Também é importante deixar claro que o nutricionismo e o reducionismo nutricional não se referem simplesmente ao estudo ou à compreensão dos alimentos com base em seus nutrientes isolados. Se fosse esse o caso, toda investigação científica sobre nutrientes e todos os conselhos nutricionais com base específica em nutrientes seriam necessariamente reducionistas. Não se trata disso, mas sim das formas como os nutrientes têm sido frequentemente estudados, interpretados e depois aplicados ao desenvolvimento de orientações alimentares, rotulagem nutricional, engenharia e marketing de alimentos, que os descrevem de maneira redutora. Isso sugere que existem outras formas (menos limitantes) de se desenvolver e aplicar o conhecimento nutricional.
Os últimos 150 anos de pesquisas científicas evidenciam a imensa complexidade das relações entre os alimentos e a saúde corporal. Os alimentos são combinações de muitos nutrientes e componentes em várias quantidades e associações, interagindo entre si dentro do corpo, de maneira que os efeitos de um alimento para a saúde podem também depender de outros alimentos com os quais ele se combine numa refeição. Ao mesmo tempo, várias técnicas de processamento de alimentos e aditivos podem transformar significativamente — e, em alguns casos, reduzir ou degradar — a qualidade nutricional de alimentos integrais. Compreender os efeitos que essa gama de alimentos, aditivos e técnicas de processamento exercem sobre a saúde é também um desafio, porque a maioria das funções corporais, doenças e condições de saúde podem ser afetadas por múltiplos fatores — dietéticos e não dietéticos. As doenças por deficiência de um único nutriente, como o escorbuto, por exemplo, causado pela falta de vitamina C, hoje são a exceção, e não a regra em países altamente industrializados.
[...]
Uma característica-chave do reducionismo nutricional é a sistemática descontextualização da compreensão sobre os nutrientes, cujo papel tem sido interpretado fora do contexto dos alimentos, dos padrões alimentares e dos contextos sociais mais amplos em que estão inseridos. Especialistas em nutrição fizeram, por exemplo, declarações definitivas sobre o papel de nutrientes isolados, tais como a gordura ou a fibra, descolados do contexto dos alimentos em que podem ser encontrados. Esse reducionismo ao nutriente único muitas vezes ignora ou simplifica as interações entre a variedade de nutrientes dentro de um mesmo alimento, assim como dentro do corpo. Isso envolve também a associação prematura entre nutrientes únicos e doenças, como uma relação determinista ou causal segundo a qual nutrientes isolados são alegadamente a causa direta ou pelo menos o fator de aumento de risco de doenças específicas. O mesmo vale para a via contrária, exagerando o papel benéfico de nutrientes isolados. Por exemplo, os efeitos prejudiciais das gorduras totais, da gordura saturada e do colesterol dietético, e os benefícios das gorduras poli-insaturadas, das gorduras ômega-3 e da vitamina D: todos foram, sem dúvida, exagerados, quando não seriamente deturpados ao longo dos anos.