Não existe nenhum solo de sustentação para a filosofia - em todo caso, não para a filosofia hoje. Assim como a sociedade atual não poderia ser compreendida a partir de seus assim chamados fundamentos naturais, tampouco poderia, por exemplo, a agricultura decidir sobre a organização da sociedade contemporânea. Antes, a verdade é, ela mesma, verdade em movimento, na qual os momentos originários, como são chama- dos, emergem como momentos, como momentos do arcaico, da rememoração [Erinnerung], ou como quer que vocês desejem designá-los. Em todo caso, não se deve atribuir a eles uma substancialidade superior, quer sob um ponto de vista metafísico, moral ou lógico. O núcleo de um pensamento, aquilo que nele é efetivamente substancial, aquilo por meio do que um pensar se ratifica como verdadeiro e não como simples tolice, este núcleo não consiste no solo sobre o qual se estabeleceria de maneira inabalável. Tampouco se trata de uma tese, concretamente falando [dinghajt], a ser extraída, para a qual se poderia apontar o dedo e dizer: "Ora, vejam, aí está o que procuráva- mos: é isto o que ele defende, esta é sua opinião, aí está seu pensamento, e ele não pode fazer nada diferente, Deus o ajude." 242 Isso tudo são representações acerca do teor da filosofia que foram, por seu turno, obtidas sob coerção da consciência moral, sob a compulsão [Notung] nos seres humanos para reconhecer de que lado alguém de fato está, e nas quais está presente também a pressuposição de que um pensamento será responsável e verdadeiro se e somente se as pessoas que o pronunciam numa dada ocasião // puderem ser responsabilizadas por ele diante de uma agremiação ou comissão qualquer. Em outras palavras, está presente aí a negação daquele momento da liberdade do pensamento que constitui a atmosfera do movimento filosófico do conceito. O cerne ou a substancialidade de um pensar é a fonte latente de energia de onde o pensamento haure sua força, a luz que recai por meio do pensamento sobre os objetos, mas não é algo objetivo [Gegenstandliches] a ser tomado de maneira firme como se fosse uma coisa, diante da qual poderíamos, di- gamos assim, fazer um juramento. E, como vimos, há o "idole d"échelle", cuja verdade residiria afinal na exigência de que o pensamento deve, de algum modo, ser capaz de prestar contas a cada instante acerca do solo em que se apoia, acerca daquilo que constituiria seu cerne coisa [dinghajt]. Em vez disso, deve- ríamos ver esse momento substancial como algo que se encontraria atrás, uma fonte de força, e não uma espécie de tese ou coisa que pudesse ser apreendida por um simples exercício de "controle" [Kontrolle].
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 393 - 394)