Miguel Medeiros quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)
É certo que “Modernidade” é um conceito com uma vasta gama de significados. Habermas o define como tendo sentidos históricos, sociais, culturais e políticos distintos. Em seu sentido histórico, “Modernidade” define a época da história ocidental desde 1500, marcada pela descoberta do Novo Mundo, a Reforma, o Iluminismo e a Revolução Francesa. Com base no trabalho de Weber sobre racionalização moderna, “Modernidade” tem um sentido social, referindo-se ao desenvolvimento de economias de mercado e da organização estatal burocrática como esferas relativamente independentes operando de acordo com critérios de eficiência e produtividade. Novamente com base em Weber, “Modernidade” tem um significado cultural, referindo-se a processos de racionalização cultural definidos pelo desenvolvimento das “esferas de valor” autônomas da ciência, do direito/moralidade e da arte, cada uma com as suas próprias formas de conhecimento e prática. Finalmente, “Modernidade” tem um significado político, definido por uma história de mudanças revolucionárias seguida pelo desenvolvimento de formas constitucionais e democráticas de governo relativamente estáveis e autorreformadoras.
Ao mesmo tempo, no entanto, “Modernidade” também indica uma condição histórica na qual existe um forte reconhecimento social e cultural do “direito de subjetividade”. Esta foi a expressão de Hegel para descrever a condição moderna na qual a liberdade individual como autonomia racional é considerada o mais elevado princípio de legitimação racional. Com efeito, Modernidade significa que é preciso haver uma legitimação racional das normas teóricas e morais (tradição não é suficiente); que práticas sociais e culturais deveriam ser modos de os indivíduos expressarem sua autonomia (ao invés de serem um empecilho a que se o faça); e que instituições políticas ganhem legitimidade apenas por serem a expressão racional de processos de tomada de decisão coletiva (a democracia constitucional é a forma distintivamente moderna de política). A autonomia racional do indivíduo é o princípio fundamental das instituições sociais e políticas; as últimas derivam sua legitimidade de seu reconhecimento e promoção desta autonomia, mas também proveem as condições que permitem que tal autonomia se desenvolva em primeiro lugar.
“Modernidade”, portanto, se refere ao projeto de criar e sustentar formas individuais e coletivas de vida capazes de serem fundamentadas no livre-exercício da autonomia racional e legitimadas por ele. De acordo com Habermas, Hegel foi o primeiro entre os filósofos modernos a reconhecer que a Modernidade se tornou um problema filosófico: ele foi o primeiro a investigar a necessidade da Modernidade de uma normatividade autogerada independente de qualquer corpo de tradições, instituições ou práticas adquirido do passado (PDM: 16); o primeiro a refletir explicitamente sobre a necessidade da Modernidade de “autoencorajamento” (Selbstvergewisserung) em relação a esta normatividade autogerada (p. 16). Pois a Modernidade já não toma emprestado do passado os critérios para as suas instituições e modo de vida; em vez disso, “tem que criar sua normatividade fora de si mesma” (PDM: 7). Para Hegel, a tarefa da filosofia é a “de apreender o seu próprio tempo – e para ele este significa a idade moderna – no pensamento” (PDM: 16). Desta maneira, a filosofia contribui para a autocompreensão da Modernidade em seus aspectos social, cultural e político, oferecendo ao mesmo tempo uma perspectiva crítica acerca dos seus problemas e deficiências; pode até mesmo oferecer visões alternativas de vida mais de acordo com as pretensões da Modernidade de articular a liberdade racional.
— Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno) (Page 150 - 152)