o mundo de hoje ser experienciado pelas pessoas num sentido novo e - eu gostaria de dizer - negativo, a saber: como mundo fechado. Não se trata certamente de um mundo fechado tal como era o caso para a filosofia da Alta Idade Média, na qual o dogma revelado coincidia com os estágios mais avançados de consciência. Trata-se, antes, de um mundo fechado no sentido de que propriamente tudo o que há em geral de experiência possível já seria experienciado antecipadamente pelas pessoas ou deveria ser considerado como já socialmente pré-formado - um mundo fechado sob a perspectiva, portanto, de que está excluída a experiência daquilo que é novo, em sentido enfático. Em outras palavras, o mun- do é fechado, falando do ponto de vista econômico, no sentido de que tende a retroceder ao nível da reprodução simples, provocando o atrofiamento da reprodução ampliada - uma tendência que, ao menos como tendência, vem sendo ratificada por vários economistas. 266 É o caso, poderíamos dizer, de um mundo da experiência no qual não existe mais algo como uma frontier, um mundo em que não subsiste nada que não esteja registrado [ Unerfasstes] - no qual tudo é antecipadamente percebi- do pelos seres humanos como pré-organizado. E a necessidade de uma sistemática, que surge nessa nova situação, não é nenhuma outra senão a de encontrar formas conceituais que cor- respondam àquela pré-ordenação que forja de antemão o ente, cunhado pelo fenômeno da "bureaucratisation du monde", 267 ou seja, o fenômeno do mundo administrado. Com efeito, é característico, para os sistemas de estilo mais recente, o fato de que apresentem enormes estruturações procedimentais; ou enormes planos processuais, de acordo com os quais tudo encontra seu lugar, como num processo administrativo já planejado. De modo que, nesses sistemas, não há propriamente espaço algum para transcendência. Em contrapartida, os grandes sistemas de outrora tiravam seu impulso diretamente do fato de que a transcendência da consciência, a transcendência do espírito, uma secularização do espírito divino, metamorfaseava-se, diante do singular// e do factual [Tatsãchlicbes], em imanência. Assim, tentavam compreender aquilo que não é espírito, apesar disso, igualmente como algo espiritual, isto é, compreendê-lo como sendo algo mais do que é. Essa tendência dos mais antigos sistemas de conferir àquilo que meramente existe uma espécie de sentido, ao assimilá-lo à totalidade, desapareceu hoje completamente, e agora se trata apenas de algo como gigantescos planos burocráticos, que então compreenderiam tudo sob si, e em que o critério decisivo seria a representação do adequar-se de uma coisa à outra, sem fissuras, de tudo o que ali acontece.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 433 - 434)