Havia uma corrente ideológica de interpretação da realidade que era representada pelos esforços teóricos e políticos realizados pelos intelectuais e dirigentes dos partidos comunistas vinculados à Terceira Internacional. Essa corrente estava presente em toda a América Latina e também no Brasil. Aqui o Partido Comunista Brasileiro era absolutamente hegemônico na esquerda brasileira e exercia enorme influência na vida social do pais, nas universidades, nas artes, na imprensa e na cultura em geral. Dai a sua enorme importância. Nesse época, muitos intelectuais atuavam no partido e exerciam suas respectivas influências nos mais diferentes campos da ciência e da luta político-ideológica. Para efeito didático, vamos mencionar alguns dos intelectuais que interpretavam a história econômica do Brasil, fornecendo argumentos científicos para as interpretações da realidade brasileira, que se conformavam com uma correspondente prática política do partido. Dentre os mais importantes e conhecidos, com enormes contribuições, destacamos Nelson Werneck Sodré, Alberto Passos Guimarães, Moisés Vinhas, Nestor Duarte, entre outros.
Qual a principal característica da linha de análise desses autores da realidade do nosso país? Eles procuravam fazer uma aplicação mecânica do materialismo histórico e das leis da economia política à realidade brasileira. De certa forma, faziam uma transposição mecânica dos manuais do chamado marxismo revisionista, coordenado pelo Partido Comunista da União Soviética (PCUS) para interpretar a nossa realidade. Assim, concluíam, de forma até primária mesmo para a década de 1960, que a sociedade brasileira estava submetida à pobreza e desigualdade porque nela predominavam, nas relações de produção, relações pré-capitalistas - e feudais, no meio rural - que impediam o desenvolvimento das forças produtivas. Logo, além de sofrermos com os males das relações pré-capitalistas, sofríamos também o impacto do domínio do imperialismo estadunidense.
Dessa análise decorria uma estratégia e uma ação política que defendiam a necessidade de se aprofundar no desenvolvimento das forças produtivas no Brasil, como forma de superar o atraso econômico. Além disso, dadas as particularidades da elite conservadora, era necessário realizar uma revolução burguesa para a conclusão da etapa capitalista da sociedade e, somente depois, dar passos rumo às mudanças transformadoras protagonizadas pela luta dos trabalhadores. Defendiam, portanto, como tática, a aliança dos trabalhadores com a burguesia nacional para enfrentar o imperialismo estadunidense e o latifúndio feudal.
Os adversários dessa prática afirmam que, na verdade, tal leitura da realidade era uma adequação teórica de uma linha política predefinida, em âmbito internacional, pela articulação dos partidos comunistas, sob coordenação do PCUS, que impunha, como estratégia, a todos os países periféricos o alinhamento dos trabalhadores com as burguesias nacionais para evitar tanto o fascismo quanto o isolamento da União Soviética.
Frente ao total monopólio de análise representado por essas teses no partido, ocorreram, na época, dissidências teóricas, ideológicas e organizativas. Do ponto de vista teórico, que é o que mais nos interessa aqui, a principal voz discordante da linha do PCB foi a de Caio Prado Júnior, que exerceu uma enorme influência na intelectualidade brasileira desse período. Caio Prado se contrapôs a esse modelo explicativo, apesar de ser membro do Comité Central, publicando suas ideias dissidentes no livro A revolução brasileira, que te transformou em um clássico do pensamento revolucionária do Brasil. Nesse livro, Cato Prado defende a lógica capitalista predominantes na economia brasileira, evidenciando a necessidade de um projeto verdadeiramente popular E bem verdade que Caio Prado não se desvincula totalmente da ideia de aliança possível, mas coloca o foco do desenvolvimento em outro âmbito: uma revolução nacional. libertadora, popular, e não apenas uma etapa da revolução burguesa. Entretanto, Caio Prado, em sua polêmica com partido, ateve-se fundamentalmente ao debate da natureza do capitalismo no Brasil e da revolução brasileira. A preocupação do autor não era centrada na compreensão dos mecanismos da dependência estrutural dos países da América Latina, na forma particular como se desenvolveu o capitalismo no continente, essencialmente em sua fase imperialista. Tampouco há em Caio Prado aprofundamentos em torno do tema da reforma agrária. Nesse aspecto, as propostas desse pensador são ainda restritas ao necessário desenvolvimento das forças produtivas no campo. É ai onde Marini fará uma forte crítica 30 pensamento de Caio Prado Júnior em seu artigo "Critica a A revolução brasileira de Caio Prado Júnior", publicado numa revista mexicana de ciências sociais logo após a publicação no Brasil, em 1967, de A revolução brasileira.
As teses oficiais do PCB-que podemos classificar como parte da aplicação de um marxismo esquemático, embora muitas delas publicadas na forma de livros após o golpe militar de 1964 estavam evidentemente em desacordo com os fatos notórios da realidade brasileira. O próprio golpe militar revelou que sua estratégia política, ao confiar na aliança com a burguesia nacional, era totalmente equivocada. Na realidade, a burguesia nacional manteve sua histórica aliança com o imperialismo, utilizando-se do golpe militar para manter o poder político e implementar, pelo regime ditatorial e forte repressão social, as mudanças econômicas de um novo ciclo de acumulação capitalista subordinada e dependente aos interesses do capital hegemônico internacional. Essa visão equivocada da realidade brasileira custou ao PCB a derrota política e ideológica, que o levaria à fragilização e posterior esgotamento, como partido hegemônico na esquerda brasileira.