A dialética é, na verdade, um método que se refere ao modo do pensar, mas que, ao mesmo tempo, diferencia-se de outros métodos por meio disto: ela procura insistentemente não permanecer estagnada, busca recorrentemente se corrigir a partir dos próprios dados [ Gegebenheit] das coisas mesmas. Tentativa de fornecer uma definição: dialética é um pensar que não se resigna à ordem conceitual, mas antes leva a termo a arte de corrigir tal ordem conceitual por meio do ser dos objetos. Justamente nisso reside a força vital do pensar dialético, o momento da oposicionalidade [Gegensiitz:]ichkeit]. // Dialética é o contrário daquilo que se representa normalmente sob esse nome: não é uma simples arte de operação [ com conceitos], mas sim a tentativa de ultrapassar a manipulação meramente conceitual, de deflagrar, em cada um de seus níveis, a tensão entre o pensamento e aquilo que jaz sob ele. Dialética é o método do pensar, que não permanece simples método, mas que se toma a tentativa de ultrapassar a mera arbitrariedade do método e fazer inserir-se no conceito aquilo que não é conceito propriamente dito.
Ad "exagero": afirma-se que a verdade sempre tem de ser o mais simples e primitivo. Aquilo que se afasta dessa expectativa seria apenas um suplemento arbitrário. Essa representação pressupõe que o mundo seja tal como ele se oferece em sua fachada. A filosofia deve atuar meticulosamente contra tal representação, desconcertando-a. Um pensar que não toma para si a incumbência de ultrapassar representações arraigadas não é outra coisa senão a mera reprodução daquilo que já se diz ou que já se pensa. A filosofia deve nos ensinar a não nos deixarmos fazer de tolos. Em conversa com Goethe, Hegel disse: "filosofia é o espírito organizado da contradição''. Todo pensamento que atravessa a fachada, a aparência necessária numa palavra, a ideologia - é sempre exagerado. A tendência da dialética de ir aos extremos tem hoje exatamente a função de resistir à desmedida pressão externa.
A dialética é consciente de que há, de um lado, o pensamento, e de outro, aquilo sobre o qual o pensamento se empenha. O pensar dialético não é meramente intelectualista, mas consiste justamente na tentativa de autolimitação do pensar por meio da coisa. Como o pensar chega a fazer valer a coisa, no interior da própria determinação-de-pensamento? Na Fenomenologia, Hegel sustenta: a imediates retoma em cada nível do movimento que o pensar atravessa. Sempre o pensamento se vê confrontado com o que lhe é oposto [ Gegensatz] , aquilo que se pode denominar como natureza. Uma introdução à dialética tem de ser empreendida em contínua confrontação com o problema do positivismo. // Ela não pode proceder como se os critérios do positivismo não existissem, mas precisa antes tentar medi-los por si mesmos e, por meio disso, ultrapassar o próprio conceito do positivismo. Positivismo é um elemento da dialética e não uma visão de mundo [ Míltanschauung] .
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 70 - 72)