O ser-em-si é a determinação de uma coisa tal como ela é, enquanto ela não fez ainda reflexão dentro de si mesma. O conceito de ser-para-si podemos compreender, por seu turno, de maneira relativamente simples, caso o tomemos em sentido bastante literal. "Para si" significa aí não apenas aquilo que é apartado do todo, separado - ainda que esse momento de separabilidade [ Getrenntheit] desempenhe neste contexto um papel essencial-, mas também efetivamente aquilo que se pretende dizer, por exemplo, quando alguém afirma o seguinte: este homem é em si um cafajeste, porém para si é muito decente, isto é, ele simplesmente não acha que é um cafajeste, não sendo nem mesmo capaz de perceber, por pouco que seja, seu mau caráter e vilania; ao contrário - por narcisismo, diriam os psicólogos - continua a se achar um ser humano maravilhoso. Ele é para si, portanto, um ser humano maravilhoso, mas em si é um cafajeste, quer dizer, segundo sua determinação objetiva, tal como ela se expressa, digamos, em sua função social. A filosofia hegeliana, a qual trata essencialmente, como toda dialética, do sujeito e do objeto, ou seja, que considera que o subjetivo e o objetivo estão separados um do outro, incumbe-se da tarefa de comprovar justamente essa diferença entre ser-em-si [Ansichsein] e ser-para-si [Fürsichsein], embora possa para isso trilhar caminhos diversos. Na Lógica, trata-se do caminho que consiste em avançar do ser-em-si, passando pelo ser-para-si e se colocando, finalmente, na direção do ser-em-si-e-para-si [Anunclfürsicbsein]; na Fenomenologia, o caminho é precisamente o inverso, isto é, consiste em partir da subjetividade, a qual chega então à consciência de si mesma, ao ser-para-si e, apenas atravessando essa consciência e todas as reflexões que lhe são vinculadas, chega-se ao ser-em-si e ao ser-em-si-e-para-si. Nisto, a saber, que essa oposição de ser-em-si e ser-para-si esteja posta aqui com toda essa seriedade, reside já o tema real e altamente decisivo da determinação objetiva, segundo o qual os seres humanos - e a filosofia hegeliana é, segundo sua origem, uma filosofia humanista-, pela função que objetivamente desempenham na sociedade, não são ainda idênticos consigo mesmos. Dito de outro modo, o papel social, caso eu possa exprimi-lo de uma maneira mais moderna, enquanto ser-em-si das pessoas, e a consciência delas, o ser-para-si, divergem um do outro. E mesmo essa divergência, por conseguinte, essa não identidade dos seres humanos com seu próprio mundo - que justamente por isso não é ainda, de maneira nenhuma, seu mundo propriamente dito -, tal é precisamente o fundamento daquela situação conflituosa, daquele sofrimento, daquela negatividade, a qual, tal como eu lhes disse anteriormente, somente pode ser ultrapassada pelo trabalho, paciência, seriedade e esforço do conceito.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 157 - 159)