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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

As associações monopolistas de capitalistas – cartéis, sindicatos, trustes – partilham entre si, em primeiro lugar, o mercado interno, apoderando-se mais ou menos completamente da produção do país. Mas o mercado interno, no capitalismo, está inevitavelmente ligado ao externo. O capitalismo, há muito, criou um mercado mundial. E à medida que a exportação de capital foi crescendo e as relações com o estrangeiro e com as colônias, bem como as “esferas de influência” das maiores associações monopolistas, foram se expandindo, em todos os sentidos, o caso “naturalmente” foi se aproximando de um acordo mundial entre elas, da constituição de cartéis internacionais. Trata-se de um novo patamar de concentração mundial de capital e de produção, mas incomparavelmente mais elevado que os anteriores. Vejamos como surge esse supermonopólio. A indústria elétrica é a mais típica para os últimos progressos da técnica, para o capitalismo de fins do século XIX e princípios do século XX. E ­desenvolveu-se, acima de tudo, nos dois mais avançados, os Estados Unidos e a Alemanha. Na Alemanha, a crise de 1900 contribuiu particularmente para a concentração desse setor da indústria. Durante essa crise, os bancos, que na época já se encontravam bastante ligados à indústria, aceleraram e aprofundaram no mais alto grau o perecimento das empresas relativamente pequenas, a absorção destas pelas grandes. “Os bancos”, diz Jeidels, “retiraram a mão de apoio justamente daquelas empresas que mais tinham necessidade dela, provocando com isso, a princípio, uma ascensão vertiginosa, e depois a falência irremediável das sociedades que não estavam suficientemente ligadas a eles.”[1] Como resultado, depois de 1900, a concentração avançou a passos de gigante. Até 1900 existiam sete ou oito “grupos” na indústria elétrica; cada um era composto por várias sociedades (no total havia 28) e atrás de cada um havia de dois a onze bancos. Por volta de 1908-1912, todos esses grupos se fundiram em um ou dois.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 91)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

Há de se dedicar uma atenção primordial ao “sistema de participação”, do qual já falamos sucintamente. Eis como descreve a essência do assunto o economista alemão Heymann, que foi um dos primeiros, se não o primeiro, a prestar-lhe atenção: O dirigente controla a sociedade fundamental [literalmente, a “sociedade-mãe”]; esta, por sua vez, exerce o domínio sobre as sociedades que dependem dela (“sociedades-filhas”); estas últimas, sobre as “sociedades-netas” etc. É possível, desse modo, sem possuir um capital muito grande, dominar ramos gigantescos da produção. Com efeito, se a posse de 50% do capital é sempre suficiente para controlar uma sociedade anônima, basta que o dirigente possua apenas 1 milhão para estar em condições de controlar 8 milhões do capital das “­sociedades-netas”. E se esse “entrelaçamento” vai ainda mais longe, com 1 milhão é possível controlar 16 milhões, 32 milhões etc.[3] Na verdade, a experiência demonstra que basta possuir 40% das ações para dirigir os negócios de uma sociedade por ações[4], pois uma determinada parte dos pequenos acionistas dispersos não tem na prática possibilidade alguma de assistir às assembleias gerais etc. A “democratização” da posse das ações, da qual os sofistas burgueses e os oportunistas “sociais-democratas” esperam (ou dizem que esperam) a “democratização do capital”, o aumento do papel e da importância da pequena produção etc., é na realidade um dos modos de fortalecer o poder da oligarquia financeira. Por isso, entre outras coisas, nos países capitalistas mais adiantados ou mais antigos e “experientes”, as leis autorizam a emissão de ações menores. Na Alemanha, a lei não permite ações inferiores ao total de mil marcos, e os magnatas das finanças alemães olham com inveja para a Inglaterra, onde a lei permite ações até de 1 libra esterlina (= 20 marcos, cerca de 10 rublos). Siemens, um dos grandes industriais e um dos “reis financistas” da Alemanha, declarou em 7 de junho de 1900, no Reichstag, que “a ação de 1 libra esterlina é a base do imperialismo britânico”[5]. Esse negociante tem uma concepção notavelmente mais profunda, mais “marxista” do que é o imperialismo do que certo escritor indecente que se considera fundador do marxismo russo[a] e supõe que o imperialismo é da natureza ruim de um determinado povo…

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 70 - 71)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

A operação fundamental e original dos bancos é a intermediação nos pagamentos. Nesse sentido, os bancos convertem o capital monetário inativo em ativo, isto é, em capital que rende lucro, coletam todo e qualquer tipo de rendimentos monetários e colocam-nos à disposição da classe dos capitalistas. Com o desenvolvimento da atividade bancária e a sua concentração em poucos estabelecimentos, os bancos se alçam, de modestos intermediários, a monopolistas onipotentes, que dispõem de quase todo o capital monetário do conjunto dos capitalistas e pequenos proprietários, bem como da maior parte dos meios de produção e das fontes de matérias-primas de um dado país ou de uma série de países. Essa transformação de numerosos modestos intermediários em um punhado de monopolistas constitui um dos processos fundamentais da escalada do capitalismo a imperialismo capitalista e, por isso, devemos nos deter, em primeiro lugar, na concentração da atividade bancária.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 51)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

convém dar uma definição do imperialismo que inclua os cinco traços fundamentais seguintes: 1) a concentração da produção e do capital elevada a um patamar tão elevado de desenvolvimento que criou os monopólios, os quais desempenham um papel decisivo na vida econômica; 2) a fusão do capital bancário com o capital industrial e a criação, baseada nesse “capital financeiro”, da oligarquia financeira; 3) a exportação de capital, diferentemente da exportação de mercadorias, adquire um significado particularmente importante; 4) a formação de associações internacionais monopolistas de capitalistas, que dividem o mundo entre si, e 5) o término da partilha territorial do mundo entre as grandes potências capitalistas. O imperialismo é o capitalismo no estágio de desenvolvimento em que se formou a dominação dos monopólios e do capital financeiro, adquiriu marcada importância a exportação de capital, deu-se início à partilha do mundo pelos trustes internacionais e terminou a partilha de toda a Terra entre os grandes países capitalistas.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 114)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

Para o antigo capitalismo, com o pleno domínio da livre concorrência, era típica a exportação de mercadorias. Para o capitalismo mais recente, com o domínio do monopólio, tornou-se típica a exportação de capital. O capitalismo é a produção de mercadorias em um patamar superior de seu desenvolvimento, quando também a força de trabalho se transforma em mercadoria. O crescimento da troca, tanto no interior de um país como, sobretudo, no campo internacional, é uma característica distintiva do capitalismo. Desigualdade e saltos no desenvolvimento das diferentes empresas, dos distintos setores da indústria, dos diferentes países são inevitáveis sob o capitalismo. Primeiramente, a Inglaterra se tornou, antes dos outros, um país capitalista, e em meados do século XIX, ao implantar o livre comércio, pleiteou o papel de “oficina de todo o mundo”, o fornecedor de artigos ­manufaturados para todos os países, que em troca deveriam fornecer-lhe as matérias-primas. Mas esse monopólio da Inglaterra perdeu força já no último quartel do século XIX, pois alguns outros países, defendendo-se por meio de direitos alfandegários “protecionistas”, haviam se desenvolvido em Estados capitalistas independentes. No limiar do século XX assistimos à formação de monopólios de outro tipo: primeiro, uniões monopolistas de capitalistas em todos os países de capitalismo desenvolvido; segundo, situação monopolista de uns poucos países riquíssimos, nos quais a acumulação do capital alcançou proporções gigantescas. Constituiu-se um enorme “excedente de capital” nos países avançados. É evidente que se o capitalismo tivesse sido capaz de desenvolver a agricultura, que agora se encontra em toda parte terrivelmente atrasada em relação à indústria, se tivesse sido capaz de elevar o nível de vida das massas da população, a qual permanece, apesar do vertiginoso progresso da técnica, em uma vida de subalimentação e miséria, não haveria motivo para se falar de um excedente de capital. E tal “argumento” é constantemente apresentado pelos críticos pequeno-burgueses do capitalismo. Mas então o capitalismo deixaria de ser capitalismo, pois a desigualdade no desenvolvimento e o nível de subalimentação das massas são as condições e as premissas basilares, inevitáveis, desse modo de produção. Enquanto o capitalismo permanecer capitalismo, o excedente de capital dirige-se não à elevação do nível de vida das massas de um dado país, pois isso significaria a diminuição dos lucros dos capitalistas, mas ao aumento desses lucros por meio da exportação de capital para o estrangeiro, para os países atrasados. Nesses países atrasados, o lucro é em geral elevado, pois os capitais são escassos, o preço da terra e os salários são relativamente baixos e as matérias-primas são baratas. A possibilidade da exportação de capital é criada pelo fato de uma série de paí­ses atrasados ter sido já incorporada na circulação do capitalismo mundial, terem sido construídas as principais ferrovias, ou iniciada a sua construção, terem sido asseguradas as condições elementares para o desenvolvimento da indústria etc. A necessidade da exportação de capital obedece ao fato de que, em alguns países, o capitalismo “amadureceu demais”, e o capital (nas condições do insuficiente desenvolvimento da agricultura e da miséria das massas) carece de campo para a sua colocação “lucrativa”.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 85 - 86)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

O capitalismo em geral é caracterizado por separar a propriedade do capital da aplicação do capital à produção, separar o capital monetário do industrial ou produtivo, separar o rentista, que vive apenas dos rendimentos provenientes do capital monetário, do empresário e de todas as pessoas que participam diretamente da gestão do capital. O imperialismo, ou o domínio do capital financeiro, é um patamar superior do capitalismo em que essa separação adquire proporções imensas. O predomínio do capital financeiro sobre todas as demais formas do capital denota uma posição dominante do rentista e da oligarquia financeira, significa o destacamento de poucos Estados detentores de “potência” financeira em relação a todos os demais. Em que dimensões esse processo se dá, é possível julgar a partir dos dados estatísticos das emissões, ou seja, a saída de todos os tipos de títulos.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 81)

Vladimir Ilich Lenin: Imperialismo, estágio superior do capitalismo (Portuguese language, 2021, Boitempo Editorial) No rating

Escrita um ano antes da Revolução de Outubro e publicada no calor das jornadas revolucionárias …

De todo modo, o livro foi publicado somente no ano seguinte, após a tomada do poder pelos bolcheviques. Mas no prefácio às edições francesa e alemã, escrito em julho de 1920, Lênin, já como líder da primeira revolução proletária da história, não poupa a turba que passou a considerar inimiga do socialismo: Neste livro, damos especial atenção à crítica do “kautskismo”, essa corrente ideo­lógica internacional que em todos os países do mundo era representada pelos “teóricos mais eminentes”, chefes da Segunda Internacional (Otto Bauer e cia. na Áustria, Ramsay MacDonald e outros na Inglaterra, Albert Thomas na França etc. etc.) e um número infinito de socialistas, reformistas, pacifistas, democratas burgueses e clérigos.[16] O livro possui dez capítulos relativamente curtos, nos quais vão sendo destrinchados aspectos do funcionamento do capitalismo em seu novo estágio. Aqui não cabe uma análise detalhada das questões levantadas em cada um; apenas alguns pontos que considero indispensáveis serão tratados. Em primeiro lugar, para Lênin, o imperialismo é um estágio específico do modo de produção capitalista, resultado de uma mudança substancial na sua estrutura organizacional; o estágio do capitalismo monopolista. Iniciado no último quartel do século XIX, o imperialismo se apresenta como consequência das tendências intrínsecas do processo de acumulação de capital – em que prevalecem a sua concentração e centralização – e das contradições que surgem da luta de classes no capitalismo, como analisou Marx. Portanto, o imperialismo é algo novo, não se confunde com os impérios antigos. No capítulo VII, Lênin apresenta sua definição: “Se fosse indispensável dar uma definição o mais breve possível do imperialismo, seria preciso dizer que o imperialismo é o estágio monopolista do capitalismo”[17]. Nesse estágio específico, seguindo o rastro de Hilferding, Lênin reconhece o capital financeiro como a força central do imperialismo. É justamente na esfera financeira que ocorre uma mudança de qualidade no sistema: ao contrário do estágio anterior, em que prevalecia o capital industrial, o impulso econômico do imperialismo está no capital financeiro. Em segundo lugar, no estágio imperialista, a exportação de capital ganha proeminência. A característica do “velho” capitalismo, em que predominava a livre concorrência, é a exportação de mercadorias. O “novo” capitalismo, em que imperam os monopólios, é caracterizado pela exportação de capital. A exportação de capital acentua a internacionalização econômica e, com isso, a competição entre os Estados-nação. Em terceiro lugar, a questão da possibilidade de organização do capitalismo que evitasse a eclosão de guerras. Essa é uma das principais questões do livro. Além do prefácio da obra de Bukhárin que mencionei anteriormente, Lênin já havia discutido isso em outras oportunidades[18]. Em oposição a Kautsky, ele demonstra que os conflitos internacionais são inerentes ao funcionamento do capitalismo, embora em algumas situações possa predominar a cooperação. A exportação de capital tende a promover o crescimento econômico nos países receptores. Assim, a estabilidade do sistema é impossível, pois o desenvolvimento desigual provoca mudanças na correlação de forças entre as nações, com a tendência de erosão do poder do centro em relação a novos núcleos de poder com maior dinamismo econômico. Nesse caso, diferentemente do que se convencionou entender com base na chamada teoria da dependência, existe a tendência estrutural de que os países mais desenvolvidos tenham uma taxa de crescimento econômico menor em relação aos países menos desenvolvidos, no próprio centro capitalista ou na periferia do sistema[19]. A expansão do capital não requer necessariamente a conflagração de guerras, porém estas não podem ser descartadas, de tal modo que as atividades ligadas ao setor armamentista adquirem uma posição privilegiada nas economias nacionais. A existência de inimigos externos – mesmo inventados – que justifiquem as encomendas militares faz parte do jogo das grandes potências. Além disso, o clima de belicismo permanente beneficia também setores da economia que não estão ligados diretamente à indústria bélica, algo a que Kautsky parece não ter dado tanta importância. Em quarto lugar, vale lembrar que a contribuição teórica de Lênin para o estudo do desenvolvimento do capitalismo no mundo já se encontrava em dois textos, “O chamado problema dos mercados”, de 1893, e “Para caracterizar o romantismo econômico”, de 1897, além da obra clássica “O desenvolvimento do capitalismo na Rússia”, de 1899[20]. Nesses trabalhos, Lênin, ainda jovem, explica que o capital é progressivo e que o objetivo final dos investimentos é a valorização do capital, e não o consumo que está subordinado ao processo de acumulação. A busca por mercados externos não é decorrência das dificuldades de realização do mais-valor, como defendiam Rosa Luxemburgo e os populistas russos[21]. O imperialismo também não é uma consequência da queda da taxa de lucro. O capital é progressivo: não precisa “esperar” pela queda da taxa de lucro para buscar mercados externos nem qualquer outra contratendência que se queira considerar. Não há limite estrutural que leve à estagnação da economia. Sendo progressivo, os limites do capital só se encontram em si mesmo[22]. Por fim, um dos principais elementos que contribuiu para que o livro obtivesse um sucesso incomparável com outras obras lançadas na época sobre o mesmo tema está relacionado à ênfase de Lênin na questão da opressão nacional. Diz ele: “Intensifica-se também particularmente a opressão nacional e a tendência a anexações, ou seja, à violação da independência nacional”[23]. Além da luta de classes, o movimento revolucionário deveria atentar para a luta pela descolonização. Lênin, que enfrentou o tsarismo russo, o governo mais reacionário da Europa, encontrou na opressão nacional um fator potencial para a revolução proletária, vinculando a luta de classes à luta anti-imperialista de libertação nacional. Não foi por acaso que grande parte dos movimentos de independência nacional se identificou com o comunismo e com a luta anti-imperialista, especialmente após 1945, quando ocorreu o desmantelamento dos antigos impérios coloniais[24]. É sempre bom lembrar que a revolução chinesa de 1949, a maior revolução anticolonial da história, foi liderada por um partido comunista fortemente influenciado pelas ideias de Lênin.

Imperialismo, estágio superior do capitalismo by  (Arsenal Lênin) (Page 15 - 17)

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

20 [Das Wahre ist] O verdadeiro é o todo. Mas o todo é somente a essência que se implementa através de seu desenvolvimento. Sobre o absoluto, deve-se dizer que é essencialmente resultado; que só no fim é o que é na verdade. Sua natureza consiste justo nisso: em ser algo efetivo, em ser sujeito ou vir-a-ser-de-si-mesmo. Embora pareça contraditório conceber o absoluto essencialmente como resultado, um pouco de reflexão basta para dissipar esse semblante de contradição. O começo, o princípio ou o absoluto como de início se enuncia imediatamente são apenas o universal. Se digo: "todos os animais", essas palavras não podem valer por uma zoologia. Do mesmo modo, as palavras "divino", "absoluto", "eterno" etc. não ex-primem o que nelas se contém; de fato, tais palavras só exprimem a intuição como algo imediato. A passagem que é mais que uma palavra dessas - contém um tornar-se Outro que deve ser retomado, e é uma mediação; mesmo que seja apenas passagem a outra proposição. Mas o que horroriza é essa mediação: como se fazer uso dela fosse abandonar o conhecimento absoluto - a não ser para dizer que a mediação não é nada de absoluto e que não tem lugar no absoluto.

21-[Dies Pehorreszieren) Na verdade, esse horror se origina da ignorância a respeito da natureza da mediação e do próprio conhecimento absoluto. Com efeito, a mediação não é outra coisa senão a igualdade-consigo-mesmo semovente, ou a reflexão sobre si mesmo, o momento do Eu para-si-essente, a negatividade pura ou reduzida à sua pura abstração, o simples vir-a-ser. O Eu, ou o vir-a-ser em geral - esse mediatizar -, justamente por causa de sua simplicidade, é a imediatez que vem-a-ser, e o imediato mesmo.

É, portanto, um desconhecer da razão [o que se faz] quando a reflexão é excluída do verdadeiro e não é compreendida como um momento positivo do absoluto. É a reflexão que faz do verdadeiro um resultado, mas que ao mesmo tempo suprassume essa oposição ao seu vir-a-ser; pois esse vir-a-ser é igualmente simples, e não difere por isso da forma do verdadeiro, [que consiste] em mostrar-se como simples no resultado ou melhor, que é justamente esse Ser retornado à simplicidade.

Se o embrião é de fato homem em si, contudo não é para si. Somente como razão cultivada e desenvolvida que se fez a si mesma o que é em si é homem para si; só essa é sua efetividade. Porém, esse resultado, por sua vez, é imediatez simples, pois a liberdade consciente-de-si repousa, e que não deixou de lado a oposição e ali a abandonou, mas se reconciliou com ela.

22-[Das Gesagte kann) Pode exprimir-se também o acima ex posto dizendo que "a razão é o agir conforme a um fim". A forma do fim em geral foi levada ao descrédito pela exaltação de uma pretendida natureza acima do pensamento mal compreendido -, mas sobretudo pela proescrição de toda a finalidade externa. Mas importa notar que como Aristóteles também determina a natureza como um agir conforme a um fim o fim é o imediato, o-que-esta-em-re-pouso, o imóvel que é ele mesmo motor e que assim é sujeito. Sua força motriz, tomada abstratamente, é o ser-para-si ou a negatividade pura. Portanto, o resultado é somente o mesmo que o começo, porque o começo é fim; ou, [por outra], o efetivo só é o mesmo que seu conceito, porque o imediato como fim tem nele mesmo o Si, ou a efetividade pura.

O fim, implementado, ou o efetivo essente é movimento e vir-a-ser desenvolvido. Ora, essa inquietude é justamente o Si; logo, o Si é igual àquela imediatez e simplicidade do começo, por ser o resultado que a si mesmo retornou. Mas o que retornou a si é o Si, exatamente; e o Si é igualdade e simplicidade, consigo mesmas relacionadas.

23- [Das Bedürfnis) A necessidade de representar o absoluto como sujeito serviu-se das proposições: "Deus é o eterno" ou "a ordem moral do mundo" ou "o amor" etc. Em tais proposições, o verdadeiro só é posto como sujeito diretamente, mas não é representado como o movimento do refletir-se em si mesmo. Numa proposição desse tipo se começa pela palavra "Deus". De si, tal palavra é um som sem sentido, um simples nome; só o predicado diz o que Deus é. O predicado é sua implementação e seu significado; só nesse fim o começo vazio se torna um saber efetivo. Entretanto, é inevitável a questão: por que não se fala apenas do eterno, da ordem moral do mundo etc.; ou, como faziam os antigos, dos conceitos puros do ser, do uno etc., daquilo que tem significação, sem acrescentar o som sem-significação? Mas é que através dessa palavra se indica justamente que não se põe um ser, ou essência, ou universal em geral, e sim algo refletido em si mesmo: um sujeito. Mas isso também é somente uma antecipação.

Toma-se o sujeito como um ponto fixo, e nele, como em seu suporte, penduram-se os predicados, através de um movimento que pertence a quem tem um saber a seu respeito, mas que não deve ser visto como pertencente àquele ponto mesmo; ora, só por meio desse movimento o conteúdo seria representado como sujeito. Da maneira como esse movimento está constituído, não pode pertencer ao sujeito; mas, na pressuposição daquele ponto fixo, não pode ser constituído de outro modo; só pode ser exterior. Assim, aquela antecipação de que o absoluto é sujeito - longe de ser a efetividade desse conceito, torna-a até mesmo impossível, já que põe o absoluto como um ponto em repouso; e, no entanto, a efetividade do conceito é o automovimento.

24 - [Unter mancherlei) Entre as várias consequências decorrentes do que foi dito, pode-se ressaltar esta: que o saber só é efetivo e só pode ser exposto como ciência ou como sistema. Outra consequência é que, uma assim chamada proposição fundamental (ou princípio) da filosofia, se é verdadeira, já por isso é também falsa, enquanto é somente proposição fundamental ou princípio. Por isso é fácil refutá-la. A refutação consiste em indicar-lhe a falha. Mas é falha por ser universal apenas, ou princípio; por ser o começo.

Se a refutação for radical, nesse caso é tomada e desenvolvida do próprio princípio, e não estabelecida através de asserções opostas ou palpites aduzidos de fora. Assim, a refutação seria propriamente seu desenvolvimento e, desse modo, o preenchimento de suas lacunas caso aí não se desconheça, focalizando exclusivamente seu agir negativo, sem levar em conta também seu progresso e resultado segundo seu aspecto positivo.

Em sentido inverso, a atualização positiva, propriamente dita, do começo, é ao mesmo tempo um comportar-se negativo a seu respeito quer dizer, a respeito de sua forma unilateral de ser só imediatamente, ou de ser fim. A atualização pode assim ser igualmente tomada como refutação do que constitui o fundamento do sistema; porém, é mais correto considerá-la como um indício de que o fundamento ou o princípio do sistema é de fato só o seu começo.

25-[Dass das Wahre) O que está expresso na representação, que exprime o absoluto como espírito, é que o verdadeiro só é efetivo como sistema, ou que a substância é essencialmente sujeito. [Eis] o conceito mais elevado que pertence aos tempos modernos e à sua religião. Só o espiritual é o efetivo: é a essência ou o em-si-essente: o relacionado consigo e o determinado; o ser-outro e o ser-para-si; e o que nessa determinidade ou em seu ser-fora-de-si permanece em si mesmo enfim, o [ser] espiritual é em-si-e-para-si.

Porém, esse ser-em-si-e-para-si é, primeiro, para nós ou em-si: é a substância espiritual. E deve ser isso também para si mesmo, deve ser o saber do espiritual e o saber de si como espírito. Quer dizer: deve ser para si como objeto, mas ao mesmo tempo, imediatamente, como objeto suprassumido e refletido em si. Somente para nós ele é-para-si, enquanto seu conteúdo espiritual é produzido por ele mesmo. Porém, enquanto é para si também para si mesmo, então é esse autoproduzir-se, o puro conceito; é também para ele o elemento objetivo, no qual tem seu ser-aí e desse modo é, para si mesmo, objeto refletido em si no seu ser-aí.

O espírito, que se sabe desenvolvido assim como espírito, é a ciência. A ciência é a efetividade do espírito, o reino que ele para si mesmo constrói em seu próprio elemento.

26-[Das reine Selbsterkennen) O puro reconhecer-se-a-si-mes-mo no absoluto ser-outro, esse éter como tal, é o fundamento e o solo da ciência, ou do saber em sua universalidade. O começo da filosofia faz a pressuposição ou exigência de que a consciência se encontre nesse elemento. Mas esse elemento só alcança sua perfeição e transparência pelo movimento de seu vir-a-ser. É a pura espiritualidade como o universal, que tem o modo da imediatez simples. Esse simples, quando tem como tal a existência, é o solo da ciência, [que é] o pensar, o qual só está no espírito. Porque esse elemento, essa imediatez do espírito é, em geral, o substancial do espírito, é a essencialidade transfigurada, a reflexão que é simples ela mesma, a imediatez tal como é para si, o ser que é reflexão sobre si mesmo.

A ciência, por seu lado, exige da consciência-de-si que se tenha elevado a esse éter, para que possa viver nela e por ela; e para que viva. Em contrapartida, o indivíduo tem o direito de exigir que a ciência lhe forneça pelo menos a escada para atingir esse ponto de vista, e que o mostre dentro dele mesmo. Seu direito funda-se na sua independência absoluta, que sabe possuir em cada figura de seu saber, pois em qualquer delas - seja ou não reconhecida pela ciência, seja qual for o seu conteúdo, o indivíduo é a forma absoluta, isto é, a certeza imediata de si mesmo, e assim é o ser incondicionado, se preferem a expressão. Para a ciência, o ponto de vista da consciência saber das coisas objetivas em oposição a si mesma, e a si mesma em oposição a elas vale como o Outro: esse Outro em que a consciência se sabe junto a si mesma, antes como perda do espírito. Para a consciência, ao contrário, o elemento da ciência é um Longe além, em que não se possui mais a si mesma. Cada lado desses aparenta, para o outro, ser o inverso da verdade. Para a consciência natural, confiar-se imediatamente à ciência é uma tentativa que ela faz de andar de cabeça para baixo, sem saber o que a impele a isso. A imposição de assumir tal posição insólita, e de mover-se nela, é uma violência inútil para a qual não está preparada.

A ciência, seja o que for em si mesma, para a consciência-de-si imediata se apresenta como um inverso em relação a ela. Ou seja: já que a consciência imediata tem o princípio de sua efetividade na certeza de si mesma, a ciência, tendo fora de si esse princípio, traz a forma da inefetividade. Deve portanto unir consigo esse elemento, ou melhor, mostrar que lhe pertence e como. Na falta de tal efetivi-dade, a ciência é apenas o conteúdo, como o Em-si, o fim que ainda é só um interior, não como espírito, mas somente como substância espiritual. Esse Em-si deve exteriorizar-se e vir-a-ser para si mes-mo, o que não significa outra coisa que: deve pôr a consciência-de-si como um só consigo.

Fenomenologia do espírito by  (Page 33 - 38)

Prefácio

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

17- [Es kommt nach] Segundo minha concepção - que só deve ser justificada pela apresentação do próprio sistema, tudo decorre de entender e exprimir o verdadeiro não como substância, mas também, precisamente, como sujeito. Ao mesmo tempo, deve-se observar que a substancialidade inclui em si não só o universal ou a imediates do saber mesmo, mas também aquela imediates que é o ser, ou a imediates para o saber.

Se apreender Deus como substância única pareceu tão revoltante para a época em que tal determinação foi expressa, o motivo disso residia em parte no instinto de que aí a consciência-de-si não se mantinha: apenas soçobrava. De outra parte, a posição contrária, que mantém com firmeza o pensamento como pensamento, a universalidade como tal, vem a dar na mesma simplicidade, quer dizer, na mesma substancialidade imóvel e indiferenciada. E se numa terceira posição o pensar unifica consigo o ser da substância e compreende a imediatez e o intuir como pensar, o problema é saber se esse intuir intelectual não é uma recaída na simplicidade inerte; se não apresenta, de maneira inefetiva, a efetividade mesma.

18 [Die lebendige Substanz] Aliás, a substância viva é o ser, que na verdade é sujeito, ou o que significa o mesmo que é na verdade efetivo, mas só na medida em que é o movimento do pôr-se-a-si-mesmo, ou a mediação consigo mesmo do tornar-se outro. Como sujeito, é a negatividade pura e simples, e justamente por isso é o fracionamento do simples ou a duplicação oponente, que é de novo a negação dessa diversidade indiferente e de seu oposto. Só essa igualdade reinstaurando-se, ou só a reflexão em si mesmo no seu ser-Outro, é que são o verdadeiro; e não uma unidade originária enquanto tal, ou uma unidade imediata enquanto tal. O verdadeiro é o vir-a-ser de si mesmo, o círculo que pressupõe seu fim como sua meta, que o tem como princípio, e que só é efetivo mediante sua atualização e seu fim.

19-[Das Leben Gottes] Assim, a vida de Deus e o conhecimento divino bem que podem exprimir-se como um jogo de amor consigo mesmo; mas é uma ideia que baixa ao nível da edificação e até da insipidez quando lhe falta o sério, a dor, a paciência e o trabalho do negativo. De certo, a vida de Deus é, em si, tranquila igualdade e unidade consigo mesma; não lida seriamente com o ser-Outro e a alienação, nem tampouco com o superar dessa alienação. Mas esse em-si [divino] é a universalidade abstrata, que não leva em conta sua natureza de ser-para-si e, portanto, o movimento da forma em geral. Uma vez que foi enunciada a igualdade da forma com a essência, por isso mesmo é um engano acreditar que o conhecimento pode se contentar com o Em-si ou a essência, e dispensar a forma como se o princípio absoluto da intuição absoluta pudesse tornar supérfluos a atualização progressiva da essência e o desenvolvimento da forma. Justamente por ser a forma tão essencial à essência quanto essa é essencial a si mesma, não se pode apreender e exprimir a essência como essência apenas, isto é, como substância imediata ou pura autointuição do divino. Deve exprimir-se igualmente como forma e em toda a riqueza da forma desenvolvida, pois só assim a essência é captada e expressa como algo efetivo.

Fenomenologia do espírito by  (Page 32 - 33)

Prefácio

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

Com efeito, a Coisa mesma não se esgota em seu fim, mas em sua atualização; nem o resultado é o todo efetivo, mas sim o resultado junto com o seu vir-a-ser. O fim para si é o universal sem vida, como a tendência é o mero impulso ainda carente de sua efetividade; o resultado nu é o cadáver que deixou atrás de si a tendência. Igualmente, a diversidade é, antes, o limite da Coisa: está ali onde a Coisa deixa de ser, ou é o que a mesma não é.

Fenomenologia do espírito by  (Page 24 - 25)

Prefácio

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

O botão desaparece no desabrochar da flor, e poderia dizer-se que a a flor o refuta; do mesmo modo que o fruto faz a flor parecer um falso ser-aí da planta, pondo-se como sua verdade em lugar da flor essas formas não só se distinguem, mas também se repelem como incompatíveis entre si. Porém, ao mesmo tempo, sua natureza fluida faz delas momentos da unidade orgânica, na qual, longe de se contra dizerem, todos são igualmente necessários. É essa igual necessidade que constitui unicamente a vida do todo. Mas a contradição de um sistema filosófico não costuma conceber-se desse modo; além disso, a consciência que apreende essa contradição não sabe geralmente libertá-la ou mantê-la livre de sua unilateralidade; nem sabe reconhecer no que aparece sob a forma de luta e contradição contra si mesmo, momentos mutuamente necessários.

Fenomenologia do espírito by  (Page 24)

Prefácio

G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

Quando, por exemplo, a anatomia é entendida como o conhecimento das partes do corpo, segundo sua existência inanimada, há consenso de que não se está ainda de posse da Coisa mesma, do conteúdo de tal ciência; é preciso, além disso, passar à consideração do particular. Mas ainda: nesse conglomerado de conhecimentos, que leva o nome de ciência sem merecê-lo, fala-se habitualmente sobre o fim e generalidades semelhantes do mesmo modo histórico e não conceitual como se fala do próprio conteúdo; nervos, músculos etc. Na filosofia, ao contrário, ressaltaria a inadequação de utilizar tal procedimento, quando ela mesma o declara incapaz de apreender o verdadeiro.

Fenomenologia do espírito by  (Page 23)

Prefácio

Ralf Ludwig: Fenomenologia do espírito (Portuguese language, Editora Vozes) No rating

A obra mais famosa de Hegel foi a Fenomenologia do espírito, publicada no ano de …

Em algum lugar encontra-se um objeto. Ele tem um ser, independentemente de mim e de meu conhecimento. Ele é um objeto em si, sua verdade e sua essência estão contidas nele. Hegel chama a isso de “ser-em-si”, equiparando-o com verdade e essência do objeto (Gegenstand).

Segue-se a relação: O objeto não tem apenas um em-si independente, mas também uma aparição (Erscheinung), ele aparece para mim, ele se relaciona com minha consciência. É “para mim” uma árvore. A esse ser, Hegel chama de “ser-para- outro”, “ser-(consciência) para-um-outro”. O “para-outro” é a negação do em-si. Está em contraposição ao que era o objeto “em si”, sem o que, o em-si acaba se tornando falso.

Todavia, não se demora no ser-para-outro: também é negado como manifestação, e ambos, o em-si e o para-outro, essência e manifestação, coincidem em meu saber. Com isso surge o novo objeto: o conceito (p. ex., árvore). Ninguém poderá negar que aquilo que se move ali ao vento é algo distinto do que qualificamos com as seis letras á-r-v-o-r-e

Mas esse novo objeto é ainda o antigo (ente-em-si), junto com a nova experiência feita pela minha consciência. Do em-si do objeto, veio a ser o ser-para-si da árvore.

Fenomenologia do espírito by  (Page 41)