até mesmo um método que, considerado in abstracto, é o mais avançado método de pensamento, acarretará em algo de falso, quando aplicado mecanicamente, isto é, quando os fatos são simplesmente subsumidos a ele, sem que a experiência ou a intelecção [Einsicht] dos próprios fatos interrompa esse processo de subsunção. Quase incorrendo num paradoxo, poderíamos dizer que, no instante em que a dialética é praticada como um tipo de ofício manual, tal como se estivéssemos seguindo uma receita e, portanto, quando está, enquanto método, sendo manipulada, que então ela terá já se convertido necessariamente em inverdade - e bem no sentido dialético estrito de que ela mesma com isso terá entrado em contradição com seu próprio conceito. Pois, de fato, pensar de modo dialético significa justamente pensar por rupturas, por assim dizer. E isso significa pensar de tal maneira que o conceito encontre em cada caso sua crítica, num sentido enfático, por meio daquilo que ele pretende ter compreendido sob si e que, de modo inverso, a mera facticidade seja justamente medida a partir de seu próprio conceito. Assim, no instante em que nos distanciamos disso, em que não// mais empreendemos aquilo que noutra passagem fora chamado de "trabalho e esforço do conceito"; no momento em que, então, acreditemos estar em posse definitiva do método, já o teremos distorcido e condenado ao malogro. Trata-se, de resto, de algo bem generalizado, tal como se pode encontrar, por exemplo, de maneira recorrente, na arte, aquilo que Kandinsky certa vez formulou de maneira elegante em seu livro Sobre o espiritual na arte, a saber: que um artista, no momento em que acredita ter encontrado a si mesmo, em que crê estar definitivamente em posse de seu estilo, geralmente já o terá perdido. Vocês podem, nesse ponto, perceber de novo algo da atmosfera da dialética que é muito importante: dito concretamente, aquela oposição à necessidade de segurança, oposição da qual, a propósito, já lhes falei anteriormente. 81 Um dos desafios postos pelo pensar dialético, e talvez não o menor, é justamente aquele segundo o qual, quando pensamos dialeticamente, não podemos simplesmente falar como um professor escolar de estilo kantiano: "agora eu possuo o método, e uma vez o tendo em mãos, então nada mais pode me acontecer". Foi justamente contra essa representação do método, a de que se pode simplesmente continuar acochambrando as coisas, perseguindo o método de maneira em certo sentido automatizada, cega, em vez de levar a termo, a todo instante, o esforço contido no pensamento - foi justamente contra isso, eu dizia, que Hegel se voltou energicamente. Mas tais percepções [Einsíchten] são naturalmente bastante modestas e comedidas, embora seja extraordinariamente mais difícil comportar-se realmente de acordo com elas ao se pensar concretamente do que quando se as toma assim, em abstrato. Não há a menor garantia de que, também quando se pensa dialeticamente, esse mesmo pensar dialético não se transforme em uma embaraçosa repetição do truque de cartas acerca do qual Hegel adverte tão insistentemente. E é muito importante que, como seres humanos pensantes, nós de antemão nos condicionemos a atuar obstinadamente contra toda aplicação mecânica das nossas próprias categorias - em outras palavras: que nos disponhamos continuamente a refletir sobre nossas próprias categorias, a verificar // se tais categorias ainda são, de fato, apropriadas às coisas a serem pensadas por meio delas.
— Introdução à dialética by Theodor W. Adorno (Page 168 - 170)