desenvolvimento do capitalismo no mundo já se encontrava em dois textos, “O chamado problema dos mercados”, de 1893, e “Para caracterizar o romantismo econômico”, de 1897, além da obra clássica “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, de 1899[20]. Nesses trabalhos, Lênin, ainda jovem, explica que o capital é progressivo e que o objetivo final dos investimentos é a valorização do capital, e não o consumo que está subordinado ao processo de acumulação. A busca por mercados externos não é decorrência das dificuldades de realização do mais-valor, como defendiam Rosa Luxemburgo e os populistas russos[21]. O imperialismo também não é uma consequência da queda da taxa de lucro. O capital é progressivo: não precisa “esperar” pela queda da taxa de lucro para buscar mercados externos nem qualquer outra contratendência que se queira considerar. Não há limite estrutural que leve à estagnação da economia. Sendo progressivo, os limites do capital só se encontram em si mesmo[22].
Por fim, um dos principais elementos que contribuiu para que o livro obtivesse um sucesso incomparável com outras obras lançadas na época sobre o mesmo tema está relacionado à ênfase de Lênin na questão da opressão nacional. Diz ele: “Intensifica-se também particularmente a opressão nacional e a tendência a anexações, ou seja, à violação da independência nacional”[23]. Além da luta de classes, o movimento revolucionário deveria atentar para a luta pela descolonização. Lênin, que enfrentou o tsarismo russo, o governo mais reacionário da Europa, encontrou na opressão nacional um fator potencial para a revolução proletária, vinculando a luta de classes à luta anti-imperialista de libertação nacional. Não foi por acaso que grande parte dos movimentos de independência nacional se identificou com o comunismo e com a luta anti-imperialista, especialmente após 1945, quando ocorreu o desmantelamento dos antigos impérios coloniais[24]. É sempre bom lembrar que a revolução chinesa de 1949, a maior revolução anticolonial da história, foi liderada por um partido comunista fortemente influenciado pelas ideias de Lênin.