Em todas as subsunções de um objeto sob um conceito, a representação do primeiro tem que ser homogênea com o segundo, isto é, o conceito necessita conter o que é representado no objeto a ser subsumido a ele, pois isso é precisamente o que significa a expressão: um objeto está contido sob um conceito. Assim, o conceito empírico de um prato tem homogeneidade com o conceito geométrico puro de um círculo, uma vez que a redondez pensada no primeiro pode ser intuída no segundo.
Ora, conceitos puros do entendimento, todavia, em comparação com intuições empíricas (até com as sensíveis em geral), são completamente não homogêneos425, não podendo jamais ser encontrados em qualquer intuição. Ora, como é a subsunção do segundo ao primeiro e, assim, possível a aplicação da categoria aos fenômenos, posto que ninguém diria que ela, A138/B177 por exemplo a causalidade, também poderia ser intuída via sentidos e está encerrada no fenômeno? Esta questão tão natural e importante é efetivamente a causa que torna necessária uma doutrina transcendental da faculdade do juízo com a finalidade nomeadamente de exibir a possibilidade de aplicar conceitos puros do entendimento aos fenômenos em geral. Em todas as outras ciências, em que os conceitos através dos quais é o objeto pensado em geral universalmente não são tão distintos e heterogêneos426 relativamente àqueles que o representam in concreto, é desnecessário fornecer uma discussão especial sobre a aplicação dos primeiros aos segundos.
Agora fica claro ser imperioso haver uma terceira coisa que precisa permanecer em homogeneidade com a categoria por um lado e com o fenômeno por outro, e que possibilite a aplicação da primeira ao segundo. Essa representação mediadora427 tem que ser pura (sem nada que seja empírico) e, no entanto, intelelectual por um lado e sensível por outro. Uma tal representação é o esquema transcendental.
O conceito do entendimento encerra a unidade sintética pura do múltiplo em geral. O tempo, como a condição formal do múltiplo do sentido interno e, portanto, da associação de todas as representações, contém um múltiplo a priori na intuição pura. Ora, uma determinação temporal transcendental 428 é homogênea com a categoria (que constitui sua unidade) B178 na medida em que é universal e se apoia em uma regra a priori. Mas é, por outro lado, A139 homogênea com o fenômeno na medida em que o tempo está contido em toda representação empírica do múltiplo. Daí se tornar possível uma aplicação da categoria aos fenômenos mediante a determinação temporal transcendental que, como o esquema do conceito do entendimento, medeia a subsunção dos segundos à primeira.
Depois do que foi mostrado na dedução das categorias, é de se esperar429 que ninguém se manterá em dúvida acerca da resolução da questão: se esses conceitos puros do entendimento são de uso meramente empírico ou também transcendental, isto é, se, na qualidade de condições de uma experiência possível, relacionam-se a priori somente aos fenômenos ou se, na qualidade de condições da possibilidade das coisas em geral, podem ser estendidos aos objetos em si mesmos (sem qualquer restrição à nossa sensibilidade). Com efeito, vimos aí que os conceitos são totalmente impossíveis, nem podem ter qualquer significado onde um objeto não é dado para eles mesmos ou, ao menos, para os elementos de que são constituídos e, portanto, não podem de modo algum dizer respeito às coisas em si430 (sem se considerar se e como podem nos ser dados); que, ademais, a modificação de nossa sensibilidade constitui a única maneira pela qual os objetos são dados a nós; finalmente, que conceitos puros B179 a priori, a se somar à função do entendimento na categoria, têm que A140 conter condições formais a priori da sensibilidade (nomeadamente o sentido interno) que contêm a condição geral sob a qual exclusivamente pode ser a categoria aplicada a qualquer objeto. Denominaremos essa condição formal e pura da sensibilidade, à qual está restrito o uso do conceito do entendimento, de esquema desse conceito do entendimento e chamaremos de esquematismo do entendimento puro o processo do entendimento431 com esses esquemas.
O esquema é sempre, em si mesmo, apenas um produto da imaginação; entretanto, como a síntese dessa última não tem, como meta, qualquer intuição singular, mas somente a unidade na determinação da sensibilidade, o esquema precisa ser distinguido da imagem. Assim, se coloco cinco pontos um em seguida do outro, . . . . . , esta é uma imagem do número cinco. Ao contrário, se me limito a pensar um número em geral, o qual pode ser cinco ou cem, esse pensar é mais a representação de um método para representar um grande número432 (por exemplo, cem) conforme certo conceito, do que essa própria imagem, a qual tão só dificilmente eu poderia abarcar com a vista e comparar com o conceito. Ora, essa representação de um processo geral B180 da imaginação para fornecer um conceito com sua imagem é o que denomino esquema para esse conceito.
De fato, não são imagens dos objetos, mas esquemas que dão fundamento aos nossos conceitos puros sensíveis. A141 Nenhuma imagem seria jamais adequada ao conceito de um triângulo em geral.433 Com efeito, não alcançaria a generalidade do conceito, a qual o torna válido para todos os triângulos, quer retângulos, quer de ângulos oblíquos etc., mas seria sempre limitada a uma parte dessa esfera. O esquema do triângulo jamais pode existir em outro lugar senão no pensamento, e significa uma regra da síntese da imaginação com referência a formas puras no espaço. E ainda muito menos um objeto da experiência ou sua imagem atingiriam o conceito empírico, estando este, antes, sempre relacionado imediatamente ao esquema da imaginação, na qualidade de uma regra para a determinação de nossa intuição de acordo com certo conceito geral. O conceito de cão significa uma regra em corfomidade com a qual minha imaginação pode especificar a forma de um animal de quatro patas em geral, sem estar limitado a qualquer forma especial singular a mim oferecida pela experiência ou qualquer imagem possível que posso exibir in concreto. Esse esquematismo de nosso entendimento, no tocante aos fenômenos e a sua mera forma, é uma arte secreta nas profundezas B181 da alma humana cujas verdadeiras operações só podemos com dificuldade extrair da natureza e desvelar ante os olhos.434 Tudo o que podemos dizer é o seguinte: a imagem é um produto da faculdade empírica da imaginação produtiva, o esquema dos conceitos sensíveis (como as A142 figuras no espaço) um produto e, por assim dizer, um monograma da imaginação pura a priori, através do qual e de acordo com o qual as imagens tornam-se possíveis pela primeira vez, mas que têm que ser conectadas ao conceito, com o qual não são em si nunca completamente congruentes, sempre somente mediante o esquema que designam. Pelo contrário, o esquema de um conceito puro do entendimento é algo inteiramente irredutível a uma imagem,435 sendo, antes, tão só a pura síntese em harmonia com uma regra de unidade em consonância com conceitos em geral, o que a categoria expressa e é um produto transcendental da imaginação que diz respeito à determinação do sentido interno em geral, de acordo com condições de sua forma (o tempo) com referência a todas as representações, na medida em que estas devem ser conectadas a priori em um conceito de acordo com a unidade da apercepção.
— Crítica da Razão Pura by Immanuel Kant (Page 148 - 151)