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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Esta primeira categoria é a categoria do ser puro: “o imediato indeterminado”, ser imediato livre de qualquer determinação ou distinção. Ser puro é simplesmente outro termo para “o que é”; tudo quanto seja pensado em algum sentido é, ou seja, pressupõe a categoria do “ser puro”, ser desprovido de qualquer conteúdo definido. O verbo “ser” é um pressuposto indeterminado imediato do pensamento como tal. Mas esta pura indeterminação também é o que torna o “ser” indistinguível do “nada”. Ambos, o ser e o nada, são definidos pela pura indeterminação; no entanto, o ser e o nada são categorias ao mesmo tempo distintas em significado. Nós obviamente denotamos coisas diferentes por “ser” e “nada”, mas esta diferença não pode realmente ser articulada por meio dessas categorias mesmas: “Que aqueles que insistem que o ser e o nada são diferentes resolvam o problema de afirmar em que a diferença consiste” (SL: 92). O conflito entre estas categorias – como indistinguíveis embora de significados opostos – só pode ser resolvido movendo-se para uma categoria “superior”, mais complexa, que abrange o movimento entre o ser e o nada. Esta categoria é o devir, que incorpora o desaparecimento do ser no nada e do nada no ser, como momentos ou aspectos do seu movimento “suspensos” (cancelados, embora preservados).

O próprio devir, no entanto, é uma categoria instável, que sofre uma transformação no seu significado. A instabilidade entre os momentos de vir a ser e de deixar de ser deve ser estabilizada dentro de uma categoria mais complexa, que incorpore a diferença negativa entre o ser e o nada dentro de uma unidade “superior”. Isto é alcançado na categoria do ser determinado. Hegel chama este movimento das categorias do ser e do nada para as do devir e do ser determinado de um caso exemplar do movimento de Aufhebung (suprassunção ou sublação). Este é um dos conceitos de assinatura de Hegel, um conceito que define o pensamento especulativo hegeliano. A palavra alemã aufheben é de uso corrente, mas ela expressa significados opostos: cancelar, eliminar, mas também preservar ou levar a um nível mais elevado. Neste caso, os momentos do ser e do nada são ambos cancelados e preservados como aspectos do devir, e estes momentos “suspensos” de devir são por sua vez transformados nos momentos de uma coisa e outra dentro da unidade mais complexa do ser determinado.

Hegel continua o desenvolvimento dialético das categorias na transição da lógica do ser para a lógica da essência. Nós temos visto como há uma simples transição ou passagem do “ser” para o “Nada”: o ser passa ao nada, os quais são ambos suprassumidos pela categoria do devir, sendo esta última suprassumida pelo ser determinado, e assim por diante. Aqui as categorias do ser tentam, embora falhem, resolver o conflito entre imediatez e determinação (que é a razão pela qual o ser puro acaba transformado em ser determinado).

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 42 - 44)

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

A dialética de Hegel da consciência independente e dependente, como é chamada, é uma descrição de várias concepções inadequadas de liberdade. Ela emerge da experiência do desejo, do fato de que a nossa primeira experiência de autoconsciência, por assim dizer, se dá como seres vivos, desejantes imersos em um ambiente natural. Ao satisfazermos nossos desejos animais obtemos uma sensação fugaz de autoidentidade, por enquanto o nosso desejo (por comida, bebida, sexo) é satisfeito, desaparece, apenas para voltar e exigir ainda mais satisfação. Ao incorporar a mim um objeto desejado, eu ganho uma sensação temporária e instável da minha autoidentidade, que é interrompida assim que estou mais uma vez nas garras do desejo por outro objeto. Embora haja tradicionalmente um número de respostas morais e éticas para o problema de controlar o desejo (epicurismo, estoicismo, e assim por diante), Hegel vai argumentar que é apenas desejando reconhecimento de outro sujeito vivo, desejante que podemos ganhar satisfação genuína e uma sensação duradoura de autoidentidade.

No “estado de natureza” de Hegel, no entanto, a primeira experiência de protossujeitos desejantes (“protossujeitos” porque estamos lidando com pré-racionais, seres não-ainda-autônomos) é de conflito, até mesmo violência. Cada sujeito desejante tenta asseverar sua independência e autoidentidade negando o outro sujeito desejante; o resultado é uma “luta de vida ou morte” na qual cada protossujeito procura destruir o outro. Mas atingir esse alvo (destruir o outro sujeito) seria autodestrutivo, uma vitória sobre um cadáver, em vez de reconhecimento de um ser vivo. Assim, um dos protagonistas da luta deve capitular, renunciando a sua independência e se submetendo à vontade do outro; o outro consegue, assim, ter a sua independência reconhecida, ainda que sob coação. O protagonista vitorioso, que arriscou sua vida a fim de provar sua independência, se torna o senhor, enquanto a parte vencida, que permaneceu “amarrada” à mera vida, se torna o escravo, a consciência dependente que reconhece apenas a vontade do senhor.

Aqui é onde as famosas “reversões dialéticas” de Hegel entram em jogo. A vitória do senhor é oca, porque ele é de fato dependente do escravo, que trabalha para o senhor, a fim de que o senhor possa satisfazer os seus desejos. O senhor extorquiu reconhecimento da sua independência de um ser totalmente dependente, reduzido ao status desumanizado de uma “ferramenta viva” (Aristóteles). O escravo, por contraste, passará a ser “senhor do senhor”, por assim dizer, pois o escravo experimentou os seus próprios limites, sua finitude (ao encontrar a ameaça de morte), o poder que nega todos os seus atributos; ele está, portanto, negativamente consciente dos seus limites mortais e da sua capacidade de liberdade. O escravo, portanto, escolhe a vida, refreia o seu desejo, aprende a autodisciplina, desenvolve suas habilidades e competências ao trabalhar para o senhor, e, lentamente, vem a reconhecer o seu poder de transformar o mundo objetivo através do trabalho ou do labor coletivo. No longo prazo, sugere Hegel, o escravo vai chegar a uma concepção mais verdadeira de liberdade, reconhecendo a interconexão entre dependência e independência, e desenvolver um senso de autoidentidade através do trabalho e da contribuição para a comunidade social.

No entanto, tanto o senhor quanto o escravo permanecem trancados em uma relação infeliz de dominação: o senhor não pode ganhar reconhecimento de sua independência, pois o escravo permanece um ser dependente. O escravo, enquanto isso, permanece escravizado ao mestre e tem negado o reconhecimento adequado da sua humanidade e liberdade. Na verdade, a experiência de domínio e escravidão ensina à consciência que não só a vida, mas a liberdade lhe é essencial. A questão agora é como esta liberdade deve ser entendida e realizada, questão abordada na próxima configuração da autoconsciência, que Hegel chama de “consciência infeliz”. Esta é a experiência do sujeito alienado, e de suas várias tentativas de lidar com as consequências de uma concepção inadequada de liberdade.

Na sequência da dialética do senhor e do escravo, a primeira estratégia é encontrar a liberdade no pensamento puro, uma estratégia evidente no estoicismo: posso estar escravizado na realidade, mas a minha mente racional permanece livre e universal, mesmo embora o meu ego empírico (e talvez também o meu corpo) esteja alienado e dominado. Esta é uma apresentação bastante estilizada do estoicismo, que, de modo geral, defendia o desprendimento das formas excessivas de paixão através do exercício da razão e do autocontrole racional. No entanto, Hegel enfatiza a centralidade do pensamento racional livre em sua explicação, e até mesmo argumenta que o estoicismo afinal só pode oferecer truísmos e platitudes que por fim resultam em tédio! Por isso, a estratégia seguinte consiste em radicalizar essa liberdade de pensamento, voltando-a contra todas as pretensões de conhecimento. Este é o ceticismo como a liberdade de pensamento puro, que nega todas as pretensões de conhecimento em nome da liberdade radical do sujeito pensante racional. No entanto, este sujeito pensante permanece um ser encarnado, vivo, desejante, existindo em um mundo social com outros. Pode-se ser realmente cético apenas em teoria, pois agir no mundo exige que assumamos a verdade desses mesmos conceitos rejeitados em nome da dúvida cética.

Uma vez que o sujeito se torna consciente da sua separação em um eu pensante radicalmente livre e um eu empírico sem liberdade, torna-se uma “consciência infeliz”. Este é o sujeito alienado, religioso, que luta contra a sua própria autocontradição interna (como divino e profano), e se empenha em vão em unir estas dimensões universal e particular da individualidade. O aspecto universal é projetado para fora, em uma essência imutável eterna (Deus), enquanto o aspecto particular permanece vinculado ao corpo, aos sentidos e ao ego degradado do indivíduo. A consciência infeliz embarca, assim, em tentativas cada vez mais radicais de unir os aspectos imutáveis e particulares de sua subjetividade alienada, primeiro através da devoção religiosa, então no desempenho de boas obras, e, finalmente, através de uma absoluta abnegação de si. Mas a consciência infeliz só pode superar o agravamento da sua alienação uma vez que se dê conta de não poder unificar à força o aspecto universal da sua individualidade e a sua experiência corporal particular. Em vez disso, o universal e o particular são dimensões contrastantes da autoconsciência, que afinal estarão unidas no indivíduo racional encarnado. Minha subjetividade racional é sempre mediada pelas minhas relações com os outros, pelo fato de ser reconhecido dentro de um contexto intersubjetivo de interações racionais. Este é o momento em que a autoconsciência começa a se transformar em razão, na unidade racional de universal e particular, no sujeito consciente de si mesmo ao ser consciente de sua universalidade. O que está à frente da razão autoconsciente são as experiências conflitantes da razão teórica e prática, uma dicotomia que é superada apenas na mais complexa unidade-na-diferença do “espírito”: “o Nós que é Eu e o Eu que é Nós” (PhS, § 177), a unidade intersubjetiva que é a verdadeira natureza da liberdade realizada.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 35 - 39)

Senhorio e escravidão: a luta por reconhecimento

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

A Fenomenologia de Hegel descreve determinadas configurações de consciência, descrevendo como o conhecimento e a experiência conflitam nas várias tentativas do sujeito de conhecer o mundo. Ela mostra como a consciência resolve este conflito entre a sua suposta forma de conhecimento e sua experiência, isto é, o resultado da sua tentativa de conhecer o mundo de uma maneira ou de outra. A consciência, nos termos de Hegel, sofre, portanto, uma experiência dialética – o movimento de um conflito entre conhecimento e verdade para uma configuração mais complexa da consciência que apresenta uma nova relação entre sujeito e objeto – um processo que “nós”, os leitores filosóficos, podemos observar em seus desdobramentos. A Fenomenologia de Hegel tentará demonstrar como as várias atitudes cognitivas que surgiram no pensamento e na cultura ocidental estão interconectadas em uma sequência conceitualmente articulada – uma sequência que culmina na própria investigação fenomenológica de Hegel. A partir deste ponto de vista, a exposição fenomenológica de Hegel pode ser entendida como “o caminho da consciência natural que promove o verdadeiro conhecimento” (PhS, § 77), qual seja o conhecimento experiencial de si mesmo como espírito.

E quanto a “espírito”? O significado deste famoso termo hegeliano só se torna evidente no decorrer da exposição de Hegel, mas aqui devemos dizer algo à guisa de introdução. Espírito ou Geist é o termo de Hegel para a razão autoconsciente, para as relações de sentido social e culturalmente articuladas, ou formas compartilhadas de intersubjetividade social e cultural. Espírito refere-se a formas de “mentalidade” coletiva abrangendo não só a autoconsciência individual, mas também formas de conhecimento e sentido compartilhado em uma cultura, de representações sensuais na arte, representações simbólicas na religião, a compreensão conceitual na filosofia. Ao mesmo tempo, espírito também designa as instituições sociais e políticas como encarnações “objetivas” das normas racionais de conhecimento e prática compartilhadas que definem as comunidades humanas. Tomadas em conjunto, estas formas institucionalmente encarnadas de sentido compartilhado e conhecimento situado compreendem o espírito histórico e a autocompreensão de uma comunidade humana organizada racionalmente.

A exposição fenomenológica começa, no entanto, não com o espírito, mas com a “consciência”. Para Hegel, a “consciência natural” descreve uma espécie de realismo de senso comum que é o fundo pressuposto da investigação filosófica. O que a investigação fenomenológica explora é o desenvolvimento da consciência natural no conhecimento filosófico. “Consciência”, para Hegel, descreve uma estrutura cognitiva bipolar que relaciona um conhecedor a algo conhecido: uma alegação de conhecimento ao que é tomado como verdade. Na Fenomenologia do espírito, cada instância de conhecimento envolve uma relação entre um sujeito e um objeto (o que Hegel chama de os polos do “saber” e da “verdade”), na qual a consciência compara suas alegações de conhecimento com a sua experiência de saber se estas alegações permanecem coerentes. Se uma contradição surge entre a experiência da consciência e sua alegação de conhecimento, a consciência reconstrói a relação entre conhecimento e objeto, de modo a corresponder com a sua experiência. A consciência supera qualquer disparidade que emerja entre saber e verdade cancelando os aspectos inadequados da sua configuração original e incorporando os aspectos positivos em uma unidade mais complexa da consciência e do seu objeto. O que surge é, portanto, uma nova relação entre o conhecimento e o seu objeto, uma nova configuração do saber e da verdade. Isso é o que Hegel chamou de “experiência dialética” da consciência: o movimento desde um padrão inicial de consciência, sua inversão em uma posição oposta, e a reconfiguração de ambos dentro de uma unidade mais complexa.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 33 - 35)

Da consciência ao espírito: A Fenomenologia do espírito, de Hegel

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

A guinada “copernicana” revolucionária de Kant na metafísica reverteu a suposição tradicional de que temos acesso cognitivo direto às coisas no mundo. Em vez de presumir que o conhecimento se conforme a objetos como “coisas em si”, Kant propôs que o nosso conhecimento de objetos, considerados aparências, se conforma às necessárias condições de cognição a priori (independente da experiência) para nós como sujeitos finitos. Em outras palavras, não temos acesso imediato às coisas no mundo; os objetos nunca nos são apenas “dados” imediatamente na experiência. Em vez disso, temos conhecimento de objetos da experiência, o que Kant chamou de “aparências”, o que significa qualquer coisa acerca da qual possamos fazer um julgamento cognitivo.

Tais objetos da experiência, argumentou Kant, são estruturados de acordo com três condições “subjetivas” da cognição:

• que toda experiência pressupõe as formas puras da intuição (espaço e tempo);

• que as categorias do entendimento (p. ex., substância e causalidade) estruturam nossa cognição dos objetos;

• que devemos organizar a aplicação desses conceitos, na experiência, sob os princípios da razão pura.

O problema que Kant confrontou, no entanto, foi o de explicar como poderíamos ter conhecimento objetivo do mundo com base em conceitos que não adquirimos da experiência. Se as categorias do entendimento tornam possível o nosso conhecimento objetivo, como sabemos que estas categorias têm “validade objetiva”, isto é, aplicam-se verdadeiramente ao mundo? Responder a esta pergunta se tornou a tarefa da notoriamente difícil “dedução transcendental” kantiana (a justificação das condições do nosso conhecimento): demonstrar que as categorias do entendimento são condições subjetivas de possibilidade do conhecimento objetivo, que o seu fundamento ou condição transcendental deveria ser encontrado no que Kant chamou de “unidade transcendental da apercepção”. Kant referia-se assim ao princípio puro (formal) da autoconsciência que torna possível a experiência empírica ordinária: um princípio “lógico” necessário para a unificação dos juízos cognitivos como todos pertencentes ao único e mesmo sujeito.

Não precisamos nos aprofundar aqui nas complexidades da filosofia crítica de Kant. É suficiente apontar que o idealismo transcendental de Kant tornou a autoconsciência pura o princípio fundamental de nossa experiência e conhecimento do mundo. A esperança de Kant ao desenvolver a filosofia crítica foi a de demonstrar como a razão humana evidencia uma complexa unidade na diversidade. A crítica da razão pura (não empírica) almejou demonstrar como poderíamos ter conhecimento objetivo do mundo, mesmo embora a nossa experiência seja condicionada pelas condições subjetivas da cognição. A crítica da razão prática almejou demonstrar que, graças ao “fato” da liberdade moral, poderíamos exercer juízos morais como seres racionais, mesmo embora também sejamos limitados, como seres fenomênicos, por leis e condições naturais. E, finalmente, a crítica do juízo (estético e teleológico) almejou demonstrar que a razão teórica e a razão prática poderiam ser unidas através da experiência estética da beleza na natureza e na arte. A experiência estética da beleza tornou-se assim um símbolo da esperança de uma ordem moral harmoniosa e uma realização humana da liberdade.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 20 - 22)

quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)

Robert Sinnerbrink: Hegelianismo (Portuguese language, 2016, Editora Vozes) No rating

Este livro pretende introduzir um dos mais ricos movimentos da filosofia moderna. O hegelianismo apresenta …

Simplificando, o credo do Iluminismo era que o caminho para a emancipação humana universal poderia ser encontrado no livre-exercício da razão. A razão poderia superar os debilitantes efeitos da ignorância, do medo e da superstição; o autogoverno racional poderia substituir a obediência cega à autoridade na vida social e política. Defensores do Iluminismo declararam que o uso autônomo da razão forneceu a base para a expansão do conhecimento objetivo, para a fundamentação racional da ação moral, e para a organização de instituições sociais e políticas justas. Esta fé na racionalidade iluminista estava ligada a um ideal de conhecimento sistematicamente organizado, adquirido através de métodos científicos, que poderiam ser aplicados para satisfazer necessidades humanas e aumentar nosso domínio sobre a natureza. Foi também caracterizado pela crença na possibilidade de aperfeiçoamento moral da humanidade, na realização gradual da liberdade universal através do desenvolvimento de instituições sociais e políticas racionais. O espírito otimista do Iluminismo é impressionantemente capturado no lema de Kant: Sapere aude! (Ouse saber!)

No entanto, esse otimismo iluminista logo levou a indagações sobre a relação entre razão e fé, o indivíduo e a sociedade e nossa relação com a natureza. Embora entusiasmados com a promessa iluminista de liberdade racional, muitos artistas, escritores e filósofos começaram a questionar quais fontes de significado e valor moral poderiam ser encontradas de maneira confiável no mundo moderno uma vez que a religião era posta em causa e a natureza era transformada em um domínio mecanicista para a satisfação dos desejos humanos. O Iluminismo gerou assim o “contrailuminismo”, representado pelos vários movimentos “românticos” na arte, na literatura e na filosofia. O Romantismo poderia ser vagamente definido como um protesto cultural contra certas tendências dentro do Iluminismo: contra concepções redutoras de razão que privilegiavam o universal sobre o particular, o objetivo sobre o subjetivo, e que promoviam o domínio humano sobre a natureza, inclusive o controle racional sobre a nossa vida subjetiva e afetiva. A crítica romântica da razão iluminista inaugurou um debate filosófico e cultural, ainda importante hoje em dia, no qual Hegel permanece sendo um protagonista-chave.

Hegelianismo by  (Pensamento Moderno) (Page 16 - 17)

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

[...] a mercantilização do saber não poderá deixar intacto o privilégio que os Estados-Nações modernos detinham e detém ainda no que concerne à produção e à difusão dos conhecimen-tos. A ideia de que estes dependem do "cérebro" ou do "espíri-to" da sociedade que é o Estado será suplantada à medida que seja reforçado o princípio inverso, segundo o qual a sociedade não existe e não progride a não ser que as mensagens que nela circulem sejam ricas em informação e fáceis de decodificar. O Estado começará a aparecer como um fator de opacidade e de "ruido" para uma ideologia da "transparência" comunicacional, que se relaciona estritamente com a comercialização dos saberes. É sob este ângulo que se arrisca a apresentar-se com uma nova acuidade o problema das relações entre as instâncias econômicas e as instâncias estatais.

Já nos decênios anteriores, aquelas puderam pôr em perigo a estabilidade destas graças às novas formas de circulação de capi-tais, às quais se deu o nome genérico de empresas multinacionais. Estas formas implicam que as decisões relativas ao investimento escapam, pelo menos em parte, ao controle dos Estados-Nações. 21 Com a tecnologia informacional e telemática, a questão corre o risco de tornar-se ainda mais espinhosa. Admitamos, por exemplo, que uma firma como a IBM seja autorizada a ocupar uma faixa do campo orbital da Terra para implantar satélites de comunicação e/ou de banco de dados. Quem terá acesso a isto? Quem definirá os canais ou os dados proibidos? O Estado? Ou ele será um usuário como os outros? Novamente, surgem problemas de direito, e através deles a questão: quem saberá?

A condição pós-moderna by  (Page 23 - 24)

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

Sob a forma de mercadoria informacional indispensável ao poderio produtivo, o saber já é e será um desafio maior, talvez o mais importante, na competição mundial pelo poder. Do mesmo modo que os Estados-Nações se bateram para dominar territórios, e com isto dominar o acesso e a exploração das matérias-primas e da mão de obra barata, é concebível que eles se batam no futuro para dominar as informações. Assim encontra-se aberto um novo campo para as estratégias industriais e comerciais e para as estratégias militares e politicas.

A condição pós-moderna by  (Page 23)

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

Pode-se então esperar uma explosiva exteriorização do saber em relação ao sujeito que sabe (sachant), em qualquer ponto que este se encontre no processo de conhecimento. O antigo principio segundo o qual a aquisição do saber é indissociável da formação (Bildung) do espírito, e mesmo da pessoa, cai e cairá cada vez mais em desuso. Esta relação entre fornecedores e usuários do conhecimento e o próprio conhecimento tende e tenderá a assumir a forma que os produtores e os consumidores de mercadorias têm com estas últimas, ou seja, a forma valor. O saber é e será produzido para ser vendido, e ele é e será consu-mido para ser valorizado numa nova produção: nos dois casos, para ser trocado. Ele deixa de ser para si mesmo seu próprio fim; perde o seu "valor de uso".

A condição pós-moderna by  (Page 22 - 23)

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

Simplificando ao extremo, considera-se "pós-moderna" a incredulidade em relação aos metarrelatos. É, sem dúvida, um efeito do progresso das ciências; mas este progresso, por sua vez, a supõe. Ao desuso do dispositivo metanarrativo de legitimação corresponde sobretudo a crise da filosofia metafísica e a da instituição universitária que dela dependia. A função narrativa perde seus atores (functeurs), os grandes heróis, os grandes perigos, os grandes périplos e o grande objetivo. Ela se dispersa em nuvens de elementos de linguagem narrativos, mas também denotativos, prescritivos, descritivos etc., cada um veiculando consigo validades pragmáticas sui generis. Cada um de nós vive em muitas destas encruzilhadas. Não formamos combinações de linguagem necessariamente estáveis, e as propriedades destas por nós formadas não são necessariamente comunicáveis.

Assim, nasce uma sociedade que se baseia menos numa antropologia newtoniana (como o estruturalismo ou a teoria dos sistemas) e mais numa pragmática das partículas de linguagem. Existem muitos jogos de linguagem diferentes; trata-se da heterogeneidade dos elementos. Somente darão origem à instituição através de placas, é o determinismo local.

A condição pós-moderna by  (Page 18)

Jean-François Lyotard: A condição pós-moderna (Portuguese language, José Olympio) No rating

Obra mais conhecida de Jean-François Lyotard, A condição pós-moderna constrói um arco histórico das transformações …

O pós-moderno, como condição da cultura nesta era, caracteriza-se exatamente pela incredulidade perante o metadiscurso filosófico-metafísico, com suas pretensões atemporais e universalizantes.

A condição pós-moderna by  (Page 10)

Prefácio "Tempos pós-modernos" de Wilmar do Valle Barbosa