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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

É certo que “Modernidade” é um conceito com uma vasta gama de significados. Habermas o define como tendo sentidos históricos, sociais, culturais e políticos distintos. Em seu sentido histórico, “Modernidade” define a época da história ocidental desde 1500, marcada pela descoberta do Novo Mundo, a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Com base no trabalho de Weber sobre racionalização moderna, “Modernidade” tem um sentido social, referindo-se ao desenvolvimento de economias de mercado e da organização estatal burocrática como esferas relativamente independentes operando de acordo com critérios de eficiência e produtividade. Novamente com base em Weber, “Modernidade” tem um significado cultural, referindo-se a processos de racionalização cultural definidos pelo desenvolvimento das “esferas de valor” autônomas da ciência, do direito/moralidade e da arte, cada uma com as suas próprias formas de conhecimento e prática. Finalmente, “Modernidade” tem um significado político, definido por uma história de mudanças revolucionárias seguida pelo desenvolvimento de formas constitucionais e democráticas de governo relativamente estáveis e autorreformadoras.

Ao mesmo tempo, no entanto, “Modernidade” também indica uma condição histórica na qual existe um forte reconhecimento social e cultural do “direito de subjetividade”. Esta foi a expressão de Hegel para descrever a condição moderna na qual a liberdade individual como autonomia racional é considerada o mais elevado princípio de legitimação racional. Com efeito, Modernidade significa que é preciso haver uma legitimação racional das normas teóricas e morais (tradição não é suficiente); que práticas sociais e culturais deveriam ser modos de os indivíduos expressarem sua autonomia (ao invés de serem um empecilho a que se o faça); e que instituições políticas ganhem legitimidade apenas por serem a expressão racional de processos de tomada de decisão coletiva (a democracia constitucional é a forma distintivamente moderna de política). A autonomia racional do indivíduo é o princípio fundamental das instituições sociais e políticas; as últimas derivam sua legitimidade de seu reconhecimento e promoção desta autonomia, mas também proveem as condições que permitem que tal autonomia se desenvolva em primeiro lugar.

“Modernidade”, portanto, se refere ao projeto de criar e sustentar formas individuais e coletivas de vida capazes de serem fundamentadas no livre-exercício da autonomia racional e legitimadas por ele. De acordo com Habermas, Hegel foi o primeiro entre os filósofos modernos a reconhecer que a Modernidade se tornou um problema filosófico: ele foi o primeiro a investigar a necessidade da Modernidade de uma normatividade autogerada independente de qualquer corpo de tradições, instituições ou práticas adquirido do passado (PDM: 16); o primeiro a refletir explicitamente sobre a necessidade da Modernidade de “autoencorajamento” (Selbstvergewisserung) em relação a esta normatividade autogerada (p. 16). Pois a Modernidade já não toma emprestado do passado os critérios para as suas instituições e modo de vida; em vez disso, “tem que criar sua normatividade fora de si mesma” (PDM: 7). Para Hegel, a tarefa da filosofia é a “de apreender o seu próprio tempo – e para ele este significa a idade moderna – no pensamento” (PDM: 16). Desta maneira, a filosofia contribui para a autocompreensão da Modernidade em seus aspectos social, cultural e político, oferecendo ao mesmo tempo uma perspectiva crítica acerca dos seus problemas e deficiências; pode até mesmo oferecer visões alternativas de vida mais de acordo com as pretensões da Modernidade de articular a liberdade racional.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 150 - 152)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

de modo geral, o pensamento dialético hegeliano - e também o marxiano, a propósito-, na medida em que é um pensamento crítico, envolve sempre crítica imanente. Quando se realiza uma crítica a um construto, então essa crítica pode - e essa é uma maneira popular de se falar - ou ser uma crítica transcendente, isto é, ela pode avaliar o construto, a realidade ou o que quer que seja segundo um pressuposto qualquer que, embora pareça àquele que julga estar hem estabelecido//, não se baseia, contudo, na coisa [Sache] enquanto tal; ou pode se tratar de uma crítica imanente, isto é, lá onde a crítica se realiza, ela pode avaliar levando em consideração seus próprios pressupostos, a própria lei formal [Formgesetz] . O caminho dialético é sempre aquele da crítica imanente, ou seja, não se deve, no sentido em que procurei explicar a vocês, abordar a coisa com base num critério que lhe seja exterior, nem "asseveração" [~rsicherung] nem "inspiração" [Einfall]; mas sim a coisa deve, para chegar a si mesma, ser avaliada em si mesma, em seu próprio conceito. Quando alguém como Marx, para lhes dar um exemplo proveniente da dialética materialista, realiza uma crítica à sociedade capitalista, isso jamais ocorre contrapondo a ela uma sociedade por assim dizer ideal, talvez a assim chamada sociedade socialista. Em Marx, isso é cautelosamente evitado a todo momento, da mesma maneira que Hegel nunca se incumbiu de imaginar a utopia ou a ideia efetivada. Acerca disso predomina, em ambas as versões da dialética, um severo tabu. Quando Marx realiza uma crítica à sociedade, ele procede de tal maneira que a avalia por aquilo que ela, a partir de si mesma, reivindica ser, dizendo por exemplo: "esta sociedade pretende ser uma sociedade da troca livre e justa. Ora, nós queremos justamente ver se ela corresponde a essa pretensão que lhe é própria". Ou ainda: "ela pretende ser uma sociedade de sujeitos livres que trocam, que se apresentam uns aos outros como contraentes; nós queremos ver, então, o que propriamente acontece com essa pretensão". Todos esses momentos - que justamente caracterizam o método marxiano e que, aliás, tomam bastante difícil compreender o método marxiano no sentido adequado e não naquele sentido distorcido de uma doutrina da sociedade ideal, doutrina da qual Marx estava consideravelmente afastado - todos esses momentos estão delineados nessa passagem do texto de Hegel.

Introdução à dialética by  (Page 129 - 130)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a refutação da verdade de uma proposição ou a negação dessa proposição, ou ainda - para lhes dar, de uma vez por todas, aquela palavra-chave que provavelmente estavam esperando - que a antítese de uma tese não é algo acrescentado de fora, mas é antes aquilo que decorre da postura consequente do próprio pensamento. Creio que, se vocês quiserem ter um conceito filosófico de dialética e se desvencilhar do conceito pré-filosófico, prosaico e trivializado de dialética, que se resumiria a dizer, por exemplo, algo como "pois bem, para tudo aquilo que é dito, pode-se, de algum modo, sempre se dizer o contrário", então encontrarão nessas sentenças de Hegel a oportunidade para isso. Pois é contra essa sabedoria prosaica e relativista que se volta de fato aquilo que aqui é desenvolvido por Hegel, a saber: que a antítese não é algo contraposto à proposição a partir de fora, como se fosse uma réplica. Para ele, isso não passaria de uma controvérsia sofística de opiniões. Antes, o que ocorre é que// o oposto [Gegensatz] da proposição sempre se depreende da própria proposição, de sua própria consequência, como tentei sumariamente lhes indicar na relação entre o Eu e o Não-Eu, a qual fornece, a propósito, justamente a decisiva temática para a Fenomenologia de Hegel. Pensar dialeticamente não significa, portanto, contrapor, digamos, a uma proposição qualquer uma outra opinião a partir de fora, mas sim impelir o pensamento até o ponto em que ele se aperceba, de certa maneira, de sua própria finitude, de sua própria falsidade e, por meio disso, se impulsione para além de si mesmo.

Introdução à dialética by  (Page 125 - 126)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Dito de outro modo, a razão, por um lado, necessariamente se enreda em contradições,// mas ela, ao mesmo tempo, também tem a força de ir além dessas contradições e de retificar-se a si mesma - isso é, de acordo com Hegel, a essência em geral do movimento do conceito, a essência propriamente dita da filosofia. Vocês deveriam reter ambas as coisas, se pretendem entender a dialética corretamente: por um lado, a inevitabilidade dás contradições; por outro, o impulso recebido dessas contradições para ir além delas próprias, que conduz então à sua superação [Aufoebung] numa forma mais elevada da verdade e também - tal como é pensado em Hegel, ou seja, de maneira correlativa - numa forma mais elevada de realidade. Pois a verdade e a realidade são pensadas, em Hegel, não como pura e simplesmente diversas, mas como dois momentos dinâmicos inter-relacionados, que dependem um do outro e que se constituem apenas de modo recíproco.

Introdução à dialética by  (Page 125)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a filosofia hegeliana não reconhece o princípio de não contradição, na medida em que sustenta a posição de que o próprio pensamento não tem garantida sua verdade apenas por transcorrer em ausência de contradição, mas, em vez disso, tem sua verdade garantida apenas enquanto se vê obrigado, por sua postura consequente, à contínua contradição, alcançando assim sua unicidade lógica, ou seja, sua ausência de contradição [ Widersprucblos{gkeit], apenas e tão somente com.o totalidade levada a cabo, e não nos passos específicos que é levado a executar.

Introdução à dialética by  (Page 121)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Colocando de maneira bem direta, e para tentar mais uma vez fazer esse difícil conceito adquirir um pouco mais de sentido, "o todo" em Hegel significa que a verdade não consiste em definir, de maneira isolada, um conceito qualquer e, a partir daí, nesse isolamento, passar a tratá-lo como se fosse um mero setor, mas consiste antes em considerar tal conceito na relação com a totalidade na qual se insere. Aqueles dentre vocês que se ocupam com as ciências da sociedade podem ter uma imagem disso de maneira bem nítida, quando, por exemplo, precisam investigar setores sociais específicos - digamos, na sociologia do trabalho-, relações específicas, como as que se estabelecem no interior de determinada fábrica ou em determinado ramo industrial. Então, vocês irão se deparar aqui e ali com todas as determina ções possíveis, cuja causa, no entanto, não estará efetivamente naquele lugar particular, naquele trabalho específico, no ramo industrial particular que vocês estiverem estudando, mas antes estará articulada a questões bem mais amplas, digamos, à situação da mineração ou às condições de trabalho dos mineradores hoje em dia, ou ainda ao processo de produção como um todo e até, em última instância, à estrutura social mais ampla, na qual se insere atualmente a indústria de extração e beneficiamento de matéria-prima. Apenas quando vocês conseguirem perfazer essa reflexão em direção ao todo, poderão compreender o particular de maneira propriamente correta. Portanto, essa necessidade de ver fenômenos particulares de maneira bem precisa em sua particularização, porém sem// permanecer estagnado nessa particularização, e sim extrapolando-a, entendendo-a dentro da totalidade a partir da qual aqueles fenômenos recebem sua determinação - esta necessidade é, em primeiro lugar, a mais essencial de todas as diretrizes contidas na sentença de Hegel de que o todo é o verdadeiro. E creio que, dentre os motivos mais convincentes para se desenvolver um conceito dialético de conhecimento, contraposto à ciência meramente positivista, este é o primeiro a se destacar.

Introdução à dialética by  (Page 112 - 113)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

suponham por um instante que vocês estejam diante de uma palavra como "divino", "absoluto", ou "eterno", palavras a partir das quais vocês podem pensar praticamente tudo e que, apenas na medida em que podem pensar tudo a partir delas, corresponderiam à pretensão de absolutez [Absolutheit] que elas próprias indicam. Ao procurar, então, elucidar tal palavra por meio de uma proposição - dizendo talvez "o absoluto é o imutável, o que permanece igual a si mesmo", ou "o absoluto é identidade entre pensar e ser"-, neste mesmo momento já terão justamente colocado um limite àquele significar-tudo [Allbedeutendes], que adere ao pathos de uma palavra desse tipo, isto é, sua pretensão a uma validade pura e simples, e, por isso mesmo, já terão alterado o próprio conceito. Vocês poderiam expressar isso também da seguinte maneira: somente é possível determinar um conceito como o de absoluto, eterno ou divino, na medida em que o delimitamos ou alteramos, e essa alteração é o ponto decisivo para o pensamento dialético. Tal alteração não seria algo externo, algo que nós estaríamos fazendo a tal palavra, a tal conceito, por meio de nossas reflexões. Pelo contrário, é a palavra ou o conceito que nos compele a isso, caso pretendamos compreendê-lo enquanto tal, caso queiramos conferir-lhe um conteúdo determinado, por meio do qual primeiramente se converterá em um conceito, a delimitá-lo como fica indicado nessa ponderação de Hegel. Aqui, vocês têm uma explicação do princípio da dialética e, ao mesmo tempo, um caso paradigmático, um exemplo para uma dialética posta em execução em um conceito bastante determinado. "O que é mais" -diz ele- "do que tal palavra, também somente a passagem a uma proposição, contém um devir-outro que tem de ser retomado: é uma mediação." A expressão "mediação" significa em Hegel sempre a própria alteração que tem de ser exigida de um conceito// no instante em que se deseja apreender esse mesmo conceito. Pode-se também dizer, portanto, que a mediação é o momento do devir que está posto em todo e qualquer ser. E se a dialética é a filosofia que se preocupa universalmente com a mediação, então isso significa também o seguinte: não há nenhum ser que, na medida em que vocês tentem determiná-lo como tal, não se torne realmente, ao mesmo tempo, um devir.

Introdução à dialética by  (Page 100 - 101)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

a tarefa do pensamento dialético não pode ser a de fazer malabarismos com os conceitos, de maneira a substituir, por debaixo do pano, aquelas determinações que um conceito possui por outras tais que porventura convenham a esse mesmo conceito. Tal caminho seria, de fato, o caminho do pensamento sofístico e não aquele do conceito dialético. Ao contrário, aquilo que é propriamente exigido da dialética segundo seu ideal - um ideal a propósito do qual, aliás, sou o último a afirmar que seja sempre alcançado em cada operação dialética - consiste muito antes em empregar os próprios conceitos de uma tal maneira, perseguir de tal modo sua coisa [Sache], sobretudo confrontar o conceito tão longamente com aquilo que se pretende dizer por meio dele, até se mostrar que entre tal conceito e a coisa, referida por meio dele, produzem-se certas dificuldades; e que tais dificuldades forçam, por seu turno, a alterar de certa maneira, no decurso do pensamento, o próprio conceito, sem que, nesse processo, sejam renunciadas as determinações que o conceito tinha originalmente. O que ocorre é, na verdade, que essa alteração se consuma justamente por meio da crítica ao conceito originário - isto é, mostrando-se que o conceito originário não está de acordo com sua própria coisa, não importa quão bem definida ela possa parecer. E essa alteração, com efeito, faz justiça ao próprio conceito originário, na medida em que o impele precisamente à concordância com a coisa. O abandono de uma definição qualquer pelo pensamento dialético não é um ato arbitrário, que seria realizado por meio de joguetes com definições variegadas, mas antes deve - em todo caso, ao menos segundo sua ideia- expressar justamente aquele momento da não identidade, da não coincidência entre conceito e coisa. E, por meio disso, o conceito, em sua constante confrontação com a coisa -portanto, em sua crítica imanente, como se pode também denominar-, tem-lhe imputada sua própria insuficiência. Desse modo, a modificação que o conceito experimenta nesse processo é, ao mesmo tempo - em todo caso, ao menos no sentido dado a isso pela filosofia hegeliana-, também uma modificação da coisa mesma.

Introdução à dialética by  (Page 80 - 81)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

A dialética é, na verdade, um método que se refere ao modo do pensar, mas que, ao mesmo tempo, diferencia-se de outros métodos por meio disto: ela procura insistentemente não permanecer estagnada, busca recorrentemente se corrigir a partir dos próprios dados [ Gegebenheit] das coisas mesmas. Tentativa de fornecer uma definição: dialética é um pensar que não se resigna à ordem conceitual, mas antes leva a termo a arte de corrigir tal ordem conceitual por meio do ser dos objetos. Justamente nisso reside a força vital do pensar dialético, o momento da oposicionalidade [Gegensiitz:]ichkeit]. // Dialética é o contrário daquilo que se representa normalmente sob esse nome: não é uma simples arte de operação [ com conceitos], mas sim a tentativa de ultrapassar a manipulação meramente conceitual, de deflagrar, em cada um de seus níveis, a tensão entre o pensamento e aquilo que jaz sob ele. Dialética é o método do pensar, que não permanece simples método, mas que se toma a tentativa de ultrapassar a mera arbitrariedade do método e fazer inserir-se no conceito aquilo que não é conceito propriamente dito.

Ad "exagero": afirma-se que a verdade sempre tem de ser o mais simples e primitivo. Aquilo que se afasta dessa expectativa seria apenas um suplemento arbitrário. Essa representação pressupõe que o mundo seja tal como ele se oferece em sua fachada. A filosofia deve atuar meticulosamente contra tal representação, desconcertando-a. Um pensar que não toma para si a incumbência de ultrapassar representações arraigadas não é outra coisa senão a mera reprodução daquilo que já se diz ou que já se pensa. A filosofia deve nos ensinar a não nos deixarmos fazer de tolos. Em conversa com Goethe, Hegel disse: "filosofia é o espírito organizado da contradição''. Todo pensamento que atravessa a fachada, a aparência necessária numa palavra, a ideologia - é sempre exagerado. A tendência da dialética de ir aos extremos tem hoje exatamente a função de resistir à desmedida pressão externa.

A dialética é consciente de que há, de um lado, o pensamento, e de outro, aquilo sobre o qual o pensamento se empenha. O pensar dialético não é meramente intelectualista, mas consiste justamente na tentativa de autolimitação do pensar por meio da coisa. Como o pensar chega a fazer valer a coisa, no interior da própria determinação-de-pensamento? Na Fenomenologia, Hegel sustenta: a imediates retoma em cada nível do movimento que o pensar atravessa. Sempre o pensamento se vê confrontado com o que lhe é oposto [ Gegensatz] , aquilo que se pode denominar como natureza. Uma introdução à dialética tem de ser empreendida em contínua confrontação com o problema do positivismo. // Ela não pode proceder como se os critérios do positivismo não existissem, mas precisa antes tentar medi-los por si mesmos e, por meio disso, ultrapassar o próprio conceito do positivismo. Positivismo é um elemento da dialética e não uma visão de mundo [ Míltanschauung] .

Introdução à dialética by  (Page 70 - 72)

Theodor W. Adorno: Introdução à dialética (Paperback, Português language, 2012, Unesp) No rating

Dialética é uma orientação na filosofia cujas motivações se entrelaçam com a própria origem do …

Em Platão, a dialética significa que o pensamento filosófico não consegue se manter vivo, por assim dizer, ficando parado num mesmo lugar; antes, ele apenas logra dar continuidade à sua própria existência, na medida em que segue conformando [formt] nossa consciência, sem que por vezes sequer atinemos com isso. A dialética platônica é a doutrina da correta ordenação dos conceitos, a doutrina da elevação desde o concreto ao que há de superior e mais universal. As ideias não são, a princípio, outra coisa senão os próprios conceitos universais superiores, aos quais o pensar se eleva. Por outro lado, dialética significa que os conceitos também são subdivididos4 de maneira correta de cima para baixo.// Ao perguntar pela correta subdivisão dos conceitos, Platão se viu diante do problema de desmembrá-los de tal maneira que se adequassem às coisas a serem apreendidas por meio deles. Por um lado, há que se exigir a formação lógica dos conceitos, mas ela não deve ser empreendida de maneira violenta, segundo um esquema; os conceitos têm, antes, de ser formados de tal maneira que se tornem apropriados à coisa. Compare-se isso, por exemplo, com o sistema da botânica 5 de Lineu e com o sistema natural [de classificação] segundo a estrutura das plantas. O conceito antigo e tradicional de dialética não era, portanto, outra coisa senão o método para ordenar os conceitos.

Por outro lado, já Platão se tornara bastante consciente de que nós não sabemos, sem mais, se o ordenamento conceitual, que impingimos às coisas, é também o ordenamento que os objetos têm enquanto tais. Platão e Aristóteles julgavam importante modelar [nachzubilden] os conceitos conforme a natureza de tal maneira que propiciassem expressão às coisas apreendidas por meio deles. De onde sabemos algo acerca do ser não conceitual, daquilo que apenas pode ser encontrado além dos conceitos? Notamos que os conceitos singulares se enredam em dificuldades quanto a isso. Por causa dessas insuficiências, temos então de passar a uma melhor formação de conceitos. Essa é a experiência fundamental da dialética, o ir adiante dos conceitos por meio da confrontação com aquilo que se exprime a partir deles. É preciso empreender a comparação, ver se os dados concordam ou não com os conceitos.

Introdução à dialética by  (Page 67 - 70)

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Hegel mostrou que, embora a razão esclarecida tenha criticado a fé religiosa, indicando a sua incapacidade de concordar com os preceitos do saber racional, a razão não poderia oferecer algo substancial para substituí-la. Ao invés disso, a razão reverteu ao próprio dogmatismo que criticou na religião; pois o Iluminismo endossou uma fé cega em uma forma de racionalidade instrumental interpretada estritamente. O resultado desta concepção de razão vazia e formal, dirigida para a dominação da natureza, mas vazia de conteúdo ético e social, foi alçar a utilidade ao maior valor da cultura iluminista. O utilitarismo é, portanto, a “verdade” do Iluminismo, o que significa que é também o que mostra a falsidade ou inadequação das suas alegações de racionalidade. Pior ainda, esta racionalidade vazia pode ser facilmente ligada à dominação e ao terror (Hegel analisa na Fenomenologia a relação entre “liberdade absoluta” e violência política no caso da Revolução Francesa e do terror jacobino, que ele considerou ser um estágio “necessário” do desenvolvimento da sociedade burguesa moderna). Porquanto a razão iluminista privilegia uma universalidade vazia em detrimento de uma particularidade concreta, acaba sancionando a violência contra a particularidade em nome de um falso universal.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 130 - 131)

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Em sua obra anterior, mais conhecida, História e consciência de classe, Lukács adotou uma abordagem diferente. Ele radicalizou a noção hegeliana de alienação (que também está explicitamente presente nos primeiros escritos de Marx), transformando-a no conceito de reificação (o processo pelo qual relações humanas e formas de subjetividade se tornam cada vez mais “coisificadas” sob as condições do capitalismo de mercado). Lukács, então, empreendeu uma crítica marxista-humanista da aparente fusão feita por Hegel de dois conceitos-chave: objetificação e alienação. Como Lukács observa, Hegel identificou corretamente o labor ou trabalho como um dos elementos-chave na constituição da subjetividade moderna; recorde-se da famosa dialética do senhor e do escravo, na qual a experiência do labor, a objetivação dos nossos poderes através do trabalho produtivo, permitiu ao “escravo” vir a reconhecer sua liberdade como refletida na realidade social. Ao mesmo tempo, no entanto, Hegel articulou uma explicação sofisticada da maneira como a alienação (Entäusserung) resultou no fato de os produtos da nossa atividade assumirem uma vida própria como parte da objetividade social dentro da qual chegamos a reconhecer-nos a nós mesmos como membros de uma comunidade social. Para Hegel, todas as minhas ações, seja por meio da fala ou do trabalho, se tornam sujeitas às interpretações e normas que moldam a minha comunidade, e, portanto, já não são simplesmente expressão “privada” da minha subjetividade ou do meu desejo.

A crítica de Lukács, tirada de Marx, é que Hegel identifica “objetificação”, em geral, com o sentido específico da “alienação” característica da Modernidade. O resultado foi “ontologizar” a alienação como uma característica inevitável da atividade humana: a alienação é o resultado da objetificação ou humanização da natureza através do labor produtivo. Mais incisivamente, Lukács, assim como Marx, sublinhou as dimensões negativas da alienação que Hegel alegou poderem ser superadas através do pensamento ou do espírito absoluto. Para Hegel, a alienação em seu sentido negativo – expressa em várias formas “patológicas” de subjetividade e prática cultural – é uma característica estrutural da história; é somente no pensar que a divisão entre sujeito e objeto pode ser completamente superada. Para Marx, ao contrário, a alienação também significa um estranhamento da nossa essência humana como seres sociais e produtivos; e este conflito entre sujeito e objeto só pode ser superado através da transformação da ordem social e econômica como tal. Contra Hegel, Lukács argumentou que nem toda objetificação pode ser interpretada como alienação, seja no sentido de que descreve o estranhamento do sujeito do seu próprio potencial humano fundamental, ou no sentido de que a relação entre sujeito e objeto permanece fundamentalmente conflituosa. Embora a alienação exista em diferentes formações históricas e sociais, é a forma específica de objetificação encontrada no âmbito do capitalismo burguês que pode ser dita produzir alienação “patológica”.

Portanto, para Lukács, os críticos marxistas de Hegel estavam certos em identificarem o elemento mistificador no idealismo de Hegel, que distorce e oculta as relações sociais reais na sociedade; mas eles não conseguiram identificar a fonte desta mistificação, qual seja a confusão entre objetificação e alienação, e o fracasso em identificar a razão pela qual a sociedade burguesa sofre dessa alienação generalizada. “Objetificação”, em sentido amplo, é uma característica fundamental da racionalidade autoconsciente humana, uma vez que todas as formas de atividade humana envolvem a “objetificação” das capacidades humanas, dos desejos subjetivos e dos fins sociais. A alienação, por outro lado, assume uma forma particularmente debilitante sob as condições históricas específicas da sociedade burguesa, nomeadamente o predomínio da forma mercantil sob as condições do capitalismo moderno.

Tal como outros críticos marxistas, Lukács concluiu que a dialética idealista de Hegel precisava de um fundamento “materialista histórico” que demonstrasse suas deficiências prático-políticas (resolvendo oposições ao nível da teoria, e não da prática), mas também reconhecesse suas intuições conceituais (mostrando a inadequação das concepções de liberdade prevalecentes, consagradas no seio das instituições sociais modernas). Lukács introduziu, assim, o conceito de reificação (Verdinglichung) para capturar o sentido hegeliano de alienação sem considerá-lo – como o faria o hegelianismo existencial francês – um aspecto fundamental do ser humano que transcende a história e as diferentes formações sociais. Para Lukács não poderia haver nenhuma aproximação entre o existencialismo e o marxismo: o existencialismo permaneceria sempre uma mistificação “ideológica” da base material e histórica do fenômeno da alienação tão bem identificado pelos existencialistas.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 98 - 100)

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Rousseau identificou nossa autoalienação da liberdade natural como o preço a pagar pela vida na sociedade moderna; foi um pré-requisito para o progresso moral e a autonomia individual, mas também a fonte da inautenticidade moral e da insatisfação subjetiva. Hegel, por sua vez, explorou as diferentes configurações da alienação na Fenomenologia do espírito, desde a experiência de reconhecimento desigual no domínio e na servidão à consciência religiosa alienada (a “consciência infeliz”). Esta última é uma forma alienada de subjetividade que não se limita apenas à Modernidade (Hegel aponta, p. ex., para as experiências judaicas e cristãs de alienação religiosa). Conforme Hegel alega, no entanto, a alienação só pode ser superada através da compreensão racional da nossa condição histórica e através da realização social do reconhecimento mútuo.

O uso feito por Marx do conceito de alienação, em contrapartida, destacou o modo como os indivíduos são impedidos de desenvolverem suas capacidades através da livre atuação pela maneira como as relações econômicas e sociais são estruturadas sob o capitalismo burguês. De acordo com os manuscritos de 1844, de Marx, a instituição da propriedade privada e a organização do trabalho assalariado resultam em quatro dimensões relacionadas da alienação:

1) A alienação do produto do trabalho, que o indivíduo confronta como objetos estranhos e não como expressões da sua própria atividade social.

2) A alienação do processo de produção ou do trabalho como atividade significativa, que é experimentada como uma diminuição e dissipação de nossas capacidades, ao invés do seu aprimoramento e realização.

3) A alienação da própria humanidade, do nosso ser “espécie” de seres sociais racionais envolvidos em formas compartilhadas de atividade significativa.

4) A alienação do outro, dos nossos companheiros seres humanos individuais, que são experimentados como meros instrumentos ou ameaças hostis a nosso autointeresse individual (MARX, 1977, p. 74ss.).

Em suma, os produtos do trabalho humano coletivo nos confrontam como uma objetividade alheia, que nos domina ao invés de nos libertar; eles representam uma fonte de estranhamento dos outros, ao invés da livre-expressão do nosso ser individual e social. Além disso, o valor de troca das commodities mascara as relações sociais reais que lhes deram origem, transformando os produtos do trabalho humano em objetos de fetiche dotados de qualidades subjetivas “mágicas” (p. ex., um carro que satisfaz meu desejo de liberdade ou de poder).

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 87 - 89)