Miguel Medeiros quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)
A Fenomenologia de Hegel descreve determinadas configurações de consciência, descrevendo como o conhecimento e a experiência conflitam nas várias tentativas do sujeito de conhecer o mundo. Ela mostra como a consciência resolve este conflito entre a sua suposta forma de conhecimento e sua experiência, isto é, o resultado da sua tentativa de conhecer o mundo de uma maneira ou de outra. A consciência, nos termos de Hegel, sofre, portanto, uma experiência dialética – o movimento de um conflito entre conhecimento e verdade para uma configuração mais complexa da consciência que apresenta uma nova relação entre sujeito e objeto – um processo que “nós”, os leitores filosóficos, podemos observar em seus desdobramentos. A Fenomenologia de Hegel tentará demonstrar como as várias atitudes cognitivas que surgiram no pensamento e na cultura ocidental estão interconectadas em uma sequência conceitualmente articulada – uma sequência que culmina na própria investigação fenomenológica de Hegel. A partir deste ponto de vista, a exposição fenomenológica de Hegel pode ser entendida como “o caminho da consciência natural que promove o verdadeiro conhecimento” (PhS, § 77), qual seja o conhecimento experiencial de si mesmo como espírito.
E quanto a “espírito”? O significado deste famoso termo hegeliano só se torna evidente no decorrer da exposição de Hegel, mas aqui devemos dizer algo à guisa de introdução. Espírito ou Geist é o termo de Hegel para a razão autoconsciente, para as relações de sentido social e culturalmente articuladas, ou formas compartilhadas de intersubjetividade social e cultural. Espírito refere-se a formas de “mentalidade” coletiva abrangendo não só a autoconsciência individual, mas também formas de conhecimento e sentido compartilhado em uma cultura, de representações sensuais na arte, representações simbólicas na religião, a compreensão conceitual na filosofia. Ao mesmo tempo, espírito também designa as instituições sociais e políticas como encarnações “objetivas” das normas racionais de conhecimento e prática compartilhadas que definem as comunidades humanas. Tomadas em conjunto, estas formas institucionalmente encarnadas de sentido compartilhado e conhecimento situado compreendem o espírito histórico e a autocompreensão de uma comunidade humana organizada racionalmente.
A exposição fenomenológica começa, no entanto, não com o espírito, mas com a “consciência”. Para Hegel, a “consciência natural” descreve uma espécie de realismo de senso comum que é o fundo pressuposto da investigação filosófica. O que a investigação fenomenológica explora é o desenvolvimento da consciência natural no conhecimento filosófico. “Consciência”, para Hegel, descreve uma estrutura cognitiva bipolar que relaciona um conhecedor a algo conhecido: uma alegação de conhecimento ao que é tomado como verdade. Na Fenomenologia do espírito, cada instância de conhecimento envolve uma relação entre um sujeito e um objeto (o que Hegel chama de os polos do “saber” e da “verdade”), na qual a consciência compara suas alegações de conhecimento com a sua experiência de saber se estas alegações permanecem coerentes. Se uma contradição surge entre a experiência da consciência e sua alegação de conhecimento, a consciência reconstrói a relação entre conhecimento e objeto, de modo a corresponder com a sua experiência. A consciência supera qualquer disparidade que emerja entre saber e verdade cancelando os aspectos inadequados da sua configuração original e incorporando os aspectos positivos em uma unidade mais complexa da consciência e do seu objeto. O que surge é, portanto, uma nova relação entre o conhecimento e o seu objeto, uma nova configuração do saber e da verdade. Isso é o que Hegel chamou de “experiência dialética” da consciência: o movimento desde um padrão inicial de consciência, sua inversão em uma posição oposta, e a reconfiguração de ambos dentro de uma unidade mais complexa.
— Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno) (Page 33 - 35)
Da consciência ao espírito: A Fenomenologia do espírito, de Hegel