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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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Ralf Ludwig: Fenomenologia do espírito (Portuguese language, Editora Vozes) No rating

A obra mais famosa de Hegel foi a Fenomenologia do espírito, publicada no ano de …

Em suas análises sobre a realidade e o saber, tema central do idealismo, Kant (1724-1804) deparou-se com um barreira intransponível: Na apreensão de sua realidade, o eu permanece dependente da “coisa em si”, que é insondável e está além de todo e qualquer saber. A razão começa a sondar frente a essa barreira. Ela descobre que só consegue conhecer na natureza, na realidade aquilo que ela própria ali colocou pelo pensamento. Ademais, ela chega à conclusão de que a compreensão imprime nas categorias da compreensão como que um selo na matéria bruta da percepção sensível, para ali voltar a encontrar o que projeta.

O central, aqui, é o conhecimento (lema: guinada copernicana): a subjetividade pura constitui a objetividade, ou de forma mais fácil ainda: o sujeito, o eu, cunha no objeto, no universo sua forma lógica.

Fenomenologia do espírito by  (Page 20)

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

O ponto de partida da Fenomenologia é dado pela forma mais elementar que pode assumir o problema da inadequação da certeza do sujeito cognoscente e da verdade do objeto conhecido. Esse problema surge da própria situação do sujeito cognoscente enquanto sujeito consciente. Ou seja, surge do fato de que a certeza do sujeito de possuir a verdade do objeto é, por sua vez, objeto de uma experiência na qual o sujeito aparece a si mesmo como instaurador e portador da verdade do objeto. O lugar da verdade do objeto passa a ser o discurso do sujeito, que é também o lugar do automanifestar-se ou do autorreconhecer-se da experiência, em suma - do próprio sujeito. Não bastará comparar a certeza "subjetiva" (em sentido vulgar) e a verdade "objetiva" (igualmente em sentido vulgar), mas será necessário submeter a verdade do objeto à verdade originária do sujeito ou à lógica imanente do seu discurso. Será necessário, em outras palavras, conferir-lhe a objetividade superior do saber que é ciência. Essa é a estrutura dialética fundamental que irá desdobrar-se em formas cada vez mais amplas e complexas ao longo da Fenomenologia, na medida em que a exposição que o sujeito faz a si mesmo do seu caminho para a ciência incorpora na rememoração histórica e na necessidade dialética novas experiências. Trata-se, afinal, como diz Hegel na Introdução, de aplicar ao sujeito que se experimenta no ato de saber alguma coisa a sua própria medida (pois onde poderá buscar, senão em si mesmo, uma medida que seja norma constitutiva do seu saber?) e com ela medir, nas formas sucessivas de saber, a distância que separa a certeza da verdade, até que essa distância seja suprimida no saber em que a verdade da medida revela a sua plena adequação à certeza, do sujeito e à verdade do objeto: no Saber absoluto.

Fenomenologia do espírito by  (Page 14 - 15)

Apresentação "A significação da Fenomenologia do Espirito" de Henrique Cláudio de Lima Vaz

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

A intenção de Hegel na Fenomenologia é articular com o fio de um discurso científico ou com a necessidade de uma lógica - as figuras do sujeito ou da consciência que se desenham no horizonte do seu afrontamento com o mundo objetivo. "Ciência da experiência da consciência esse foi o primeiro título escolhido por Hegel para a sua obra. Na verdade, essas figuras têm uma dupla face. Uma face histórica, porque as experiências aqui recolhidas são experiências de cultura, de uma cultura que se desenvolveu no tempo sob a injunção do pensar-se a si mesma e de justificar-se ante o tribunal da Razão, Uma face dialética, porque a sucessão das figuras da experiência não obedece à ordem cronológica dos eventos, mas à necessidade imposta ao discurso de mostrar na sequência das experiências o desdobramento de uma lógica que deve conduzir ao momento fundador da Ciência: ao Saber absoluto como adequação da certeza do sujeito com a verdade do objeto. Não é fácil mostrar como se entrelaçam História e Dialética no discurso da Fenomenologia. Baste-nos dizer aqui que o propósito de Hegel deve ser entendido dentro da resposta original que a Fenomenologia pretende ser à grande aporia transmitida pela Crítica da razão pura ao Idealismo alemão. Esta aporia se formula como cisão entre a ciência do mundo como fenômeno, obra do Entendimento, e o conhecimento do absoluto ou do incondicionado da coisa-em-si que permanece como ideal da Razão. O absoluto só se apresenta para Kant no domínio da Razão prática como postulado de uma liberdade transempírica, fora do alcance de uma ciência do mundo. Com a Fenomenologia do espírito, Hegel pretende situar-se para além dos termos da aporia kantiana, designando-a como momento abstrato de um processo histórico-dialético desencadeado pela própria situação de um sujeito que é fenômeno para si mesmo ou portador de uma ciência que aparece a si mesma no próprio ato em que faz face ao aparecimento de um objeto no horizonte do seu saber. Em outras palavras, Hegel intenta mostrar que a fundamentação absoluta do saber é resultado de uma gênese ou de uma história cujas vicissitudes são assinaladas. no plano da aparição ou do fenômeno ao qual tem acesso o olhar do Filósofo (o para-nós na terminologia hegeliana) pelas oposições sucessivas e dialeticamente articuladas entre a certeza do sujeito e a verdade do objeto. Anunciando a publicação do seu livro, Hegel diz: "Este volume expõe o devir do saber" (das werdende Wissen) A Fenomenologia do espírito deve substituir-se às explicações psicológicas ou às discussões mais abstratas sobre a fundamentação do saber. O sujeito e o fenômeno kantianos são rigorosamente anisto ricos. Desde o ponto de vista de Hegel são, portanto, abstratos. Na Fenomenologia. Hegel quer mostrar que essa abstração, na qual o mundo é o mundo sem história da mecânica newtoniana e é acolhido pelo sujeito ao qual "aparece" nas formas acabadas das categorias do Entendimento, é apenas momento de um processo ou de uma gênese que começa com a "aparição" do sujeito a si mesmo no simples "aqui" e "agora" da certeza sensível (primeiro capítulo da Fenomenologia), aparição que mostra a dissolução da verdade do objeto na certeza com que o sujeito procura fixá-la. A partir daí, o movimento dialético da Fenomenologia prossegue como aprofundamento dessa situação histórico-dialética de um sujeito que é fenômeno para si mesmo no próprio ato em que constrói o saber de um objeto que aparece no horizonte das suas experiências. Assim, Hegel transfere para o próprio coração do sujeito para o seu saber - a condição de fenômeno que Kant cingira à esfera do objeto. Essa é a originalidade da Fenomenologia e é nessa perspectiva que ela pode ser apresentada como processo de "formação" (cultura ou Bildung) do sujeito para a ciência. E entende-se que a descrição desse processo deva referir-se necessariamente às experiências significativas daquela cultura que, segundo Hegel, fez da ciência ou da filosofia a forma rectrix ou a enteléquia da sua história: a cultura do Ocidente.

Fenomenologia do espírito by  (Page 11 - 13)

Apresentação "A significação da Fenomenologia do Espirito" de Henrique Cláudio de Lima Vaz

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Eu havia dito, a respeito da questão do padrão de medida, que a única possibilidade que a dialética considera nesse con- texto é, precisamente, a de um padrão de medida imanente. E acredito que, se em algum lugar o pensamento contemporâneo deve aprender com a dialética hegeliana, então que seja justamente neste ponto mais decisivo: a exigência formulada por Hegel de que o pensamento não deve trazer de fora padrões para medir uma coisa, tal como é a marca da época atual, mas, ao contrário, que deve abandonar-se à coisa mesma, podendo obter o padrão de medida apenas dela própria - por meio, tal como Hegel diz, do "puro observar". 289 Nisso reside o momento decisivo da dialética, de acordo com o qual o objeto, para o qual o pensamento dialético se dirige, não é em si não qualificado, que, apenas quando o encobrimos com nossa rede categorial, tem suas determinações detectadas. Ao contrário, o objeto é antes já determinado - em outras palavras, para a dialética não há objeto que, justamente na medida em que se nos apresenta como objeto determinado, não contenha, dentro de si mesmo, o pensamento, que não contenha em si mesmo sujeito. Em outras palavras, nesse ponto reside, na dialética, um momento de idealismo, a saber, justamente o indício da subjetividade enquanto algo mediado, momento que tem também de ser re- tido, por mais que, de um ponto de vista mais abrangente, devamos nos posicionar crítica e ceticamente contra a pretensão do idealismo de compreender o mundo ou de produzi-lo a partir de si mesmo. De outro lado, essa compreensão não é idealista, uma vez que o momento aqui, que há pouco caracterizei como o momento subjetivo, representa tão somente um momento. E também porque o conceito de subjetividade, que se encontra aí subjacente, representa um abstraktum, uma abstração feita a partir de sujeitos vivos, de seres humanos vivos, cujo pensar pertence à determinação dos opostos; e, por fim, porque, justa- mente em virtude desse caráter abstrato [Abstraktheit], por causa dessa inverdade, caso queiram chamar assim, não pode por seu 273 turno ser absolutizado, // não pode ser transformado em um existente-em-si. Ao contrário, o sujeito é algo necessariamente mediado pelo objeto, da mesma maneira como, inversamente, o objeto é mediado precisamente pelo pensamento.

Introdução à dialética by  (Page 463 - 464)

J. R. R. Tolkien: O Senhor dos Anéis (Portuguese language, HarperCollins)

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“Mas isso é terrível!”, exclamou Frodo. “Muito pior do que o pior que imaginei por suas alusões e seus avisos. Ó Gandalf, melhor dos amigos, o que vou fazer? Pois agora estou com medo de verdade. O que vou fazer? Que pena que Bilbo não apunhalou essa vil criatura quando teve a chance!”

“Pena? Foi a Pena que deteve sua mão. A Pena e a Compaixão: de não golpear sem necessidade. E ele foi bem recompensado, Frodo. Tenha a certeza de que ele teve tão poucos danos devidos ao mal, e escapou por fim, porque começou sua posse do Anel desse modo. Com Pena.”

“Lamento”, disse Frodo. “Mas estou apavorado; e não sinto nenhuma pena de Gollum.”

“Você não o viu”, interrompeu Gandalf.

“Não, e não quero vê-lo”, retrucou Frodo. “Não consigo compreender você. Quer dizer que você e os Elfos o deixaram continuar vivo depois de todos esses feitos horríveis? Seja como for, agora ele é tão mau quanto um Orque e apenas um inimigo. Ele merece a morte.”

“Merece! Imagino que merece. Muitos que vivem merecem a morte. E alguns que morrem merecem a vida. Você pode dá-la a eles? Então não seja ávido demais por conferir a morte em julgamento. Pois nem mesmo os muito sábios conseguem ver todos os fins. Não tenho muita esperança de que Gollum possa ser curado antes de morrer, mas existe uma chance. E ele está atado ao destino do Anel. Meu coração me diz que ele ainda tem algum papel a desempenhar, pelo bem ou pelo mal, antes do fim; e quando este chegar, a pena de Bilbo poderá reger o destino de muitos — não menos o seu. Em qualquer caso, não o matamos: ele está muito velho e muito desgraçado. Os Elfos-da-floresta o mantêm na prisão, mas tratam-no com a bondade que conseguem encontrar em seus sábios corações.”

O Senhor dos Anéis by  (Page 97)

J. R. R. Tolkien: O Senhor dos Anéis (Portuguese language, HarperCollins)

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“Todos os ‘grandes segredos’ sob as montanhas tinham revelado ser apenas noite vazia: não havia mais nada para descobrir, nada que valesse a pena fazer, apenas asquerosas comilanças furtivas e lembranças ressentidas. Ele estava desgraçado por completo. Odiava o escuro e odiava a luz mais ainda: odiava todas as coisas, e o Anel mais que tudo.”

“O que quer dizer?”, perguntou Frodo. “Por certo o Anel era seu Precioso, a única coisa que lhe importava? Mas, se ele o odiava, por que não se livrou dele ou foi embora deixando-o para trás?”

“Você deveria começar a entender, Frodo, depois de tudo que ouviu”, disse Gandalf. “Ele o odiava e o amava, assim como odiava e amava a si mesmo. Não podia livrar-se dele. Não lhe restava vontade nesse assunto.

“Um Anel de Poder toma conta de si mesmo, Frodo. Ele pode soltar-se traiçoeiramente, mas seu possuidor jamais o abandona. No máximo joga com a ideia de entregá-lo aos cuidados de outra pessoa — e isso só na primeira etapa, quando o domínio está só começando. Mas ao que sei, só Bilbo, em toda a história, já passou de jogar e realmente o fez. Precisou de toda a minha ajuda também. E mesmo assim nunca o teria abandonado ou jogado de lado. Não era Gollum, Frodo, e sim o próprio Anel que decidia as coisas. O Anel o abandonou.”

O Senhor dos Anéis by  (Page 93)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Permitam-me expressar analogamente assim, lançando mão de uma expressão de caráter teológico: o conceito de verdade na dialética seria um conceito negativo de verdade, assim como há uma teologia negativa. 28 ; Se Espinosa ensinou a célebre frase segundo a qual seria o "verum index sui et jalsi", 2 ~4 então diríamos, em contrapartida, que na dialética 'jalsum index sui etveri". 285 Isso significa que não há um conceito positivo, tangível, coisa de verdade, tal como apenas nos estaria assegurado só a pretensão de identidade imediata da ordem das coisas e dos conteúdos [ Ordnung der Dingen und der Sachen]. Porém, de outro lado, é evidente que essa força, da qual vive a própria intelecção na inverdade, é justamente a ideia de verdade. Acontece que não temos a própria ideia de verdade como algo dado, ela é apenas como que a fonte de luz a partir da qual a negação determinada, a intelecção do não verdadeiro [enquanto algo] determinado, propriamente sucede - tal como é formulado numa sentença de "Pandora", a qual fiz constar recentemente como mote na epígrafe de um trabalho: "destinada a ver o ilu- minado, não a luz". 286 Em outras palavras, a dialética também não pode aceitar a tradicional diferenciação entre gênese e validade. Ela tampouco pode se apropriar da posição, defendida talvez pelo psicologismo mais extremo - ou, melhor dizendo, pelo psicologismo de qualquer estirpe -, segundo a qual toda espécie de verdade se esgotaria em sua origem, de maneira que a ideia de verdade enquanto tal seria dissolvida, digamos, tão logo se tenha chegado a ver, nem que seja por uma vez, como são as coisas por trás dela, alcançando aquilo a partir do que ela própria teria surgido. Eu gostaria aqui de evocar expressa- mente o pensamento de Nietzsche, o qual com enorme razão censurou à consciência tradicional o fato de ela ensinar que aquilo que em determinado momento teve seu surgimento [das Entsprungene] não poderá ser o verdadeiro, isto é, que o que veio a ser jamais poderia ser fundamentalmente diferente daquilo de onde surgiu.287 Porém, caso vocês aceitem a concepção dia- lética contra a filosofia do originário [ Ursprungsphilosopbie], tal como tentei lhes apresentar, isto é, que aquilo que se origina é ou pode ser qualitativamente diferente em relação àquilo de onde se originou, então perderia também efeito a crença de que 270 se poderia, recorrendo à gênese// de um conteúdo [ Gehalt] espiritual, liquidar com sua verdade, de que assim sua verdade estaria como que revogada. Todavia, inversamente, as coisas sucedem também de tal maneira que a hipóstase de uma verdade, seja ela qual for - ou seja, a hipóstase que não considera aquele processo em que, sim, consiste a vida mesma da verdade, em que ela se origina e também soçobra, em que ela adquire, enfim, seu conteúdo próprio -, que tal hipóstase da verdade, contrapondo-se a seu surgimento [Entstehen] e, portanto, apelando à absolutização da validade em detrimento da gênese, é tão falsa quanto a relativização em termos da gênese. Nesse ponto, a análise dialética teria propriamente de destroçar a alternativa à qual nos vemos aqui atrelados - teria ela mesma de compreender essa alternativa como meramente superficial [vordergründ{g], como produto de um pensamento reificado, em . vez de se submeter a essa alternativa.

Introdução à dialética by  (Page 457 - 460)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

o mundo de hoje ser experienciado pelas pessoas num sentido novo e - eu gostaria de dizer - negativo, a saber: como mundo fechado. Não se trata certamente de um mundo fechado tal como era o caso para a filosofia da Alta Idade Média, na qual o dogma revelado coincidia com os estágios mais avançados de consciência. Trata-se, antes, de um mundo fechado no sentido de que propriamente tudo o que há em geral de experiência possível já seria experienciado antecipadamente pelas pessoas ou deveria ser considerado como já socialmente pré-formado - um mundo fechado sob a perspectiva, portanto, de que está excluída a experiência daquilo que é novo, em sentido enfático. Em outras palavras, o mun- do é fechado, falando do ponto de vista econômico, no sentido de que tende a retroceder ao nível da reprodução simples, provocando o atrofiamento da reprodução ampliada - uma tendência que, ao menos como tendência, vem sendo ratificada por vários economistas. 266 É o caso, poderíamos dizer, de um mundo da experiência no qual não existe mais algo como uma frontier, um mundo em que não subsiste nada que não esteja registrado [ Unerfasstes] - no qual tudo é antecipadamente percebi- do pelos seres humanos como pré-organizado. E a necessidade de uma sistemática, que surge nessa nova situação, não é nenhuma outra senão a de encontrar formas conceituais que cor- respondam àquela pré-ordenação que forja de antemão o ente, cunhado pelo fenômeno da "bureaucratisation du monde", 267 ou seja, o fenômeno do mundo administrado. Com efeito, é característico, para os sistemas de estilo mais recente, o fato de que apresentem enormes estruturações procedimentais; ou enormes planos processuais, de acordo com os quais tudo encontra seu lugar, como num processo administrativo já planejado. De modo que, nesses sistemas, não há propriamente espaço algum para transcendência. Em contrapartida, os grandes sistemas de outrora tiravam seu impulso diretamente do fato de que a transcendência da consciência, a transcendência do espírito, uma secularização do espírito divino, metamorfaseava-se, diante do singular// e do factual [Tatsãchlicbes], em imanência. Assim, tentavam compreender aquilo que não é espírito, apesar disso, igualmente como algo espiritual, isto é, compreendê-lo como sendo algo mais do que é. Essa tendência dos mais antigos sistemas de conferir àquilo que meramente existe uma espécie de sentido, ao assimilá-lo à totalidade, desapareceu hoje completamente, e agora se trata apenas de algo como gigantescos planos burocráticos, que então compreenderiam tudo sob si, e em que o critério decisivo seria a representação do adequar-se de uma coisa à outra, sem fissuras, de tudo o que ali acontece.

Introdução à dialética by  (Page 433 - 434)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Não existe nenhum solo de sustentação para a filosofia - em todo caso, não para a filosofia hoje. Assim como a sociedade atual não poderia ser compreendida a partir de seus assim chamados fundamentos naturais, tampouco poderia, por exemplo, a agricultura decidir sobre a organização da sociedade contemporânea. Antes, a verdade é, ela mesma, verdade em movimento, na qual os momentos originários, como são chama- dos, emergem como momentos, como momentos do arcaico, da rememoração [Erinnerung], ou como quer que vocês desejem designá-los. Em todo caso, não se deve atribuir a eles uma substancialidade superior, quer sob um ponto de vista metafísico, moral ou lógico. O núcleo de um pensamento, aquilo que nele é efetivamente substancial, aquilo por meio do que um pensar se ratifica como verdadeiro e não como simples tolice, este núcleo não consiste no solo sobre o qual se estabeleceria de maneira inabalável. Tampouco se trata de uma tese, concretamente falando [dinghajt], a ser extraída, para a qual se poderia apontar o dedo e dizer: "Ora, vejam, aí está o que procuráva- mos: é isto o que ele defende, esta é sua opinião, aí está seu pensamento, e ele não pode fazer nada diferente, Deus o ajude." 242 Isso tudo são representações acerca do teor da filosofia que foram, por seu turno, obtidas sob coerção da consciência moral, sob a compulsão [Notung] nos seres humanos para reconhecer de que lado alguém de fato está, e nas quais está presente também a pressuposição de que um pensamento será responsável e verdadeiro se e somente se as pessoas que o pronunciam numa dada ocasião // puderem ser responsabilizadas por ele diante de uma agremiação ou comissão qualquer. Em outras palavras, está presente aí a negação daquele momento da liberdade do pensamento que constitui a atmosfera do movimento filosófico do conceito. O cerne ou a substancialidade de um pensar é a fonte latente de energia de onde o pensamento haure sua força, a luz que recai por meio do pensamento sobre os objetos, mas não é algo objetivo [Gegenstandliches] a ser tomado de maneira firme como se fosse uma coisa, diante da qual poderíamos, di- gamos assim, fazer um juramento. E, como vimos, há o "idole d"échelle", cuja verdade residiria afinal na exigência de que o pensamento deve, de algum modo, ser capaz de prestar contas a cada instante acerca do solo em que se apoia, acerca daquilo que constituiria seu cerne coisa [dinghajt]. Em vez disso, deve- ríamos ver esse momento substancial como algo que se encontraria atrás, uma fonte de força, e não uma espécie de tese ou coisa que pudesse ser apreendida por um simples exercício de "controle" [Kontrolle].

Introdução à dialética by  (Page 393 - 394)