Hegel, ao contrário do que sempre lhe foi acusado de maneira tão vulgar, não agiu como se porventura tivesse abandona do a lógica formal e filosofasse sem qualquer tipo de controle, corno se não houvesse princípio// de contradição. Isso significaria virar Hegel de cabeça para baixo. Primeiramente, Hegel de fato presume o princípio de contradição para o âmbito do conhecimento usual baseado no entendimento [dieüblicbe Verstandeserkenntnis], tanto para conhecimentos empíricos mais básicos quanto para a lógica formal, como também para qualquer outro pensamento. Contudo, quando me comporto corno quem reflete [Reflektierender], isto é, quando não me oriento apenas, por assim dizer, pela atenção direta [ingerader Einstellung] a proposições formais ou conteúdos, mas penso, antes, de modo penetrante, a própria relação entre os momentos, então eu chego, de fato, ao resultado de que a forma, sob a qual eles podem ser compreendidos, é precisa e unicamente a própria forma da contradição, e não a forma entendida corno identidade vazia. Assim, não se trata de renegar [verleugnen] a contradição entre forma e conteúdo ou qualquer outra contradição: ao contrário, ela permanece vigente para o conhecimento finito e limitado. Mas, quando esse conhecimento exige sua autoconsciência, refletindo-se a si próprio, ele chega ao resultado de que a contradição, que ele precisa ter em mãos corno critério da correção, é simultaneamente o órganon da verdade, isto é, que cada conhecimento singular somente se torna propriamente conhecimento ao atravessar a contradição. Eis aí então em que consiste a derivação desse princípio negativo, desse princípio da contradição, a partir da doutrina kantiana das antinomias, tal como aparece em Hegel.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 207 - 208)