Miguel Medeiros quoted Quem Manda no Mundo? by Noam Chomsky
A Coreia do Norte talvez seja o país mais louco do mundo; é um bom concorrente a esse título. Mas faz todo sentido tentar compreender o que se passa na cabeça das pessoas quando estão agindo loucamente. Por que se comportam da forma como se comportam? Basta imaginar-se na situação delas. Imagine o que significou, nos anos da Guerra da Coreia na década de 1950, ver seu país ser totalmente arrasado – tudo destruído por uma mastodôntica superpotência, a qual estava se regozijando com suas ações. Imagine a marca que isso deixaria. Tenhamos em mente que a liderança norte-coreana à época provavelmente leu as publicações militares públicas dessa superpotência explicando que, uma vez que tudo na Coreia do Norte havia sido devastado, a força aérea foi enviada para lá a fim de destruir as represas norte-coreanas, enormes represas que controlavam o abastecimento de água da nação – um crime de guerra, aliás, pelo qual pessoas foram enforcadas em Nuremberg. E essas publicações oficiais discorriam entusiasticamente sobre como era maravilhoso ver a água jorrando e arrasando os vales, e o corre-corre dos “asiáticos” em sua tentativa de sobreviver.[5] As publicações exultavam com o que isso significava para aqueles asiáticos – horrores além da nossa imaginação. Significava a destruição de suas colheitas de arroz, o que queria dizer fome e morte. Que magnífico! Não está em nosso banco de memórias, mas está no deles. Voltemos ao presente. Há uma interessante história recente: em 1993, Israel e Coreia do Norte caminhavam para um acordo no qual a Coreia do Norte interromperia o envio de todo e qualquer tipo de míssil e tecnologia militar para o Oriente Médio e em contrapartida Israel reconheceria o país. O presidente Clinton interveio e bloqueou o acordo.[6] Pouco depois, em retaliação, a Coreia do Norte realizou um teste de mísseis de pequena envergadura. Os Estados Unidos e a Coreia do Norte chegaram a um acordo estrutural em 1994, que interrompeu o programa nuclear norte-coreano e foi mais ou menos honrado por ambos os lados. Quando George W. Bush assumiu a presidência, a Coreia do Norte tinha talvez uma arma nuclear e comprovadamente não estava produzindo outras mais. Bush imediatamente lançou seu militarismo agressivo, ameaçando a Coreia do Norte (“Eixo do Mal” e tudo mais), de modo que os norte-coreanos retomaram seu programa nuclear. Quando Bush deixou a Casa Branca, a Coreia do Norte possuía de oito a dez armas nucleares e um sistema de mísseis, outra formidável realização neoconservadora.[7] No meio, outras coisas aconteceram. Em 2005, os Estados Unidos e a Coreia do Norte chegaram efetivamente a um acordo por meio do qual a Coreia do Norte cessaria todo o desenvolvimento de armamentos nucleares e de mísseis; em troca, o Ocidente – mas principalmente os Estados Unidos – forneceria um reator de água leve para suas necessidades médicas e daria fim às suas declarações agressivas. A seguir, ambos firmariam um pacto de não agressão e caminhariam para a conciliação. O acordo era muito promissor, mas quase imediatamente Bush o sabotou. O presidente retirou a oferta do reator de água leve e iniciou programas para coagir os bancos a pararem de realizar transações financeiras norte-coreanas, até mesmo as que fossem perfeitamente legais.[8] Os norte-coreanos reagiram retomando seu programa de armas nuclear. E é assim que a coisa vem seguindo. O jargão é bem conhecido. Qualquer um pode lê-lo na produção acadêmica norte-americana dominante. Sem meias palavras, o que se diz é: trata-se de um regime bastante louco, mas que segue uma política do olho por olho, dente por dente. Você faz um gesto hostil e nós responderemos na mesma moeda, com o nosso próprio gesto louco. Você faz um gesto conciliador, e nós retribuímos da mesma forma. Recentemente, o comando militar dos EUA e da Coreia do Sul realizaram exercícios militares de grande escala na península coreana, o que do ponto de vista do norte deve parecer ameaçador. Nós acharíamos ameaçador se manobras desse tipo estivessem acontecendo no Canadá, com armas apontadas para nós. Durante esses exercícios, os mais avançados bombardeiros da história, Stealth B-2 e B-52, simularam ataques de bombardeio nuclear bem nas fronteiras da Coreia do Norte.[9] Isso fez soarem os sinos de alarme do passado. Os norte-coreanos lembram-se de algo daquele passado, por isso estão reagindo de forma bastante agressiva e extremada. Bem, o que chega ao Ocidente é o quanto os líderes norte-coreanos são loucos e terríveis. Sim, eles são – mas isso está longe de ser a história completa, e é assim que o mundo tem caminhado.
— Quem Manda no Mundo? by Noam Chomsky (Page 167 - 170)