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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

até mesmo um método que, considerado in abstracto, é o mais avançado método de pensamento, acarretará em algo de falso, quando aplicado mecanicamente, isto é, quando os fatos são simplesmente subsumidos a ele, sem que a experiência ou a intelecção [Einsicht] dos próprios fatos interrompa esse processo de subsunção. Quase incorrendo num paradoxo, poderíamos dizer que, no instante em que a dialética é praticada como um tipo de ofício manual, tal como se estivéssemos seguindo uma receita e, portanto, quando está, enquanto método, sendo manipulada, que então ela terá já se convertido necessariamente em inverdade - e bem no sentido dialético estrito de que ela mesma com isso terá entrado em contradição com seu próprio conceito. Pois, de fato, pensar de modo dialético significa justamente pensar por rupturas, por assim dizer. E isso significa pensar de tal maneira que o conceito encontre em cada caso sua crítica, num sentido enfático, por meio daquilo que ele pretende ter compreendido sob si e que, de modo inverso, a mera facticidade seja justamente medida a partir de seu próprio conceito. Assim, no instante em que nos distanciamos disso, em que não// mais empreendemos aquilo que noutra passagem fora chamado de "trabalho e esforço do conceito"; no momento em que, então, acreditemos estar em posse definitiva do método, já o teremos distorcido e condenado ao malogro. Trata-se, de resto, de algo bem generalizado, tal como se pode encontrar, por exemplo, de maneira recorrente, na arte, aquilo que Kandinsky certa vez formulou de maneira elegante em seu livro Sobre o espiritual na arte, a saber: que um artista, no momento em que acredita ter encontrado a si mesmo, em que crê estar definitivamente em posse de seu estilo, geralmente já o terá perdido. Vocês podem, nesse ponto, perceber de novo algo da atmosfera da dialética que é muito importante: dito concretamente, aquela oposição à necessidade de segurança, oposição da qual, a propósito, já lhes falei anteriormente. 81 Um dos desafios postos pelo pensar dialético, e talvez não o menor, é justamente aquele segundo o qual, quando pensamos dialeticamente, não podemos simplesmente falar como um professor escolar de estilo kantiano: "agora eu possuo o método, e uma vez o tendo em mãos, então nada mais pode me acontecer". Foi justamente contra essa representação do método, a de que se pode simplesmente continuar acochambrando as coisas, perseguindo o método de maneira em certo sentido automatizada, cega, em vez de levar a termo, a todo instante, o esforço contido no pensamento - foi justamente contra isso, eu dizia, que Hegel se voltou energicamente. Mas tais percepções [Einsíchten] são naturalmente bastante modestas e comedidas, embora seja extraordinariamente mais difícil comportar-se realmente de acordo com elas ao se pensar concretamente do que quando se as toma assim, em abstrato. Não há a menor garantia de que, também quando se pensa dialeticamente, esse mesmo pensar dialético não se transforme em uma embaraçosa repetição do truque de cartas acerca do qual Hegel adverte tão insistentemente. E é muito importante que, como seres humanos pensantes, nós de antemão nos condicionemos a atuar obstinadamente contra toda aplicação mecânica das nossas próprias categorias - em outras palavras: que nos disponhamos continuamente a refletir sobre nossas próprias categorias, a verificar // se tais categorias ainda são, de fato, apropriadas às coisas a serem pensadas por meio delas.

Introdução à dialética by  (Page 168 - 170)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

O ser-em-si é a determinação de uma coisa tal como ela é, enquanto ela não fez ainda reflexão dentro de si mesma. O conceito de ser-para-si podemos compreender, por seu turno, de maneira relativamente simples, caso o tomemos em sentido bastante literal. "Para si" significa aí não apenas aquilo que é apartado do todo, separado - ainda que esse momento de separabilidade [ Getrenntheit] desempenhe neste contexto um papel essencial-, mas também efetivamente aquilo que se pretende dizer, por exemplo, quando alguém afirma o seguinte: este homem é em si um cafajeste, porém para si é muito decente, isto é, ele simplesmente não acha que é um cafajeste, não sendo nem mesmo capaz de perceber, por pouco que seja, seu mau caráter e vilania; ao contrário - por narcisismo, diriam os psicólogos - continua a se achar um ser humano maravilhoso. Ele é para si, portanto, um ser humano maravilhoso, mas em si é um cafajeste, quer dizer, segundo sua determinação objetiva, tal como ela se expressa, digamos, em sua função social. A filosofia hegeliana, a qual trata essencialmente, como toda dialética, do sujeito e do objeto, ou seja, que considera que o subjetivo e o objetivo estão separados um do outro, incumbe-se da tarefa de comprovar justamente essa diferença entre ser-em-si [Ansichsein] e ser-para-si [Fürsichsein], embora possa para isso trilhar caminhos diversos. Na Lógica, trata-se do caminho que consiste em avançar do ser-em-si, passando pelo ser-para-si e se colocando, finalmente, na direção do ser-em-si-e-para-si [Anunclfürsicbsein]; na Fenomenologia, o caminho é precisamente o inverso, isto é, consiste em partir da subjetividade, a qual chega então à consciência de si mesma, ao ser-para-si e, apenas atravessando essa consciência e todas as reflexões que lhe são vinculadas, chega-se ao ser-em-si e ao ser-em-si-e-para-si. Nisto, a saber, que essa oposição de ser-em-si e ser-para-si esteja posta aqui com toda essa seriedade, reside já o tema real e altamente decisivo da determinação objetiva, segundo o qual os seres humanos - e a filosofia hegeliana é, segundo sua origem, uma filosofia humanista-, pela função que objetivamente desempenham na sociedade, não são ainda idênticos consigo mesmos. Dito de outro modo, o papel social, caso eu possa exprimi-lo de uma maneira mais moderna, enquanto ser-em-si das pessoas, e a consciência delas, o ser-para-si, divergem um do outro. E mesmo essa divergência, por conseguinte, essa não identidade dos seres humanos com seu próprio mundo - que justamente por isso não é ainda, de maneira nenhuma, seu mundo propriamente dito -, tal é precisamente o fundamento daquela situação conflituosa, daquele sofrimento, daquela negatividade, a qual, tal como eu lhes disse anteriormente, somente pode ser ultrapassada pelo trabalho, paciência, seriedade e esforço do conceito.

Introdução à dialética by  (Page 157 - 159)

reviewed Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Pouco Hegel, muito Hegelianismo

No rating

Eu entendo que esse é um livro sobe o Hegelianismo e não sobre Hegel mas fico triste que apenas 60 páginas falam diretamente sobre Hegel e o restante das 300 sobre filósofos e movimentos influenciados por Hegel. Eu estava em busca de algo para me preparar para a leitura da Fenomenologia do espírito e não sinto que este livro me ajudou tanto. Agora se você está em busca de um livro para entender um pouco mais a historia da filosofia esse livro é um ótimo resumo de uma corrente filosófica.

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Charles Bukowski: Pulp (Paperback, Português language, L&PM)

Eis um Bukowski puro-sangue. Legítimo. Pulp, o último livro. Concluído alguns meses antes da sua …

Freqüentemente, os melhores momentos na vida são quando a gente não está fazendo nada, só meditando, ruminando. Quer dizer, a gente pensa que todo o mundo é sem sentido, aí vê que não pode ser tão sem sentido assim se a gente percebe que é sem sentido, e essa consciência da falta de sentido já é quase um pouco de sentido. Sabe como é? Um otimismo pessimista.

Pulp by 

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

É certo que “Modernidade” é um conceito com uma vasta gama de significados. Habermas o define como tendo sentidos históricos, sociais, culturais e políticos distintos. Em seu sentido histórico, “Modernidade” define a época da história ocidental desde 1500, marcada pela descoberta do Novo Mundo, a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Com base no trabalho de Weber sobre racionalização moderna, “Modernidade” tem um sentido social, referindo-se ao desenvolvimento de economias de mercado e da organização estatal burocrática como esferas relativamente independentes operando de acordo com critérios de eficiência e produtividade. Novamente com base em Weber, “Modernidade” tem um significado cultural, referindo-se a processos de racionalização cultural definidos pelo desenvolvimento das “esferas de valor” autônomas da ciência, do direito/moralidade e da arte, cada uma com as suas próprias formas de conhecimento e prática. Finalmente, “Modernidade” tem um significado político, definido por uma história de mudanças revolucionárias seguida pelo desenvolvimento de formas constitucionais e democráticas de governo relativamente estáveis e autorreformadoras.

Ao mesmo tempo, no entanto, “Modernidade” também indica uma condição histórica na qual existe um forte reconhecimento social e cultural do “direito de subjetividade”. Esta foi a expressão de Hegel para descrever a condição moderna na qual a liberdade individual como autonomia racional é considerada o mais elevado princípio de legitimação racional. Com efeito, Modernidade significa que é preciso haver uma legitimação racional das normas teóricas e morais (tradição não é suficiente); que práticas sociais e culturais deveriam ser modos de os indivíduos expressarem sua autonomia (ao invés de serem um empecilho a que se o faça); e que instituições políticas ganhem legitimidade apenas por serem a expressão racional de processos de tomada de decisão coletiva (a democracia constitucional é a forma distintivamente moderna de política). A autonomia racional do indivíduo é o princípio fundamental das instituições sociais e políticas; as últimas derivam sua legitimidade de seu reconhecimento e promoção desta autonomia, mas também proveem as condições que permitem que tal autonomia se desenvolva em primeiro lugar.

“Modernidade”, portanto, se refere ao projeto de criar e sustentar formas individuais e coletivas de vida capazes de serem fundamentadas no livre-exercício da autonomia racional e legitimadas por ele. De acordo com Habermas, Hegel foi o primeiro entre os filósofos modernos a reconhecer que a Modernidade se tornou um problema filosófico: ele foi o primeiro a investigar a necessidade da Modernidade de uma normatividade autogerada independente de qualquer corpo de tradições, instituições ou práticas adquirido do passado (PDM: 16); o primeiro a refletir explicitamente sobre a necessidade da Modernidade de “autoencorajamento” (Selbstvergewisserung) em relação a esta normatividade autogerada (p. 16). Pois a Modernidade já não toma emprestado do passado os critérios para as suas instituições e modo de vida; em vez disso, “tem que criar sua normatividade fora de si mesma” (PDM: 7). Para Hegel, a tarefa da filosofia é a “de apreender o seu próprio tempo – e para ele este significa a idade moderna – no pensamento” (PDM: 16). Desta maneira, a filosofia contribui para a autocompreensão da Modernidade em seus aspectos social, cultural e político, oferecendo ao mesmo tempo uma perspectiva crítica acerca dos seus problemas e deficiências; pode até mesmo oferecer visões alternativas de vida mais de acordo com as pretensões da Modernidade de articular a liberdade racional.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 150 - 152)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

de modo geral, o pensamento dialético hegeliano - e também o marxiano, a propósito-, na medida em que é um pensamento crítico, envolve sempre crítica imanente. Quando se realiza uma crítica a um construto, então essa crítica pode - e essa é uma maneira popular de se falar - ou ser uma crítica transcendente, isto é, ela pode avaliar o construto, a realidade ou o que quer que seja segundo um pressuposto qualquer que, embora pareça àquele que julga estar hem estabelecido//, não se baseia, contudo, na coisa [Sache] enquanto tal; ou pode se tratar de uma crítica imanente, isto é, lá onde a crítica se realiza, ela pode avaliar levando em consideração seus próprios pressupostos, a própria lei formal [Formgesetz] . O caminho dialético é sempre aquele da crítica imanente, ou seja, não se deve, no sentido em que procurei explicar a vocês, abordar a coisa com base num critério que lhe seja exterior, nem "asseveração" [~rsicherung] nem "inspiração" [Einfall]; mas sim a coisa deve, para chegar a si mesma, ser avaliada em si mesma, em seu próprio conceito. Quando alguém como Marx, para lhes dar um exemplo proveniente da dialética materialista, realiza uma crítica à sociedade capitalista, isso jamais ocorre contrapondo a ela uma sociedade por assim dizer ideal, talvez a assim chamada sociedade socialista. Em Marx, isso é cautelosamente evitado a todo momento, da mesma maneira que Hegel nunca se incumbiu de imaginar a utopia ou a ideia efetivada. Acerca disso predomina, em ambas as versões da dialética, um severo tabu. Quando Marx realiza uma crítica à sociedade, ele procede de tal maneira que a avalia por aquilo que ela, a partir de si mesma, reivindica ser, dizendo por exemplo: "esta sociedade pretende ser uma sociedade da troca livre e justa. Ora, nós queremos justamente ver se ela corresponde a essa pretensão que lhe é própria". Ou ainda: "ela pretende ser uma sociedade de sujeitos livres que trocam, que se apresentam uns aos outros como contraentes; nós queremos ver, então, o que propriamente acontece com essa pretensão". Todos esses momentos - que justamente caracterizam o método marxiano e que, aliás, tomam bastante difícil compreender o método marxiano no sentido adequado e não naquele sentido distorcido de uma doutrina da sociedade ideal, doutrina da qual Marx estava consideravelmente afastado - todos esses momentos estão delineados nessa passagem do texto de Hegel.

Introdução à dialética by  (Page 129 - 130)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a refutação da verdade de uma proposição ou a negação dessa proposição, ou ainda - para lhes dar, de uma vez por todas, aquela palavra-chave que provavelmente estavam esperando - que a antítese de uma tese não é algo acrescentado de fora, mas é antes aquilo que decorre da postura consequente do próprio pensamento. Creio que, se vocês quiserem ter um conceito filosófico de dialética e se desvencilhar do conceito pré-filosófico, prosaico e trivializado de dialética, que se resumiria a dizer, por exemplo, algo como "pois bem, para tudo aquilo que é dito, pode-se, de algum modo, sempre se dizer o contrário", então encontrarão nessas sentenças de Hegel a oportunidade para isso. Pois é contra essa sabedoria prosaica e relativista que se volta de fato aquilo que aqui é desenvolvido por Hegel, a saber: que a antítese não é algo contraposto à proposição a partir de fora, como se fosse uma réplica. Para ele, isso não passaria de uma controvérsia sofística de opiniões. Antes, o que ocorre é que// o oposto [Gegensatz] da proposição sempre se depreende da própria proposição, de sua própria consequência, como tentei sumariamente lhes indicar na relação entre o Eu e o Não-Eu, a qual fornece, a propósito, justamente a decisiva temática para a Fenomenologia de Hegel. Pensar dialeticamente não significa, portanto, contrapor, digamos, a uma proposição qualquer uma outra opinião a partir de fora, mas sim impelir o pensamento até o ponto em que ele se aperceba, de certa maneira, de sua própria finitude, de sua própria falsidade e, por meio disso, se impulsione para além de si mesmo.

Introdução à dialética by  (Page 125 - 126)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Dito de outro modo, a razão, por um lado, necessariamente se enreda em contradições,// mas ela, ao mesmo tempo, também tem a força de ir além dessas contradições e de retificar-se a si mesma - isso é, de acordo com Hegel, a essência em geral do movimento do conceito, a essência propriamente dita da filosofia. Vocês deveriam reter ambas as coisas, se pretendem entender a dialética corretamente: por um lado, a inevitabilidade dás contradições; por outro, o impulso recebido dessas contradições para ir além delas próprias, que conduz então à sua superação [Aufoebung] numa forma mais elevada da verdade e também - tal como é pensado em Hegel, ou seja, de maneira correlativa - numa forma mais elevada de realidade. Pois a verdade e a realidade são pensadas, em Hegel, não como pura e simplesmente diversas, mas como dois momentos dinâmicos inter-relacionados, que dependem um do outro e que se constituem apenas de modo recíproco.

Introdução à dialética by  (Page 125)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a filosofia hegeliana não reconhece o princípio de não contradição, na medida em que sustenta a posição de que o próprio pensamento não tem garantida sua verdade apenas por transcorrer em ausência de contradição, mas, em vez disso, tem sua verdade garantida apenas enquanto se vê obrigado, por sua postura consequente, à contínua contradição, alcançando assim sua unicidade lógica, ou seja, sua ausência de contradição [ Widersprucblos{gkeit], apenas e tão somente com.o totalidade levada a cabo, e não nos passos específicos que é levado a executar.

Introdução à dialética by  (Page 121)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Colocando de maneira bem direta, e para tentar mais uma vez fazer esse difícil conceito adquirir um pouco mais de sentido, "o todo" em Hegel significa que a verdade não consiste em definir, de maneira isolada, um conceito qualquer e, a partir daí, nesse isolamento, passar a tratá-lo como se fosse um mero setor, mas consiste antes em considerar tal conceito na relação com a totalidade na qual se insere. Aqueles dentre vocês que se ocupam com as ciências da sociedade podem ter uma imagem disso de maneira bem nítida, quando, por exemplo, precisam investigar setores sociais específicos - digamos, na sociologia do trabalho-, relações específicas, como as que se estabelecem no interior de determinada fábrica ou em determinado ramo industrial. Então, vocês irão se deparar aqui e ali com todas as determina ções possíveis, cuja causa, no entanto, não estará efetivamente naquele lugar particular, naquele trabalho específico, no ramo industrial particular que vocês estiverem estudando, mas antes estará articulada a questões bem mais amplas, digamos, à situação da mineração ou às condições de trabalho dos mineradores hoje em dia, ou ainda ao processo de produção como um todo e até, em última instância, à estrutura social mais ampla, na qual se insere atualmente a indústria de extração e beneficiamento de matéria-prima. Apenas quando vocês conseguirem perfazer essa reflexão em direção ao todo, poderão compreender o particular de maneira propriamente correta. Portanto, essa necessidade de ver fenômenos particulares de maneira bem precisa em sua particularização, porém sem// permanecer estagnado nessa particularização, e sim extrapolando-a, entendendo-a dentro da totalidade a partir da qual aqueles fenômenos recebem sua determinação - esta necessidade é, em primeiro lugar, a mais essencial de todas as diretrizes contidas na sentença de Hegel de que o todo é o verdadeiro. E creio que, dentre os motivos mais convincentes para se desenvolver um conceito dialético de conhecimento, contraposto à ciência meramente positivista, este é o primeiro a se destacar.

Introdução à dialética by  (Page 112 - 113)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

suponham por um instante que vocês estejam diante de uma palavra como "divino", "absoluto", ou "eterno", palavras a partir das quais vocês podem pensar praticamente tudo e que, apenas na medida em que podem pensar tudo a partir delas, corresponderiam à pretensão de absolutez [Absolutheit] que elas próprias indicam. Ao procurar, então, elucidar tal palavra por meio de uma proposição - dizendo talvez "o absoluto é o imutável, o que permanece igual a si mesmo", ou "o absoluto é identidade entre pensar e ser"-, neste mesmo momento já terão justamente colocado um limite àquele significar-tudo [Allbedeutendes], que adere ao pathos de uma palavra desse tipo, isto é, sua pretensão a uma validade pura e simples, e, por isso mesmo, já terão alterado o próprio conceito. Vocês poderiam expressar isso também da seguinte maneira: somente é possível determinar um conceito como o de absoluto, eterno ou divino, na medida em que o delimitamos ou alteramos, e essa alteração é o ponto decisivo para o pensamento dialético. Tal alteração não seria algo externo, algo que nós estaríamos fazendo a tal palavra, a tal conceito, por meio de nossas reflexões. Pelo contrário, é a palavra ou o conceito que nos compele a isso, caso pretendamos compreendê-lo enquanto tal, caso queiramos conferir-lhe um conteúdo determinado, por meio do qual primeiramente se converterá em um conceito, a delimitá-lo como fica indicado nessa ponderação de Hegel. Aqui, vocês têm uma explicação do princípio da dialética e, ao mesmo tempo, um caso paradigmático, um exemplo para uma dialética posta em execução em um conceito bastante determinado. "O que é mais" -diz ele- "do que tal palavra, também somente a passagem a uma proposição, contém um devir-outro que tem de ser retomado: é uma mediação." A expressão "mediação" significa em Hegel sempre a própria alteração que tem de ser exigida de um conceito// no instante em que se deseja apreender esse mesmo conceito. Pode-se também dizer, portanto, que a mediação é o momento do devir que está posto em todo e qualquer ser. E se a dialética é a filosofia que se preocupa universalmente com a mediação, então isso significa também o seguinte: não há nenhum ser que, na medida em que vocês tentem determiná-lo como tal, não se torne realmente, ao mesmo tempo, um devir.

Introdução à dialética by  (Page 100 - 101)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a tarefa do pensamento dialético não pode ser a de fazer malabarismos com os conceitos, de maneira a substituir, por debaixo do pano, aquelas determinações que um conceito possui por outras tais que porventura convenham a esse mesmo conceito. Tal caminho seria, de fato, o caminho do pensamento sofístico e não aquele do conceito dialético. Ao contrário, aquilo que é propriamente exigido da dialética segundo seu ideal - um ideal a propósito do qual, aliás, sou o último a afirmar que seja sempre alcançado em cada operação dialética - consiste muito antes em empregar os próprios conceitos de uma tal maneira, perseguir de tal modo sua coisa [Sache], sobretudo confrontar o conceito tão longamente com aquilo que se pretende dizer por meio dele, até se mostrar que entre tal conceito e a coisa, referida por meio dele, produzem-se certas dificuldades; e que tais dificuldades forçam, por seu turno, a alterar de certa maneira, no decurso do pensamento, o próprio conceito, sem que, nesse processo, sejam renunciadas as determinações que o conceito tinha originalmente. O que ocorre é, na verdade, que essa alteração se consuma justamente por meio da crítica ao conceito originário - isto é, mostrando-se que o conceito originário não está de acordo com sua própria coisa, não importa quão bem definida ela possa parecer. E essa alteração, com efeito, faz justiça ao próprio conceito originário, na medida em que o impele precisamente à concordância com a coisa. O abandono de uma definição qualquer pelo pensamento dialético não é um ato arbitrário, que seria realizado por meio de joguetes com definições variegadas, mas antes deve - em todo caso, ao menos segundo sua ideia- expressar justamente aquele momento da não identidade, da não coincidência entre conceito e coisa. E, por meio disso, o conceito, em sua constante confrontação com a coisa -portanto, em sua crítica imanente, como se pode também denominar-, tem-lhe imputada sua própria insuficiência. Desse modo, a modificação que o conceito experimenta nesse processo é, ao mesmo tempo - em todo caso, ao menos no sentido dado a isso pela filosofia hegeliana-, também uma modificação da coisa mesma.

Introdução à dialética by  (Page 80 - 81)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

A dialética é, na verdade, um método que se refere ao modo do pensar, mas que, ao mesmo tempo, diferencia-se de outros métodos por meio disto: ela procura insistentemente não permanecer estagnada, busca recorrentemente se corrigir a partir dos próprios dados [ Gegebenheit] das coisas mesmas. Tentativa de fornecer uma definição: dialética é um pensar que não se resigna à ordem conceitual, mas antes leva a termo a arte de corrigir tal ordem conceitual por meio do ser dos objetos. Justamente nisso reside a força vital do pensar dialético, o momento da oposicionalidade [Gegensiitz:]ichkeit]. // Dialética é o contrário daquilo que se representa normalmente sob esse nome: não é uma simples arte de operação [ com conceitos], mas sim a tentativa de ultrapassar a manipulação meramente conceitual, de deflagrar, em cada um de seus níveis, a tensão entre o pensamento e aquilo que jaz sob ele. Dialética é o método do pensar, que não permanece simples método, mas que se toma a tentativa de ultrapassar a mera arbitrariedade do método e fazer inserir-se no conceito aquilo que não é conceito propriamente dito.

Ad "exagero": afirma-se que a verdade sempre tem de ser o mais simples e primitivo. Aquilo que se afasta dessa expectativa seria apenas um suplemento arbitrário. Essa representação pressupõe que o mundo seja tal como ele se oferece em sua fachada. A filosofia deve atuar meticulosamente contra tal representação, desconcertando-a. Um pensar que não toma para si a incumbência de ultrapassar representações arraigadas não é outra coisa senão a mera reprodução daquilo que já se diz ou que já se pensa. A filosofia deve nos ensinar a não nos deixarmos fazer de tolos. Em conversa com Goethe, Hegel disse: "filosofia é o espírito organizado da contradição''. Todo pensamento que atravessa a fachada, a aparência necessária numa palavra, a ideologia - é sempre exagerado. A tendência da dialética de ir aos extremos tem hoje exatamente a função de resistir à desmedida pressão externa.

A dialética é consciente de que há, de um lado, o pensamento, e de outro, aquilo sobre o qual o pensamento se empenha. O pensar dialético não é meramente intelectualista, mas consiste justamente na tentativa de autolimitação do pensar por meio da coisa. Como o pensar chega a fazer valer a coisa, no interior da própria determinação-de-pensamento? Na Fenomenologia, Hegel sustenta: a imediates retoma em cada nível do movimento que o pensar atravessa. Sempre o pensamento se vê confrontado com o que lhe é oposto [ Gegensatz] , aquilo que se pode denominar como natureza. Uma introdução à dialética tem de ser empreendida em contínua confrontação com o problema do positivismo. // Ela não pode proceder como se os critérios do positivismo não existissem, mas precisa antes tentar medi-los por si mesmos e, por meio disso, ultrapassar o próprio conceito do positivismo. Positivismo é um elemento da dialética e não uma visão de mundo [ Míltanschauung] .

Introdução à dialética by  (Page 70 - 72)