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Miguel Medeiros

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"Este mundo grande cansa-me à exaustão o pequeno corpo.". — Pórcia

Sou um leigo que se entrega à filosofia, literatura, história e ciência. Leitor de Philip K. Dick a Platão, ouvinte de Arctic Monkeys a John Coltrane, jogador de Red Dead Redemption a Deus Ex.

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Arthur Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação (Portuguese language, Contraponto) No rating

O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

Por consequência, todo ato do meu corpo é o fenômeno de um ato da minha vontade, no qual se exprime, em virtude de motivos dados, a minha própria vontade, em geral, e no seu conjunto, isto é, o meu caráter, mas a condição necessária e prévia de toda ação do meu corpo deve ser também um fenômeno da vontade, visto que a sua manifestação não poderia depender de qualquer coisa que não fosse imediata e unicamente por ela, que só lhe pertencesse por acaso (caso em que a sua própria manifestação seria um efeito do acaso): esta condição é o corpo no seu conjunto. Ele deve, portanto, ser um fenômeno da vontade e encontrar-se com a minha vontade no seu conjunto, isto é, o meu caráter inteligível, cujo fenômeno, no tempo, to meu caráter empírico, na mesma relação que em um ato isolado do corpo está para com um ato isolado da vontade. Assim o meu corpo é apenas a minha vontade tornada visível, ele é a minha própria vontade, enquanto ela é objeto da intuição, representação da primeira categoria - Em apoio desta proposição, já mostramos que toda impressão exercida sobre o corpo afeta imediatamente a vontade, e que sob este ponto de vista, se chama prazer ou dor, e, num grau menor, sensação agradável ou desagradável, inversamente, mostramos que todo movimento da vontade, afecção ou paixão abala o corpo e suspende o curso das suas funções. tanto, há uma explicação etiológica, embora bastante imperfeita, acerca do nascimento do meu corpo, do seu desenvolvimento, da sua conservação: é a explicação fisiológica. Mas ela explica o corpo, como os motivos explicam o ato. Se, por consequência, a determinação de um ato isolado, por um motivo, e suas consequências necessárias não impedem que esse ato, em geral e na sua essência, seja o fenômeno de uma vontade, que ela própria não é ex-plicada, do mesmo modo a explicação fisiológica das funções do corpo não contraria em nada a explicação filosófica, isto é, que a realidade do corpo e o conjunto das suas funções é apenas a objetivação dessa vontade que aparece nos atos desse mesmo corpo, sob a influência dos motivos. No entanto, a fisiologia procura resumir estas manifestações, estes movimentos imediatamente submetidos à vontade, a uma causa inerente ao organismo, como, por exemplo, quando ela explica o movimento dos músculos por um afluxo de sucos, "do mesmo modo que uma corda molhada se estica", diz Reil nos seus Arquivos fisiológicos (v. 6, p. 153); mas, admitindo que se chega, por esta via, a uma explicação completa, isso não destruiria em nada a verdade, imediatamente certa, de que todo movimento voluntário (funções animais) é o fenômeno de um ato da vontade. A explicação fisiológica da vida vegetativa é igualmente insuficiente, e também teria pouco sucesso a destruir esta verdade: que a vida animal, no seu conjunto e no seu desenvolvimento, é apenas um fenômeno da vontade. Em geral, como o mostramos mais acima, toda explicação etiológica deve limitar-se a determinar, no espaço e no tempo, o lugar necessário de um fenômeno e a necessidade da sua produção nesse mesmo lugar, em virtude de leis fixas. Deste modo, a essência exata de todo fenômeno é desconhecida, ela é pressuposta por toda explicação etiológica, e designada simplesmente pelo nome de força, de lei da natureza, ou quando se trata das nossas ações pelo de caráter ou vontade. Assim, embora todo ato isolado pressuponha um caráter determinado e seja a consequência necessária de motivos dados embora o crescimento, mente da ação de uma causa, no entanto o conjunto dos atos, e por a nutrição e todas as modificações operadas no corpo resultem necessaга contém e, por consequência, também o processo do qual ele é termo e que consequência todo ato isolado e as suas condições, o próprio corpo que as constitui, tudo isso é apenas o fenômeno da vontade, a visibilidade, a objetividade da vontade. Dai resulta esse acordo perfeito que existe entre o corpo do homem ou do animal e a vontade do homem ou do animal - acordo semelhante, embora num grau superior, aquele que existe entre a ferramenta e a vontade do trabalhador, e se manifesta como finalidade, isto é, como possibilidade de uma explicação teleológica do corpo. As partes do corpo devem corresponder perfeitamente aos principais apetites pelos quais a vontade se manifesta, devem ser a sua expressão visível; os dentes, o esôfago e o canal intestinal são a fome objetivada; do mesmo modo, as partes genitais são o instinto sexual objetivado; as mãos que agarram, os pés rápidos correspondem ao exercício já menos imediato da vontade que eles representam. Do mesmo modo que a forma humana em geral corresponde à vontade humana em geral, a forma individual do corpo, muito característica e muito expressiva por consequência, no seu conjunto e em todas as suas partes, corresponde a uma modificação individual da vontade, a um caráter particular. É muito notável que Parmenides tenha já expresso essa verdade nos versos seguintes, referidos por Aristóteles (Metafisica, 3, 5)

Ως γάρ ἕκαστος ἔχει κρᾶσιν μελέων πολυκάμπτων, Τως νοος ἀνθρώποισι παρέστηκεν τὸ γὰρ αὐτό Ἔστιν, ὅπερ φρονέει, μελέων φύσις ἀνθρώποισι Καὶ πᾶσιν καὶ παντί το γαρ πλέον ἐστι νόημα

Ut enim cuique complexio membrorum flexibilium se habet, ita mens hominibus adest: idem namque est, quod sapit, membrorum natura hominibus et omnibus et omni: quod enim plus est, intelligentia est.

  1. "Pois como cada um tem mistura de membros errantes, assim a mente nos ho bros, em todos e em cada um, pois o mais é pensamento" Cf. no meu tratado mens se apresenta, pois o mesmo é o que pensa nos homens, eclosão de mem Sobre a vontade na natureza, os capítulos "Fisiologia" e "Anatomia comparada onde desenvolvi o que aqui apenas indiquei.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 116 - 118)

corpo como vontade

Arthur Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação (Portuguese language, Contraponto) No rating

O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

A minha opinião (e é aqui o lugar natural desta explicação) é que todo erro é uma conclusão do efeito para a causa, esta conclusão é justa quando se sabe que o efeito procede de tal causa e não de uma outra; de outro modo já não o é. De duas uma: ou aquele que se engana atribui a um efeito uma causa que não pode ter, caso que dá prova de uma pobreza real do entendimento, isto é, de uma incapacidade notória para apreender imediatamente a ligação entre o efeito e a causa; ou é o que acontece quase sempre - atribui-se ao efeito uma causa possível; mas, antes de concluir do efeito para a causa, acrescenta-se às premissas da conclusão a ideia subentendida de que o efeito em questão é sempre produzido pela causa que se indica, o que só se está autorizado a fazer depois de uma indução completa, mas que se faz no entanto sem ter preenchido esta condição. Este sempre é um conceito muito vasto; seria preciso substitui-lo por até agora ou quase sempre. Então a conclusão será problemática, e, nessa qualidade, não será falsa. A causa do erro que acabamos de referir é uma grande precipitação, ou um conhecimento limitado das possibilidades, que Impede de ver a necessidade de uma indução. O erro é, pois, em todos os aspectos, análogo à ilusão; ambos consistem em concluir do efeito para a causa, sendo sempre a ilusão produzida pelo simples entendimento, de acordo com a lei da causalidade, isto é, na própria intuição; e, por outro lado, sendo o erro produzido pela razão pura, de acordo com o princípio da razão, sob todas as suas formas, isto é, no próprio pensamento, mas quase sempre também de acordo com o princípio da causalidade, como o provam os três exemplos seguintes, que se podem considerar como os três tipos ou símbolos dos três gêneros de erros: 1º A ilusão dos sentidos (ilusão do entendimento) ocasiona o erro (ilusão da razão pura), por exemplo, quando se toma um quadro por um alto relevo e o vemos realmente como tal; para isso não é preciso mais do que tirar a conclusão desta premissa: "Quando o cinzento escuro se deposita sobre uma superfície diminuindo gradualmente até o branco, é preciso procurar sempre a causa disso na luz que ilumina de modo diferente as saliências e as concavidades". 2º "Quando constato que tiraram dinheiro do meu cofre, é sempre porque a minha criada mandou fazer uma chave falsa: ergo." 3º "Quando a imagem do sol refratada por um prisma isto é, desviada para cima ou para baixo, em vez de ser branca e circular como anteriormente, se mostra alongada e colorida, isso resulta uma vez por todas de que havia na luz raios luminosos diversamente coloridos e diversamente refrangíveis, os quais, separados em virtude da sua diferença de refrangibilidade, formam então essa imagem deformada e diversamente colorida: ergo bibamos." Todo erro deve reduzir-se, assim, a uma falsa conclusão tirada de uma premissa, que quase sempre é apenas uma falsa generalização ou uma hipótese, e que consiste em supor uma causa para um efeito. Não se passa o mesmo, como se poderá supor, com as faltas de cálculo, que não são erros, para falar rigorosamente, mas simples equívocos: a operação que os conceitos dos números indicavam não foi efetuada na intuição pura, no ato de contar; substituiu-se por uma outra.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 88 - 89)

Arthur Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação (Portuguese language, Contraponto) No rating

O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

Não é como se diz muitas vezes que é um caráter essencial, mas apenas uma propriedade secundária e derivada do conceito incluir um grande número de representações, intuitivas ou abstratas, das quais ele é o principio de conhecimento, e que são pensadas ao mesmo tempo que ele. Esta propriedade, embora exista sempre em potencial no conceito, não se encontra necessariamente na realidade; ela repousa sobre o fato de que o conceito é a representação de uma representação e deve todo o seu valor à relação que tem com essa outra representação; no entanto o conceito não se confunde com ela, visto que esta pertence quase sempre a uma outra classe, à intuição, por exemplo; ela está submetida, como tal, às determinações do tempo, do espaço e a muitas outras que não fazem parte do próprio conceito; segue-se que as diversas representações que não oferecem senão diferenças superficiais podem ser pensadas ou subsumidas no mesmo conceito. Mas esta propriedade que o conceito possui de ser válido para vários objetos não lhe é essencial, é puramente acidental. Podem, pois, existir noções sob as quais uma única coisa real seria pensada; elas não são, por isso, menos abstratas e gerais, e não são, de modo nenhum, representações particulares e intuitivas. Tal é, por exemplo, a ideia que se faz de uma cidade quando ela é conhecida apenas pela geografia; só se concebe, então, na verdade, uma única cidade, mas a noção que se forma poderia convir a muitas outras, diferentes em muitos aspectos. Assim, não é porque uma ideia é extraída de vários objetos que ela é geral; é, pelo contrário, porque a generalidade, em virtude da qual ela não determina nada de particular, lhe é inerente como a toda representação abstrata da razão, e é por isso que várias coisas podem ser pensadas sob o mesmo conceito. Resulta destas considerações que todo conceito — que é uma representação abstrata e não intuitiva, por conseguinte sempre incompletamente determinada possui, como se diz, uma extensão ou esfera de aplicação, e isto, mesmo no caso em que só existe um único objeto real correspondente a esse conceito. Ora, a esfera de cada conceito tem sempre qualquer coisa em comum com a de um outro; em outras palavras, pensa-se, com a ajuda desse conceito, uma parte do que é pensado com a ajuda do segundo, e vice-versa; todavia, quando os dois conceitos diferem realmente, cada um. ou pelo menos um dos dois, deve incluir qualquer elemento não encerrado no outro: tal é a relação do sujeito com o predicado. Reconhecer esta ligação é julgar. Uma das ideias mais engenhosas que se teve foi a de representar, com a ajuda de figuras geométricas, esta extensão dos conceitos. Godefroy Ploucquet teve verdadeiramente a primeira ideia; ele empregava, para este efeito, quadrados; Lambert, que veio depois dele, servia-se ainda de simples linhas sobrepostas; Euler levou o processo à sua perfeição, fazendo uso de círculos. Não saberia dizer qual é o último fundamento desta analogia tão exata entre as relações dos conceitos e as das figuras geométricas. O que é verdade é que há para a lógica uma preciosa vantagem em poder assim representar graficamente as relações dos conceitos entre si, mesmo do ponto de vista da sua possibilidade, isto é, a priori. Eis essas figuras: 1ª As esferas de dois conceitos são rigorosamente iguais: tal é, por exemplo, a noção de necessidade e a da relação do princípio com a consequência, ou ainda a ideia de ruminantes e a de fissípedes; a de vertebrado e de animal de sangue quente (poder-se-ia, no entanto, contestar este exemplo, por causa dos anelídeos); isto são noções convertíveis. Representam-se, então, por um círculo único que indica indiferentemente uma ou outra. 2ª A esfera de um conceito encerra na totalidade a de um outro conceito. 3ª Uma esfera compreende duas ou mais que se excluem, estando elas pró-prias contidas na grande. 4ª Duas esferas contêm cada uma, uma parte da outra. 5º Duas esferas estão encerradas numa terceira sem a preencherem. A este último caso pertencem os conceitos cujas esferas não se comunicam diretamente, mas que um terceiro, mais extenso, compreende na sua circunscrição. As diversas combinações possíveis de conceitos reduzem-se aos casos precedentes; pode-se daí deduzir toda a teoria dos juízos: conversão, contraposição, reciprocidade, disjunção (esta última a partir da terceira figura); tirar-se-ão do mesmo modo as qualidades dos juízos, sobre os quais Kant fundou as suas supostas categorias do entendimento. É preciso, no entanto, fazer uma exceção para a forma hipotética que não é uma simples combinação de conceitos, mas efetivamente uma síntese de juízos. Uma última observação a fazer a propósito das diversas combinações de conceitos das quais se acabou de falar é que elas podem ainda unir-se entre si, por exemplo a quarta figura com a segunda. Quando uma esfera que compreende uma outra quer na totalidade, quer apenas em parte - está por sua vez contida totalmente numa terceira, esta combinação representa o silogismo da primeira figura, síntese de juízos que permite afirmar que uma noção contida na totalidade ou em parte numa segunda está também numa terceira, em que aquela se encontra ela própria encerrada. E, do mesmo modo, se o silogismo conclui negativamente, a única maneira de indicá-lo, então, é imaginar duas esferas em que uma contém a outra, excluídas as duas completamente de uma terceira. Quando um grande número de esferas se encaixam assim umas nas outras, obtém-se longas séries silogísticas.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 49 - 52)

Arthur Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação (Portuguese language, Contraponto) No rating

O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

Ser causa e efeito, eis portanto a própria essência da matéria; o seu ser consiste unicamente na sua atividade. (Ver para mais detalhes a Dissertação sobre o princípio da razão, § 21, p. 77) É, pois, com uma singular precisão que em alemão se designa o conjunto das coisas materiais pela palavra Wirklichkeit (de wirken, agir), termo muito mais expressivo do que Realität (realidade). Aquilo sobre o que a matéria age é sempre a matéria; a sua realidade e a sua essência consistem portanto unicamente na modificação produzida regularmente por uma das suas partes sobre uma outra; mas esta é uma realidade relativa: as relações que a constituem, aliás, são válidas apenas nos próprios limites do mundo material, exatamente como o tempo. Se o tempo e o espaço podem ser conhecidos por intuição, cada um em si e independentemente da matéria, esta, pelo contrário, não poderá ser apercebida sem eles. Por um lado, a própria forma da matéria, que não podemos separar, pressupõe o espaço; e, por outro lado, a sua atividade, que é todo o seu ser, implica sempre qualquer mudança, isto é, uma determinação do tempo. Mas a matéria não tem como condição o tempo e o espaço considerados separadamente; é a combinação deles que constitui a sua essência, residindo esta inteiramente, como o demonstramos, na atividade e na causalidade. Com efeito, todos os fenômenos e todos os estados possíveis, que são inumeráveis, poderiam, sem se incomodarem mutuamente, coexistir no espaço infinito, e, por outro lado, sucederem-se sem dificuldade na infinitude do tempo; daí que se torne inútil e mesmo inaplicável uma relação de dependência recíproca e uma lei que determinasse os fenômenos de acordo com esta relação necessária: assim, nem esta justaposição no es paço nem esta sucessão no tempo são suficientes para engendrar a causalidade, enquanto cada uma das duas formas permanecer isolada e se desenvolver independentemente da outra. Ora, constituindo a causalidade a própria essência da matéria, se a primeira não existisse, a segunda desapareceria também. Para que a lei da causalidade conserve todo o seu significado e necessidade, a mudança efetuada não deve limitar-se a uma simples transformação dos diversos estados considerados em si mesmos: é preciso, antes de mais nada, que, num determinado ponto do espaço, tal estado exista agora e um outro a seguir, é preciso, além disso, que, num momento determinado, tal fenômeno se produza aqui e um outro acolá. É apenas graças a esta limitação reciproca do tempo e do espaço um pelo outro que a lei que regula a mudança se torna inteligível e necessária. Aquilo que a lei da causalidade determina não é, portanto, a simples sucessão dos estados no próprio tempo, mas no tempo considerado em relação a um espaço dado; por outro lado, também não é a presença dos fenômenos num certo lugar, mas a sua presença nesse ponto num instante marcado. A mudança, isto é, a transformação de estado, regulada pela lei da causalidade, liga-se então, em cada caso, a uma parte do espaço e a uma parte correspondente do tempo, dados simultaneamente. É, pois, a causalidade que forma a ligação entre o tempo e o espaço. Ora, já vimos que toda a essência da matéria consiste na atividade, em outras palavras, na causalidade; daqui resulta que o espaço e o tempo coexistem, assim, na matéria; esta deve, portanto, reunir na sua oposição as propriedades do tempo e do espaço, e conciliar (coisa impossível em cada uma das duas formas isoladas da outra) a fuga inconstante do tempo com a invariável e rígida fixidez do espaço. Quanto à divisibilidade infinita, a matéria recebe-a dos dois; é graças a esta combinação que se torna possível, antes de mais nada, a simultaneidade; esta não poderia existir nem só no tempo, que não admite justaposição, nem no espaço puro, em relação ao qual não há antes como depois ou agora. Mas a verdadeira essência da realidade é precisamente simultaneidade de vários estados, simultaneidade que produz, antes de mais nada, a duração; esta, com efeito, apenas é inteligível pelo contraste entre aquilo que muda e aquilo que permanece; do mesmo modo, é a antítese do permanente e do variável que caracteriza a mudança ou modificação na qualidade e na forma, ao mesmo tempo que a fixidez na substância, que é a matéria. Se o mundo existisse unicamente no espaço, seria rígido e imóvel: não haveria sucessão, nem mudança, nem ação; uma vez suprimida a ação, a matéria sê-lo-ia do mesmo modo. Se o mundo existisse unicamente no tempo, tudo se tornaria fugidio; então, não haveria permanência, nem justaposição, nem simultaneidade, e, por consequência, não haveria duração; também não haveria matéria como há pouco. É da combinação do tempo e do espaço que resulta a matéria, que é a possibilidade da existência simultânea; a duração também daí deriva e torna possível, por sua vez, a permanência da substância sob a mudança dos estados. A matéria, ao existir como resultado da combinação do tempo e do espaço, conserva sempre a marca dupla. A realidade que ela retira do espaço é atestada, antes de mais nada, pela forma que lhe é inerente; em seguida, e, sobretudo, pela sua permanência ou substancialidade: a mudança, com efeito, apenas pertence ao tempo, que, considerado em si mesmo e na sua pureza, não tem nada de estável; a permanência da matéria não é, pois, certa a priori a não ser na medida em que ela assenta na do espaço. A matéria, por outro lado, assemelha-se ao tempo pela qualidade (ou acidente), sem a qual não poderia aparecer; e esta qualidade consiste sempre na causalidade, na ação exercida sobre uma outra matéria, por conseguinte na mudança que faz parte da noção de tempo. Esta ação, contudo, apenas é possível, de direito, com a condição de se relacionar simultaneamente com o espaço e o tempo, e retira daí toda a sua inteligibilidade. A determinação do estado que deve necessariamente existir em certo lugar, em certo momento dado, eis ao que se limita a jurisdição da lei da causalidade. É porque as qualidades essenciais da matéria derivam das formas do pensamento conhecidas a priori que nós determinamos também a priori certas propriedades: por exemplo, de encher o espaço; é a impenetrabilidade, que equivale à atividade; além disso, a extensão, a divisibilidade infinita, a permanência que não é senão a indestrutibilidade; enfim, a mobilidade; quanto ao peso, talvez convenha (o que aliás não constitui uma exceção à doutrina) relacioná-lo com o conhecimento a posteriori e isso apesar da opinião de Kant que, nos Primeiros princípios metafísicos da ciência natural, o coloca entre as propriedades conhecíveis a priori.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 15 - 17)

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O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

Cada instante da duração, por exemplo, só existe com a condição de destruir o precedente que o engendrou, para ser também, em breve, por sua vez anulado; o passado e o futuro, abstração feita das consequências possíveis daquilo que eles contém, são coisas tão vãs como o mais vão dos sonhos, e o mesmo se pode dizer do presente, limite sem extensão e sem duração entre os dois. Ora, nós encontramos este mesmo nada em todas as outras formas do principio da razão; reconheceremos que o espaço tal como o tempo e tudo o que existe ao mesmo tempo no espaço e no tempo, em uma palavra, tudo o que tem uma causa ou um fim, tudo isso apenas possui uma realidade puramente relativa: a coisa, com efeito, apenas existe em virtude ou em vista de uma outra da mesma natureza que ela e submetida em seguida à mesma relatividade. Este pensamento, no que ele tem de essencial, não é novo; é neste sentido que Heráclito constatava com melancolia o fluxo eterno das coisas; que Platão rebaixava a realidade ao simples devir que não chega nunca ao ser; que Spinoza via nelas apenas acidentes da substância única que existe, só, eternamente; que Kant opunha à coisa em si os nossos objetos de conhecimento como puros fenômenos. Enfim, a antiga sabedoria da Índia exprime a mesma ideia sob esta forma: E Maya é o véu da ilusão, que, ao cobrir os olhos dos mortais, lhes faz ver um mundo que não se pode dizer se existe ou não existe, um mundo que se assemelha ao sonho, à radiação do sol sobre a areia, onde, de longe, o viajante acredita ver uma toalha de água, ou ainda a uma corda atirada por terra, que ele toma por uma serpente. (Estas comparações reiteradas encontram-se em numerosas passagens dos Vedas e dos Puranas.) A concepção comumente expressa por todos estes filósofos não é outra senão a que nos ocupa neste momento: o mundo como representação, submetido ao princípio da razão.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 13 - 14)

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O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

Aquele que conhece todo o resto, sem ser ele mesmo conhecido, é o sujeito. Por conseguinte, o sujeito é o substratum do mundo, a condição invariável, sempre subentendida de todo fenômeno, de todo objeto, visto que tudo o que existe, existe apenas para o sujeito. Este sujeito, cada um o encontra em si, pelo menos enquanto conhece, não enquanto é objeto de conhecimento. O nosso próprio corpo é já ele próprio um objeto e, por conseguinte, merece o nome de representação. Com efeito, ele é apenas um objeto entre outros objetos, submetido às mesmas leis que estes últimos; é apenas um objeto imediato. Como qualquer objeto da intuição, está submetido às condições formais do pensamento, o tempo e o espaço, de que nasce a pluralidade.

Mas o próprio sujeito, o principio que conhece sem ser conhecido, não cai sob estas condições visto que é sempre pressuposto por elas implicitamente. Não se lhe pode aplicar nem a pluralidade, nem a categoria oposta, a unidade. Portanto, nós não conhecemos nunca o sujeito; é ele que conhece em toda parte em que há conhecimento.

O mundo, considerado como representação, único ponto de vista que aqui nos ocupa, compreende duas metades essenciais, necessárias e inseparáveis. A primeira é o objeto que tem por forma o espaço e o tempo, e por conseguinte, a pluralidade; a segunda é o sujeito que escapa à dupla lei do tempo e do espaço, sendo sempre uno e indivisível em cada ser que percebe. Segue-se que, um único sujeito, mais o objeto, chegariam para constituir o mundo considerado como representação, tão completamente como os milhões de sujeitos que existem; mas, se este único sujeito que percebe desaparecer, ao mesmo tempo, o mundo concebido como representação desaparecerá também. Estas duas metades são, portanto, inseparáveis, mesmo em pensamento; cada uma delas apenas é real e inteligível pela outra e para a outra; elas existem e deixam de existir em conjunto. Elas limitam-se reciprocamente: o sujeito acaba onde começa o objeto. Esta limitação mútua aparece no fato de que todas as formas gerais essenciais a qualquer objeto tempo, espaço e causalidade - podem tirar-se e deduzir-se inteiramente do próprio sujeito, abstração feita do objeto: o que se pode traduzir na linguagem de Kant, dizendo que elas se encontram a priori na nossa consciência. De todos os serviços prestados por Kant à filosofia, o maior reside talvez nesta descoberta. A esta ideia, acrescento, pela minha parte, que o princípio da razão é a expressão geral de todas estas condições formais do objeto, conhecidas a priori, que todo conhecimento puramente a priori se resume ao conteúdo deste principio, com tudo o que ele implica; em uma palavra, que nele está concentrada toda a certeza da nossa ciência a priori. Expliquei detalhadamente na minha Dissertação sobre o princípio da razão como ele é a condição de todo objeto possível; o que significa que um objeto qualquer está necessariamente ligado a outros, sendo determinado por eles e determinando-os por sua vez. Esta lei é tão verdadeira que toda a realidade dos objetos enquanto objetos ou simples representações consiste unicamente nesta relação de determinação necessária e recíproca: esta realidade é, portanto, puramente relativa. Teremos em breve oportunidade de desenvolver esta ideia. Mostrei que esta relação necessária, expressa de uma maneira geral pelo princípio da razão, reveste formas diversas conforme a diferença das classes em que se vêm colocar os objetos sob o ponto de vista da sua possibilidade, nova prova da repartição exata destas classes. Suponho sempre implicitamente, na presente obra, que tudo o que escrevi nessa dissertação é conhecido e está presente no espírito do leitor. Se não tivesse exposto em outro local estas ideias, elas teriam aqui o seu lugar natural.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 11 - 12)

Arthur Schopenhauer: O Mundo como Vontade e Representação (Portuguese language, Contraponto) No rating

O Mundo como Vontade e Representação (título original, em alemão: Die Welt als Wille und …

O mundo é a minha representação. Esta proposição é uma verdade para todo ser vivo e pensante, embora só no homem chegue a transformar-se em conhecimento abstrato e refletido. A partir do momento em que é capaz de o levar a este estado, pode dizer-se que nasceu nele o espírito filosófico. Possui então a inteira certeza de não conhecer nem um sol nem uma terra, mas apenas olhos que veem este sol, mãos que tocam esta terra; em uma palavra, ele sabe que o mundo que o cerca existe apenas como representação, na sua relação com um ser que percebe, que é o próprio homem. Se existe uma verdade que se possa afirmar a priori é esta, pois ela exprime o modo de toda experiência possível e imaginável, conceito muito mais geral que os de tempo, espaço e causalidade que o implicam. Com efeito, cada um destes conceitos, nos quais reconhecemos formas diversas do princípio da razão, apenas é aplicável a uma ordem determinada de representações; a distinção entre sujeito e objeto é, pelo contrário, o modo comum a todas, o único sob o qual se pode conceber uma representação qualquer, abstrata ou intuitiva, racional ou empírica. Nenhuma verdade é portanto mais certa, mais absoluta, mais evidente do que esta: tudo o que existe, existe para o pensamento, isto é, o universo inteiro apenas é objeto em relação a um sujeito, percepção apenas, em relação a um espírito que percebe. Em uma palavra, é pura representação. Esta lei aplica-se naturalmente a todo o presente, a todo o passado e a todo o futuro, àquilo que está longe, tal como àquilo que está perto de nós, visto que ela é verdadeira para o próprio tempo e o próprio espaço, graças aos quais as representações particulares se distinguem umas das outras. Tudo o que o mundo encerra ou pode encerrar está nesta dependência necessária perante o sujeito, e apenas existe para o sujeito. O mundo é portanto representação.

O Mundo como Vontade e Representação by  (Page 9)

Noam Chomsky: Quem Manda no Mundo? (Paperback, Planeta) No rating

O mais importante ativista intelectual do mundo oferece neste livro um aprofundado exame das mudanças …

Este livro pinga sangue, sangue das barbáries promovidas pelos Estados Unidos. Assassinatos, golpes, ditaduras, genocídios, bombardeiros, terrorismo, tortura, invasões. El Salvador, Cuba, Chile, Brasil, Guatemala, África do Sul, Coreia do Norte, Vietnã, Laos, Irã, Egito, Palestina. Tudo em nome de um “excepcionalismo norte-americano” em sua “missão civilizadora”. A política de “Grande Área” do pós guerra colocou todo o mundo como “quintal” dos EUA. “As doutrinas da Grande Área” diz Chomsky “declarou que os EUA têm o direito de usar força militar para garantir o “acesso irrestrito aos principais mercados, abastecimentos energéticos e recursos estratégicos”. Esses princípios conduziram os Estados Unidos a todo tipo de intervenção violenta ao que chamavam de “subversão política” ou “nacionalismo radical” , o que significava qualquer política que não estava sob o controle dos Estados Unidos.

Noam Chomsky: Quem Manda no Mundo? (Paperback, Planeta) No rating

O mais importante ativista intelectual do mundo oferece neste livro um aprofundado exame das mudanças …

As façanhas de Cuba na libertação da África e no fim do apartheid foram enaltecidas por Nelson Mandela quando ele finalmente ganhou a liberdade. Um de seus primeiros atos foi declarar que “durante todos os meus anos de prisão, Cuba foi uma inspiração e Fidel Castro, uma torre de fortaleza […] [As vitórias cubanas] destruíram o mito da invencibilidade do opressor branco [e] inspiraram as lutas das massas da África do Sul […] um ponto de inflexão para a libertação de nosso continente – e do meu povo – do flagelo do apartheid […]. Que outro país pode apontar para um histórico de maior altruísmo do que Cuba demonstrou em suas relações com a África?”.[5]

Quem Manda no Mundo? by  (Page 247)