Isso que nós habitualmente denominamos de lógica não é senão a doutrina da absoluta identidade, e seu cerne propriamente dito - e, na verdade, o cerne de todas as regras da lógica - reside em que os conceitos ou signos, li introduzidos pela lógica, sejam fixados como idênticos a si mesmos. A lógica não é, dessa maneira, outra coisa senão a doutrina completamente desdobrada das regras que resultam da identidade absoluta, tal como esta é conservada na própria lógica ao custo de todo e qualquer conteúdo. No entanto, o conteúdo, por sua vez, sempre e continuamente, tal como Hegel nos ensinou, não apenas se insere nas formas, mas também -justamente na medida em que ele não é a própria forma - entra em oposição a elas. Por conseguinte, apenas sob esses termos seríamos capazes de algo no sentido de construir o princípio lógico de identidade. E é por causa disso que se coloca como inteiramente consequente o fato de que o grande tabu erigido pela lógica tenha sido o princípio de contradição, isto é, a prescrição - e se trata antes de uma prescrição do que de um enunciado - segundo a qual de duas proposições contrapostas e contraditórias entre si somente uma pode ser verdadeira, e de que em toda parte onde isso não for observado, as leis do pensamento estarão sendo violadas. Pode-se dizer que a prevalência da contradição, tal como predomina na dialética, é a tentativa de romper com aquele primado da lógica, isto é, com a pura ausência de contradição, fazendo referência, portanto, ao fato de que o mundo não é mero pensamento, não consiste apenas nessa mera operação do pensar, tal como ela nos é representada segundo leis da lógica; fazendo referência, em outras palavras , ao fato de que o mundo não é lógico, mas sim permeado de contradições. Dialética é crítica à logicidade do mundo, à pretensão de assimilar a logicidade em nossos conceitos sem mediações e, justamente por isso, a dialética torna o próprio princípio da contradição, menosprezado pela lógica, seu medium ou seu órganon, em virtude dos motivos que procurei detalhar nas últimas aulas. Entretanto, isso significa não apenas que o mundo não se esgota em nossos conceitos, mas significa ainda que também nossos conceitos não se esgotam por aquilo que existe.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 215 - 216)