Mas, afinal, em que consiste essa espantosa negação da negação, que amargura a vida do Sr. Dühring, até o ponto de ver nela um crime imperdoável, algo como se fosse um pecado contra o Espírito Santo a que os cristãos não admitem salvação possível? Consiste, como veremos, num processo muito simples, que se realiza todos os dias e em todos os lugares, e que qualquer criança pode compreender, desde que o libertemos da envoltura enigmática com que o cobriu a velha filosofia idealista e com que querem continuar cobrindo-o, porque assim lhes convém, os fracassados metafísicos da têmpera do Sr. Dühring. Tomemos, por exemplo, um grão de cevada. Todos os dias, milhões de grãos de cevada são moídos, cozidos, e consumidos, na fabricação de cerveja. Mas, em circunstâncias normais e favoráveis, esse grão, plantado em terra fértil, sob a influencia do calor e da umidade, experimenta uma transformação específica: germina. Ao germinar, o grão, como grão, se extingue, é negado, destruído, e, em seu lugar, brota a planta, que, nascendo dele, é a sua negação. E qual é a marcha normal da vida dessa planta? A planta cresce, floresce, é fecundada e produz, finalmente, novos grãos de cevada, devendo, em seguida ao amadurecimento desses grãos, morrer, ser negada, e, por sua vez, ser destruída. E, como fruto desta negação da negação, temos outra vez o grão de cevada inicial, mas já não sozinho, porém ao lado de dez, vinte, trinta grãos. Como as espécies vegetais se modificam, com extraordinária lentidão, a cevada de hoje é quase igual à de cem anos atrás. Mas tomemos, em vez desse caso, uma planta de ornamentação ou enfeite, por exemplo, uma dália ou uma orquídea. Se tratarmos a semente e a planta que dela brota, com os cuidados da arte da jardinagem, obteremos como resultado deste processo de negação da negação, não apenas novas sementes, mas sementes qualitativamente melhoradas, capazes de nos fornecer flores mais belas; cada repetição deste processo, cada nova negação da negação, representará um grau a mais nesta escala de aperfeiçoamento. E um processo semelhante se dá com a maioria dos insetos, como, por exemplo, com as mariposas. Nascem, estas, também, do ovo, por meio da negação do próprio ovo, destruindo-o, atravessando depois uma série de metamorfoses até chegar à maturidade sexual, se fecundam e morrem por um novo ato de negação, tão logo se consume o processo de procriação, que consiste em pôr a fêmea os seus numerosos ovos. Por enquanto nada mais nos interessa, nem que não apresente o processo a mesma simplicidade noutras plantas e animais, que não produzem uma, mas várias vezes, sementes, ovos ou crias. antes que lhes sobrevenha a morte; a única coisa que nos interessa é demonstrar que a negação da negação é um fenômeno que se dá realmente nos dois reinos do mundo orgânico, o vegetal e o animal. E não somente nestes reinos. Toda a geologia não é mais que uma série de negações negadas, uma série de desmoronamentos de formações rochosas antigas, sobrepostas umas às outras, e de justaposição de novas formações. A sucessão começa porque a crosta terrestre primitiva, formada pelo resfriamento da massa fluida, vai-se fracionando pela ação das forças oceânicas, meteorológicas e químico-atmosféricas, formando-se, assim, massas estratificadas no fundo do mar. Ao emergir, em certos pontos, as matérias do fundo do mar à superfície das águas, Parte destas estratificações se vêm submetidas novamente à ação da chuva, às mudanças térmicas das estações, à ação do hidrogênio e dos ácidos carbônicos da atmosfera; e a essas mesmas influências se acham expostas as massas pétreas fundidas e logo depois esfriadas que, brotando do seio da terra, perfuram a crosta terrestre, Durante milhares de séculos vão se formando, dessa forma, novas e novas camadas que, por sua vez, são novamente destruídas em sua maior Parte e, algumas vezes, são utilizadas como matéria para a formação de outras novas camadas. Mas o resultado é sempre positivo em qualquer hipótese: a formação de um solo onde se misturam os mais diversos elementos químicos num estado de pulverização mecânica, que permite o desenvolvimento da mais extensa e variada vegetação.
Com as matemáticas ocorre exatamente o mesmo fato. Tomemos uma qualquer grandeza algébrica, por exemplo a. Se a negarmos, teremos -a (menos a). Se negarmos esta negação, multiplicando -a por -a, teremos +a2, isto é, a grandeza positiva da qual partimos, mas num grau superior elevada à segunda potência. Mas aqui não nos interessa que a este resultado (a2) se possa chegar multiplicando a grandeza positiva a por si mesma, pois a negação negada é algo que se acha tão arraigado na grandeza a2, que esta encerra, sempre e de qualquer modo, duas raízes quadradas, a saber: a do a e a do -a. E esta impossibilidade de nos desprendermos da negação negada, da raiz negativa contida no quadrado, toma, nas equações dos quadrados, um caráter de evidência marcante. Entretanto é maior ainda a evidência com que se nos apresenta a negação da negação na análise superior, nessas"somas de grandezas ilimitadamente pequenas" que o próprio Sr. Dühring considera como as supremas operações das matemáticas e que são as que vulgarmente chamamos de cálculo diferencial e integral. Como se desenvolvem essas operações de cálculo Suponhamos, como exemplo, que, num problema qualquer que nos foi dado para resolver, há duas grandezas variáveis x e y, nenhuma das quais pode variar sem que varie também a outra, na proporção que as circunstâncias determinem. Começamos, então, por diferenciar as duas grandezas, x e y isto é, por supor que são tão infinitamente pequenas que desaparecem, comparadas com qualquer outra grandeza real, por pequena que seja, não restando, portanto, de x e y nada mais que sua razão ou proporção, despojada, por assim dizer, de toda a base material, reduzida a uma relação quantitativa da qual se eliminou a quantidadedy/dx, isto é, a razão ou proporção das duas diferenciais de x e y, se reduz, portanto, a 0/0, mas esta fórmula - nada mais é que a expressão da fórmula y/x. Observamos, de passagem, que esta razão ou proporção entre duas grandezas eliminadas, bem como o momento exato em que se eliminam, é uma contradição; mas esta contradição não nos deve desorientar, como não desorientou os matemáticos de dois séculos atrás. Pois bem, que fizemos neste problema, além de negar as grandezas x e y, mas negá-las não nos descartando delas, que é o modo pelo qual a nega a metafísica, mas sim negando-as de um modo que se ajusta à realidade da situação? Substituímos as grandezas x e y pela sua negação, chegando, assim, em nossas fórmulas ou equações a dx e dy. Isso feito, seguimos nossos cálculos operando com dx e dy como grandezas reais, embora sujeitas a certas leis de exceção e ao chegar a um determinado momento, negamos a negação, isto é, integramos a fórmula diferencial, obtendo novamente, em vez de dx e dy, as grandezas reais x e y. E, ao fazê-lo, não tornaremos a nos encontrar no ponto do qual partimos, mas teremos resolvido o problema contra o qual se debateram, em vão, por outros caminhos, a geometria e a álgebra elementares.
O mesmo acontece com a História. Todos os povos civilizados têm em sua origem a propriedade coletiva do solo. E. em todos esses povos, ao penetrar numa determinada fase primitiva, o desenvolvimento da agricultura, a propriedade coletiva converte-se num entrave para a produção. Ao chegar a este momento, a propriedade coletiva se destrói, se nega, convertendo-se, após etapas intermediárias mais ou menos longas, em propriedade privada. Mas, ao chegar a uma fase mais elevada de progresso no desenvolvimento da agricultura, fase essa que se alcança justamente devido à propriedade privada do solo, esta, por sua vez, se converte num obstáculo para a produção, conforme hoje se observa no que se refere à grande e à pequena propriedade. Nestas circunstâncias, surge, por força da necessidade, a aspiração de negar também a propriedade privada e de convertê-la novamente em propriedade coletiva. Mas esta aspiração não tende exatamente a restaurar a primitiva propriedade comunal do solo, mas a implantar uma forma multo mais elevada e mais complexa de propriedade coletiva que, longe de criar uma barreira ao desenvolvimento da produção, deverá acentuá-lo, permitindo-lhe explorar integralmente as descobertas químicas e as invenções mecânicas mais modernas.
Tomemos outro exemplo. A filosofia antiga era uma filosofia materialista, porém primitiva e rudimentar. Esse materialismo não seria capaz de explicar claramente as relações entre o pensamento e a matéria. A necessidade de se chegar a conclusões claras a respeito desse problema, levou à criação da teoria de uma alma separada do corpo e logo depois se passou à afirmação da imortalidade da alma e, por fim, ao monoteísmo. Desse modo, o materialismo primitivo se via negado pelo idealismo. Mas, com o desenvolvimento da filosofia, também o idealismo se tornou insustentável e, por sua vez, teve de ser negado pelo materialismo moderno. Este não é, entretanto, como negação da negação, a mera restauração do materialismo primitivo, mas, pelo contrário, corresponde à incorporação, às bases permanentes deste sistema, de todo o conjunto de pensamentos, que nos provêm de dois milênios de progressos no campo da filosofia e das ciências naturais e da história mesma destes dois milênios. Não se trata já de uma filosofia, mas de uma simples concepção do mundo, de um modo de ver as coisas, que não é levado à conta de uma ciência da ciência, de uma ciência à Parte, mas que tem, pelo contrário, a sua sede e o seu campo de ação em todas elas. Vemos, pois, como a filosofia é, desse modo,"cancelada", isto é,"superada ao mesmo tempo que mantida"; superada, com relação à sua forma; conservada, quanto ao seu conteúdo. Pois ali onde o Sr. Dühring não vê mais que"um jogo de palavras", se esconde, para quem sabe ver as coisas, um conteúdo e uma realidade.
Finalmente, até a teoria rousseauniana da igualdade, que tem apenas um eco apagado e falseado nas futilidades do Sr. Dühring, foi incapaz de se constituir sem os serviços de Parteira da negação da negação hegeliana: e isto, mais de 20 anos antes do nascimento de Hegel. Longe de se envergonhar de tal coisa, essa teoria exibe, quase ostensivamente. em sua primeira versão, a marca de suas origens dialéticas. No estado de natureza e de selvageria, os homens eram iguais; e como Rousseau considera já a linguagem uma deturpação do estado de natureza, tem razão quando aplica o critério da igualdade, assim como, ao mesmo tempo, pretendeu classificar hipoteticamente, como homens-bestas, sob a designação de "alalos" (seres privados de fala). Mas estes homens-bestas, iguais entre si, levavam sobre os outros animais a vantagem de serem animais perfectíveis, de terem capacidade de desenvolvimento; eis onde está, segundo Rousseau, a fonte da desigualdade. Rousseau vê, assim, no nascimento da desigualdade um progresso, mas este progresso é contraditório, pois implica, ao mesmo tempo, num retrocesso."Todos os demais progressos (a partir do estado primitivo da natureza) foram, aparentemente, outros tantos dados para o aperfeiçoamento do indivíduo humano", mas, na realidade, o que o progredia era a decadência da espécie. A elaboração dos metais e o fomento da agricultura foram as duas artes, cuja descoberta provocou esta grande revolução". (Rousseau se refere à transformação das florestas virgens em terras e campos de trabalho, à generalização da miséria e da escravidão, como efeito da implantação da propriedade)."Para o poeta, o ouro e a prata, assim coma para o filósofo o ferro e o trigo, civilizaram o homem e arruinaram o gênero humano". Cada novo avanço da civilização é, por sua vez, um novo avanço da desigualdade. Todas as instituições que nascem nas sociedades, no decorrer do processo de civilização, se convertem no inverso de sua primitiva finalidade."É indiscutível, sendo uma lei fundamental de todo o direito político, que os povos começaram por aceitar príncipes que protegessem a sua liberdade e não que a destruíssem. Entretanto. esses príncipes se converteram, por força da necessidade, em opressores dos povos que deveriam proteger, e levaram essa opressão até um ponto em que a desigualdade, elevada ao máximo, tem que se converter novamente no contrário do que é, isto é, em fonte de igualdade: frente ao déspota, todos os homens são iguais, pois todos se reduzem a zero."Ao chegar a essa fase, o grau máximo de desigualdade é o ponto final que, fechando o ciclo, toca já o ponto inicial do qual partimos: ao chegar a este ponto, todos os homens são iguais, pelo fato de serem nada e, como súditos, têm todos, como única lei, a vontade de seu Senhor". Mas o déspota é Senhor somente quando tem em suas mãos a força e, por isso,"no caso de ser derrotado, não pode se queixar de ter sido derrotado pelo uso da força...""A mesma força que o susteve, o derruba, e tudo se passa, de acordo com uma causa adequada e de acordo com a ordem natural". Significa isso que a desigualdade se transforma novamente em igualdade, mas esta já não é a igualdade rudimentar e primitiva do homem"alado", em estado natural, mas é a liberdade superior do contrato social. Os opressores se convertem em oprimidos. É a negação da negação.
Finalmente, até a teoria rousseauniana da igualdade, que tem apenas um eco apagado e falseado nas futilidades do Sr. Dühring, foi incapaz de se constituir sem os serviços de Parteira da negação da negação hegeliana: e isto, mais de 20 anos antes do nascimento de Hegel. Longe de se envergonhar de tal coisa, essa teoria exibe, quase ostensivamente. em sua primeira versão, a marca de suas origens dialéticas. No estado de natureza e de selvageria, os homens eram iguais; e como Rousseau considera já a linguagem uma deturpação do estado de natureza, tem razão quando aplica o critério da igualdade, assim como, ao mesmo tempo, pretendeu classificar hipoteticamente, como homens-bestas, sob a designação de "alalos" (seres privados de fala). Mas estes homens-bestas, iguais entre si, levavam sobre os outros animais a vantagem de serem animais perfectíveis, de terem capacidade de desenvolvimento; eis onde está, segundo Rousseau, a fonte da desigualdade. Rousseau vê, assim, no nascimento da desigualdade um progresso, mas este progresso é contraditório, pois implica, ao mesmo tempo, num retrocesso."Todos os demais progressos (a partir do estado primitivo da natureza) foram, aparentemente, outros tantos dados para o aperfeiçoamento do indivíduo humano", mas, na realidade, o que o progredia era a decadência da espécie. A elaboração dos metais e o fomento da agricultura foram as duas artes, cuja descoberta provocou esta grande revolução". (Rousseau se refere à transformação das florestas virgens em terras e campos de trabalho, à generalização da miséria e da escravidão, como efeito da implantação da propriedade)."Para o poeta, o ouro e a prata, assim coma para o filósofo o ferro e o trigo, civilizaram o homem e arruinaram o gênero humano". Cada novo avanço da civilização é, por sua vez, um novo avanço da desigualdade. Todas as instituições que nascem nas sociedades, no decorrer do processo de civilização, se convertem no inverso de sua primitiva finalidade."É indiscutível, sendo uma lei fundamental de todo o direito político, que os povos começaram por aceitar príncipes que protegessem a sua liberdade e não que a destruíssem. Entretanto. esses príncipes se converteram, por força da necessidade, em opressores dos povos que deveriam proteger, e levaram essa opressão até um ponto em que a desigualdade, elevada ao máximo, tem que se converter novamente no contrário do que é, isto é, em fonte de igualdade: frente ao déspota, todos os homens são iguais, pois todos se reduzem a zero."Ao chegar a essa fase, o grau máximo de desigualdade é o ponto final que, fechando o ciclo, toca já o ponto inicial do qual partimos: ao chegar a este ponto, todos os homens são iguais, pelo fato de serem nada e, como súditos, têm todos, como única lei, a vontade de seu Senhor". Mas o déspota é Senhor somente quando tem em suas mãos a força e, por isso,"no caso de ser derrotado, não pode se queixar de ter sido derrotado pelo uso da força...""A mesma força que o susteve, o derruba, e tudo se passa, de acordo com uma causa adequada e de acordo com a ordem natural". Significa isso que a desigualdade se transforma novamente em igualdade, mas esta já não é a igualdade rudimentar e primitiva do homem"alado", em estado natural, mas é a liberdade superior do contrato social. Os opressores se convertem em oprimidos. É a negação da negação.