Na concepção geopolítica do imperialismo, a América Central não é nada mais do que um apêndice natural dos Estados Unidos. Nem mesmo Abraham Lincoln, que também pensou em anexar seus territórios, conseguiu escapar dos preceitos do “destino manifesto” da grande potência em relação às suas áreas contíguas.[1]
Em meados do século passado, o filibusteiro William Walker, que operava em nome dos banqueiros Morgan e Garrison, invadiu a América Central à frente de um bando de assassinos que se autodenominavam “a falange americana dos imortais”. Com o respaldo oficioso do governo dos Estados Unidos, Walker roubou, matou, incendiou e se proclamou, em expedições sucessivas, presidente da Nicarágua, El Salvador e Honduras. Reimplantou a escravidão nos territórios que sofreram sua devastadora ocupação, continuando, assim, a obra filantrópica de seu país nos estados que, pouco antes, tinham sido usurpados ao México.
Em seu regresso foi recebido nos Estados Unidos como herói nacional. Desde então sucederam-se as invasões, as intervenções, os bombardeios, os empréstimos compulsórios e os tratados assinados ao pé do canhão. Em 1912, o presidente William H. Taft afirmava: “Não está longe o dia em que três bandeiras de barras e estrelas vão assinalar em três pontos equidistantes a extensão de nosso território: uma no Polo Norte, outra no Canal do Panamá e a terceira no Polo Sul. Todo o hemisfério, de fato, será nosso, como já é nosso moralmente em virtude de nossa superioridade racial”[2]. Taft dizia que o reto caminho da justiça na política externa dos Estados Unidos “não exclui de modo algum uma ativa intervenção para assegurar às nossas mercadorias e aos nossos capitalistas facilidades para os investimentos lucrativos”. Na mesma época, o ex-presidente Teddy Roosevelt recordava em voz alta sua exitosa amputação da terra da Colômbia: I took the Canal, dizia o flamante Prêmio Nobel da Paz, enquanto contava como havia independentizado o Panamá[3]. A Colômbia receberia pouco depois uma indenização de 25 milhões de dólares: era o preço de um país, nascido para que os Estados Unidos dispusessem de uma via de comunicação entre os dois oceanos.
As empresas se apoderavam de terras, alfândegas, tesouros e governos; os marines desembarcavam em todas as partes para “proteger a vida e os interesses dos cidadãos norte-americanos”, pretexto igual ao que usariam, em 1965, para apagar com água benta o rastro do crime na República Dominicana. A bandeira envolvia outras mercadorias. Em 1935, já aposentado, o comandante Smedley D. Butler, que encabeçou muitas expedições, resumia assim sua atividade: “Passei 33 anos e quatro meses no serviço ativo, como membro da mais ágil força militar deste país: o Corpo de Infantaria da Marinha. Servi em todos os postos, de segundo-tenente a general de divisão. E durante todo esse período passei a maior parte do tempo em funções de pistoleiro de primeira classe para os Grandes Negócios, para Wall Street e para os banqueiros. Em uma palavra: fui um pistoleiro do capitalismo (...). Assim, por exemplo, em 1914 ajudei a fazer com que o México, e especialmente Tampico, fossem uma presa fácil para os interesses dos petroleiros norte-americanos. Ajudei a fazer com que Haiti e Cuba fossem lugares decentes para o retorno de investimentos do National City Bank (...). Em 1909-12, ajudei a purificar a Nicarágua para a casa bancária internacional de Brown Brothers. Em 1916 levei a luz à República Dominicana, em nome dos interesses açucareiros norte-americanos. Em 1903 ajudei a ‘pacificar’ Honduras em benefício das companhias fruticultoras norte-americanas”.