Tem uma passagem muito interessante sobre positivismo e pesquisa. Pena que são 10 páginas, não vai dar pra postar aqui.
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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia
Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.
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Miguel Medeiros commented on Introdução à dialética by Theodor W. Adorno
Miguel Medeiros started reading O Hobbit by J.R.R. Tolkien

O Hobbit by J.R.R. Tolkien
Bilbo Bolseiro era um dos mais respeitáveis hobbits de todo o Condado até que, um dia, o mago Gandalf bate …
Miguel Medeiros finished reading O espírito da esperança by Byung-Chul Han

O espírito da esperança by Byung-Chul Han
Em um mundo repleto de desafios, crises e incertezas, o filósofo Byung-Chul Han nos convida a refletir sobre a condição …
A verdade, assim aprendemos na dialética, não é de modo nenhum algo dado, ela não é, tal como se lê em Hegel, nada pron- to e acabado, 154 mas reside antes, ela própria, no processo, // e o objeto que temos diante de nós é, enquanto tal, um objeto em movimento. Contudo, por ser um objeto que contém movimento em seu próprio interior, ele não permanece unívoco. Ou antes, permitam-me talvez falar de maneira mais precisa, ele não é apenas unívoco, o que significa que nós necessitamos - e aqui se presta tributo ao momento cartesiano - de sua univocidade, de sua determinidade, do discernimento do específico e daquilo que se estabelece, em seus contornos, diante dos nossos olhos. E justamente ao observarmos esse objeto fixo e determinado bem de perto, deparamo-nos com a circunstância de que ele não é um objeto de tal maneira fixo e determinado. Trata-se aqui, outrossim, do olhar micrológico, que mergulha no particular, aquele olhar sob cuja vigência o paralisado e aparentemente unívoco, supostamente determinado, começa a se mover em si mesmo - e com isso, empreende-se, ao mesmo tempo, uma crítica àquela proposição de Descartes.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 277 - 278)
A propósito, valeria a pena comentar aqui uma diferença da qual vocês terão já ouvido falar, mas que é raramente pensada de modo preciso e é em geral esquecida: a diferença entre materialismo dialético e materialismo vulgar, que podemos agora caracterizar de modo mais apropriado. E com isso vocês poderão talvez, daqui para a frente, entender o que quer dizer as- sumir uma posição contrária ao materialismo vulgar. Isso não significa que ao materialismo vulgar seria contraposto, digamos, um materialismo mais refinado, mas sim que na tentativa de explicar a partir das condições materiais todo e qualquer processo, formação espiritual ou o que quer que seja, não se pode pressupor, de modo imediato, que os assim chamados motivos materiais sejam os mais autênticos princípios explicativos. Em outras palavras, suponhamos uma teoria econômica vulgar que acreditasse poder deduzir a realidade econômica a partir do assim chamado impulso para o lucro ou da avidez por dinheiro, ou mesmo de outros motivos atinentes às intenções dos capitalistas, ou ainda a partir do chamado impulso 133 para o lucro, mas separado de motivações psicológicas. // Essa seria uma interpretação materialista vulgar, pois não recorre- ria à totalidade da sociedade, no interior da qual unicamente os impulsos [Strebungen] de empresários e trabalhadores adquirem primeiramente seu valor relativo. Ou seja, mesmo que supuséssemos que os capitalistas individuais fossem todos anjos - ou preferencialmente santos -, mas ao mesmo tempo coagidos, sob condições do capitalismo, a exercer suas atividades econômicas, então isso significaria que, apesar dessa intenção subjetiva, a despeito da completa ausência do chamado impulso para o lucro, nada de essencial se alteraria no decurso dos processos sociais como um todo. E eu creio, caso me seja permitido ainda acrescentar, que realmente muitas das malbaratadas investidas que hoje se apresentam na versão materialista de dialética estejam alojadas precisamente neste ponto: não se esforçam em dar uma explicação dos fenômenos sociais recorrendo à mediação pela totalidade; em vez disso, atribui- -se efetivamente ao adversário, isto é, à teoria materialista, a ingenuidade de querer explicar o mundo a partir de algo como o impulso para o lucro ou ainda, como elegantemente se diz, a partir de motivos materiais elementares. E então, depois que se tenha atribuído ao adversário essa tese sem sentido, fica fácil conseguir fazê-lo transitar à ideia de que haveria algo além dos tais motivos elementares - a saber, de que haveria também motivos mais elevados e nobres. Creio que, caso vocês desejem se ocupar com o problema da dialética materialista em geral, aquilo que se coloca primordialmente como imperativo é que tomem esse pensamento com toda seriedade, rejeitando assim todas essas representações - por exemplo, que o mundo deva ser explicado pelos assim chamados motivos elementares, ou seja, pelo impulso para o lucro, hipostasiado agora como a característica fundamental do ser humano. Devem, ao contrário, levar bem a sério o pensamento da totalidade social - portanto, do espírito objetivado do capitalismo - enquanto aquilo que poderia propriamente figurar como o princípio explicativo.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 254 - 255)
Pois se percebe claramente que pensar, ou melhor, que conhecer só é realmente conhecer quando é mais do que a mera consciência de si mesmo - quando, portanto, dirige-se a um outro, ou seja, quando não permanece na mera tautologia. Se pretendemos conhecer algo, então queremos - caso possam me perdoar 122 a sutileza didática e professoral-// justamente conhecer algo, e não simplesmente permanecer às voltas apenas com o ato de conhecer. Em outras palavras, queremos ir além do âmbito de nosso mero pensar. Entretanto, de outro lado, justamente pelo fato de que pretendemos conhecer esse algo, ele se torna também um momento do nosso pensar, torna-se ele mesmo conhecimento e, portanto, torna-se propriamente também espírito. Conhecer significa sempre tanto quanto acolher, em nossa pró- pria consciência, aquilo que se nos contrapõe como estranho [fremd] , não idêntico [unidentisch] e, assim, significa, em certa medida, nos apropriarmos dele, fazer dele nossa própria coisa. E esse paradoxo, segundo o qual conhecer significa, por um lado, verter algo numa identidade [conosco], mas, ainda as- sim, relacionar-se a algo que não nos é idêntico - justamente porque, se assim não fosse, não se trataria aqui realmente de conhecer - esse paradoxo, de outro modo insolúvel, compele propriamente ao esforço do conceito, àquele processo da verdade que se desdobra a si mesma, assim como também, paralelamente, do pensar que se desdobra a si próprio - processo que aqui nos referimos com o nome de "dialética".
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 236 - 237)
Creio ter mostrado com isso em que sentido o sistema deve ser entendido, na dialética, como um conceito crítico, isto é, no sentido de que, justamente o momento da unidade, que é designado por esse sistema e que nada negligencia, seja prontamente determinado como momento coercitivo, ao qual os seres humanos que nele vivem estão submetidos e do qual eles deveriam se libertar; por outro lado, porém, também no sentido de que esse momento de unidade, enquanto um [momento] dinâmico e que se desdobra em si mesmo, tem o potencial de avançar na direção de seu próprio colapso. Algo assim foi formulado pelo próprio Hegel, que percebeu tais coisas com assustadora sobriedade e clareza naquelas célebres passagens da Filosofia do direito nas quais diz que, necessariamente e a partir de seu próprio princípio, na sociedade civil-burguesa [bürgerliche Gesellschajt] com sua riqueza cresce, ao mesmo tempo, sua pobreza. Tal- vez me seja permitido até mesmo acrescentar ainda que o célebre papel apologético que Hegel conferiu ao Estado tem exatamente aqui seu lugar, isto é, que ele, com uma espécie de salto desesperado para fora da dialética - poderíamos dizer -, colocou o Estado como uma espécie de árbitro que de- veria trazer ordem àquilo que, na própria dialética, por meio da intensificação [Anwachsen] de oposições, não poderia senão se despedaçar. // Porém eu, ao dizer isso agora, tornando manifesta, a partir de Hegel, uma posição divergente da sua pró- pria, ou seja, ao sustentar que ele teria aqui empreendido uma espécie de construção violenta, a fim de salvar a positividade de seu sistema, sou obrigado a dizer que também nessa passagem, que à primeira vista parece um sacrifício dell'íntellecto, e a respeito da qual toda medíocre imbecilidade desde sempre se indignou, possui ao mesmo tempo, em seu interior, a mais profunda percepção [Einsicbt], a saber: a de que a sociedade civil-burguesa, tão logo queira se conservar em suas próprias condições como sociedade civil-burguesa, no momento de seu apogeu, vê-se forçada a produzir, a partir de si mesma, formas de tipo conservador e autoritário, as quais, de modo violento e sob a contínua recusa em se entregarem ao jogo imanente de forças, resultam em certa medida na contenção da dinâmica e na recondução da sociedade ao estágio da simples reprodução. Poderíamos dizer, portanto, caso se quisesse falar de maneira bastante arrojada, que a teoria do Estado em Hegel, e do con- sequente cumprimento do espírito absoluto no Estado, seria inteiramente correta, se tivesse sido apresentada por ele como uma teoria negativa, isto é, se tivesse se encaminhado para mostrar que, de fato, a sociedade civil-burguesa, em seu apogeu, na medida em que deseja permanecer como sociedade burguesa, terá necessariamente a tendência de desembocar no fascismo e no estado totalitário; e que uma sociedade civil-burguesa que permanecesse ad infinítum ligada de maneira imanente ao seu próprio sistema, não poderia mesmo sequer ser imaginada. No entanto, essa consequência grandiosa, que se encontra implícita na filosofia hegeliana do Estado, nunca foi extraída, sob ne-nhum aspecto, e isso devido a motivos apologéticos.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 230 - 233)
Isso que nós habitualmente denominamos de lógica não é senão a doutrina da absoluta identidade, e seu cerne propriamente dito - e, na verdade, o cerne de todas as regras da lógica - reside em que os conceitos ou signos, li introduzidos pela lógica, sejam fixados como idênticos a si mesmos. A lógica não é, dessa maneira, outra coisa senão a doutrina completamente desdobrada das regras que resultam da identidade absoluta, tal como esta é conservada na própria lógica ao custo de todo e qualquer conteúdo. No entanto, o conteúdo, por sua vez, sempre e continuamente, tal como Hegel nos ensinou, não apenas se insere nas formas, mas também -justamente na medida em que ele não é a própria forma - entra em oposição a elas. Por conseguinte, apenas sob esses termos seríamos capazes de algo no sentido de construir o princípio lógico de identidade. E é por causa disso que se coloca como inteiramente consequente o fato de que o grande tabu erigido pela lógica tenha sido o princípio de contradição, isto é, a prescrição - e se trata antes de uma prescrição do que de um enunciado - segundo a qual de duas proposições contrapostas e contraditórias entre si somente uma pode ser verdadeira, e de que em toda parte onde isso não for observado, as leis do pensamento estarão sendo violadas. Pode-se dizer que a prevalência da contradição, tal como predomina na dialética, é a tentativa de romper com aquele primado da lógica, isto é, com a pura ausência de contradição, fazendo referência, portanto, ao fato de que o mundo não é mero pensamento, não consiste apenas nessa mera operação do pensar, tal como ela nos é representada segundo leis da lógica; fazendo referência, em outras palavras , ao fato de que o mundo não é lógico, mas sim permeado de contradições. Dialética é crítica à logicidade do mundo, à pretensão de assimilar a logicidade em nossos conceitos sem mediações e, justamente por isso, a dialética torna o próprio princípio da contradição, menosprezado pela lógica, seu medium ou seu órganon, em virtude dos motivos que procurei detalhar nas últimas aulas. Entretanto, isso significa não apenas que o mundo não se esgota em nossos conceitos, mas significa ainda que também nossos conceitos não se esgotam por aquilo que existe.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 215 - 216)
Considerem a proposição "X é um ser humano". A esse respeito há que se dizer, a princípio, que tal proposição, tão logo se trate de subsumir o senhor X sob o gênero "ser-humano", será obviamente uma proposição correta, pressupondo que se trate neste caso de um ser humano, o que, por sua vez, enquanto gênero, diferencia-se de outros - no caso, gêneros biológicos. Mas reflitam mais uma vez o que significa propriamente isto: "X é um ser humano". Um ser humano, nós dissemos. Se vocês dissessem em geral "X é um ser humano", assim corno é o caso da forma lógica usual ''A é B", então se insinuaria aí, a princípio, certo problema; pois o A que aí deve ser um B não é realmente B como um todo, mas antes B é um universal, e A é somente// um determinado representante dele. Existe, na verdade, uma identidade na medida em que o fenômeno, ou o A singular, é subsumido sob o conceito B, mas, mesmo assim, a equiparação aqui não é uma identificação completa. Com efeito, apesar da proposição "X é um ser humano ", quando vocês a vertem na forma lógica ''A é B", A não é inteiramente B, pois se trata apenas e tão somente de um representante de B. Hegel diria, então, que isso, formalmente, tem um significado seríssimo. Mais precisamente, ele diria que - e isso, creio eu, pode mostrar o rigor e a peculiar liberdade, a quase lúdica superioridade que está contida no pensamento dialético -, quando subsumo o X sob o conceito de humano, então no conceito de humano se pensa todo um rol de possibilidades que esse X singular efetivamente não é. Ele não se conformaria, portanto, com uma definição biolgica rudimentar de ser humano, mas diria, ao contrário, que se estamos falando do conhecimento acerca do humano em geral, conhecimento levado a termo de maneira profundamente vital, então pensamos também com categorias tais como liberdade, individuação, autonomia, especificidade [Bestimmtbeit] do uso da razão, assim como toda uma vasta gama de outras coisas. Essas categorias estão contidas implicitamente no conceito de humano enquanto sua determinação objetiva e são tais que não podemos, portanto, simplesmente negligenciar de modo arbitrário, como quando definimos operacionalmente que um ser humano é justamente um indivíduo que tem as características [Merkmale] biol6gicas do gênero. É preciso, creio eu, que realmente apenas escutemos uma vez com atenção uma expressão como " ser humano " , e prontamente se reconhecera' que nela estão contidas outras coisas que não meramente a differentia specifica em relação ao gênero biol6gico mais pr6ximo, ou seja, em relação aos demais hominídeos. Com efeito, diria Hegel, se no conceito de "ser humano" sempre está posto juntamente tal [elemento] enfático, precisamente esse momento que se relaciona à ideia de que alguém é um ser humano verdadeira mente, então a proposição "X é um ser humano", ao mesmo tempo, não é verdadeira; pois esse elemento enfático, que nela está posto sem que tenha precisado aparecer sequer implicitamente, tal elemento enfático não está, realmente, aqui// e agora, efetivado em nenhum ser particular. Poderíamos quase dizer que simplesmente não há ainda algo assim como o ser humano, ou antes, algo como aquilo que o conceito de humano propriamente compreende, a partir de si, de maneira objetiva. Em outras palavras: a proposição "X é um ser humano" é correta, tal como eu lhes disse, e falsa ao mesmo tempo. Na verdade, estou convicto de que bastaria apenas aplicar, por uma vez que seja, essa proposição a um humano qualquer, [afirmando] que este a quem nos referimos é um ser humano, e prontamente reconheceremos esta diferença [D!iferenz], isto é, reconheceremos que ele ainda não satisfaz propriamente ao conceito de humano em sentido enfático e, portanto, ao conceito de humano no sentido da verdade absoluta. Pois isso pressuporia, sem dúvida, que ele justamente pudesse portar em si próprio tal conceito enfático de humano, ou seja, um conceito verdadeiro de ser humano e, ao fim e ao cabo, também um conceito da correta e verdadeira organização do mundo enquanto tal. Quando dizemos "ser humano", a expressão nos diz, mesmo que subjetivamente nós não o percebamos desse modo, mais do que o simples gênero.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 209 - 211)
Hegel foi extraordinariamente cético em relação ao conceito de exemplo. Há, na Enciclopédia, algumas passagens em que ele rechaça, com certo gesto de superioridade, a exigência de que deveria fornecer exemplos. 112 Por que motivo Hegel acabou por proceder assim, por que é que ele se recusa a dar exemplos - e há certa dificuldade para a consciência pré-dialética em compreendê-lo// corretamente a esse respeito-, isto vocês poderão perceber facilmente. Pois o exemplo sempre pressupõe que exista uma extensão conceituai geral que seria segura, dada positivamente, enquanto resultado e valendo como uma coisa, que poderia ser, portanto, exemplificada por um particular. No entanto, para Hegel, as coisas se passam de tal maneira que essa relação de uma extensão lógica geral, sob a qual o particular é pensado, encontra-se em suspensão [suspendiert]. De todo modo, estamos aqui no plano do conceito especulativo, onde isso justamente se manifesta: não há aqui nenhuma extensão conceitua! geral que compreenda sob si tais e tais coisas. Ao contrário, em Hegel, a extensão conceituai geral consistiria na própria vida do particular pensado sob ela; ela se preenche por meio do particular, não sendo para ela simplesmente o caso de o estar abarcando, mas origina-se do particular tendo nele sua vida e, portanto, nenhum particular é capaz de ser propriamente considerado como uma ilustração [Exempel] simplesmente morta, como que derivada dela. E é isso, na verdade, que torna tão extraordinariamente difícil, sempre que se exige de alguém que pense dialeticamente, reivindicar que forneça um exemplo da dialética.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 208 - 209)
Hegel, ao contrário do que sempre lhe foi acusado de maneira tão vulgar, não agiu como se porventura tivesse abandona do a lógica formal e filosofasse sem qualquer tipo de controle, corno se não houvesse princípio// de contradição. Isso significaria virar Hegel de cabeça para baixo. Primeiramente, Hegel de fato presume o princípio de contradição para o âmbito do conhecimento usual baseado no entendimento [dieüblicbe Verstandeserkenntnis], tanto para conhecimentos empíricos mais básicos quanto para a lógica formal, como também para qualquer outro pensamento. Contudo, quando me comporto corno quem reflete [Reflektierender], isto é, quando não me oriento apenas, por assim dizer, pela atenção direta [ingerader Einstellung] a proposições formais ou conteúdos, mas penso, antes, de modo penetrante, a própria relação entre os momentos, então eu chego, de fato, ao resultado de que a forma, sob a qual eles podem ser compreendidos, é precisa e unicamente a própria forma da contradição, e não a forma entendida corno identidade vazia. Assim, não se trata de renegar [verleugnen] a contradição entre forma e conteúdo ou qualquer outra contradição: ao contrário, ela permanece vigente para o conhecimento finito e limitado. Mas, quando esse conhecimento exige sua autoconsciência, refletindo-se a si próprio, ele chega ao resultado de que a contradição, que ele precisa ter em mãos corno critério da correção, é simultaneamente o órganon da verdade, isto é, que cada conhecimento singular somente se torna propriamente conhecimento ao atravessar a contradição. Eis aí então em que consiste a derivação desse princípio negativo, desse princípio da contradição, a partir da doutrina kantiana das antinomias, tal como aparece em Hegel.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 207 - 208)
"Reflexão" não significa, a princípio, outra coisa senão "espelhamento". Em outras palavras, a reflexão em Kant significa, num primeiro momento, que nossa razão toma em consideração a própria razão, comportando-se diante da razão de maneira propriamente crítica. Aquilo que Hegel e, em geral,// os idealistas pós-kantianos fazem, aquilo que caracteriza de modo crucial sua diferença em relação a Kant, reside no fato de que para eles essa reflexão não se realiza de forma inconsciente, tal como nos em- piristas ingleses. Ou seja, nesses filósofos alemães, a razão, por assim dizer, não apenas se olha no espelho; antes, esse ato de reflexão, ou essa capacidade de reflexão, torna-se ela mesma um tema para a filosofia. Isso significa que, a partir de então, sustenta-se de modo enfático que aquela força, pela qual a razão se torna capaz de conhecer-se a si mesma, ao mesmo tempo consiste e tem de necessariamente consistir na força por meio da qual ela pode ir além de si mesma em sua própria finitude. E precisamente por meio dessa força, ela volta, por fim, a si mesma, tornando-se justamente por isso uma [razão] infinita. Podemos dizer que se trata aqui da reflexão da reflexão, tal como Schlegel certa vez o formulou; ou seja, trata-se da consciência que se tornou infinita em si mesma, a consciência refletida infinitamente em si mesma, a qual perfaz propriamente o pressuposto dessa filosofia enquanto tal. Se vocês desejam ter agora uma definição simples - caso eu possa aqui empregar tal expressão -, uma determinação simples do conceito central da filosofia hegeliana, que a diferencia da filosofia kantiana - a saber, o conceito de especulação -, então a consciência especulativa seria, em oposição à consciência simples ou à consciência simplesmente reflexionante [riflektierend], aquela em que esse momento da reflexão da consciência se torna tema para ela mesma, o ponto em que ela alcança sua própria autoconsciência. É por causa disso que, já no princípio da análise do conhecimento, ela se depara com aquilo que então resultará no objeto por excelência [Hauptgegenstand] dessa dialética, a saber: a diferença entre sujeito e objeto [Objekt], a qual, nessa duplicação que lhe é característica, encontra-se já presente na reflexão. Pois, de um lado, vocês têm realmente aqui o pensar como objeto [Objekt], como aquilo que é tomado em consideração, que é analisado, tal como se denomina em Kant; de outro lado, vocês têm também o pensar como sujeito, isco é, o pensar que toma a si mesmo em consideração. Trata-se, caso queiram, do princípio propriamente transcendental, o princípio da síntese da apercepção, o princípio sintético propriamente dito. // E ambos os princípios estarão, dessa maneira, conectados um ao outro.
Essa posição completamente nova e central do conceito de reflexão é aquilo que constitui o órgão dessa filosofia, e nós veremos que esse momento da reflexão realmente é idêntico - e esta é a resposta que lhes darei à questão que nos propusemos aqui -, que esse princípio da reflexão que se sabe a si mesma é de fato idêntico ao princípio da negação. Esse princípio - e se trata também aqui, em Hegel, assim como em muitas outras coisas, da retomada de um motivo antigo, aristotélico, a saber: o pensar do pensar, não é ele mesmo, em Hegel, outra coisa senão o princípio da negatividade posto em execução [ausgiführt].
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 200 - 203)
A esperança cristã não encontra lugar na imanência do agir, mas na transcendência da fé. Em sua Teologia da esperança, Jürgen Moltmann escreve: A esperança cristã se orienta para um novum ultimum, para a recriação de todas as coisas pelo Deus da ressurreição de Cristo. Assim, ela abre um horizonte futuro abrangente, que inclui até mesmo a morte, um horizonte no qual ela pode e deve inserir também as esperanças e renovações limitadas da vida, despertando-as, relativizando-as e dando-lhes direção49. A esperança cristã não leva à passividade inativa. Pelo contrário, ela impulsiona à ação, estimulando a imaginação para a ação e despertando o “dom da invenção” “ao romper com o antigo e se preparar para o novo”50. Ela não foge do mundo, mas “anseia pelo futuro”51. Sua essência não é a retirada quietista, mas o “cor inquietum” (o coração inquieto). Na esperança, o mundo não é ignorado nem omitido. Pelo contrário, ela o enfrenta em toda sua negatividade e protesta contra ele. Assim, ela alimenta o espírito da revolução: “Sempre a esperança cristã foi, nesse sentido, revolucionariamente eficaz na história intelectual das sociedades alcançadas por ela”52. O espírito da esperança é caracterizado pela resolução de agir. Quem espera é inspirado pelo novo, pelo novum ultimum. A esperança arrisca o salto para uma nova vida.
A crítica convencional à esperança negligencia sua complexidade e tensões internas. A esperança vai muito além da espera passiva e dos desejos. Entusiasmo e elã são seus traços fundamentais. Ela é até mesmo “um afeto militante” e “hasteia um estandarte”27, com uma inerente determinação para a ação. Ela desdobra elasticidade para a ação. É preciso distinguir entre a esperança passiva, ociosa e fraca e a esperança ativa, diligente e forte. A esperança passiva realmente se assemelha a um desejo sem força. A esperança ativa e forte, no entanto, inspira as pessoas a ações criativas e eficazes. O desejo ou expectativa estão relacionados a um objeto ou uma ocorrência intramundana. Eles são pontuais. A esperança, por outro lado, desenvolve uma narrativa que conduz ações. A extensão e amplidão narrativas a distinguem. Ao contrário do desejo, ela estimula a imaginação narrativa. Ela sonha ativamente. Ao desejo é inerente um sentimento de falta, enquanto a esperança possui uma plenitude própria, uma luminosidade própria. Uma esperança forte não carece de nada. Esperança transbordante não é um oximoro. A esperança é uma força, um impulso. Um desejo, por outro lado, nunca é vigoroso. A quem tem esperança o mundo aparece sob uma luz diferente. Ele recebe da esperança um brilho especial. O desejo ou expectativa não têm esse poder de transformar, revelar e iluminar o mundo. Eles apenas aguardam eventos ou objetos intramundanos que os satisfaçam. Cumprimento ou satisfação são estranhos à esperança. A esperança não está vinculada a um objeto ou a uma ocorrência intramundana. É um estado de ânimo, até mesmo um estado de ânimo fundamental, que determina e afina continuamente a existência humana. Ele até pode ser intensificado para um estado de entusiasmo e exaltação.