Ser causa e efeito, eis portanto a própria essência da matéria; o seu ser consiste unicamente na sua atividade. (Ver para mais detalhes a Dissertação sobre o princípio da razão, § 21, p. 77) É, pois, com uma singular precisão que em alemão se designa o conjunto das coisas materiais pela palavra Wirklichkeit (de wirken, agir), termo muito mais expressivo do que Realität (realidade). Aquilo sobre o que a matéria age é sempre a matéria; a sua realidade e a sua essência consistem portanto unicamente na modificação produzida regularmente por uma das suas partes sobre uma outra; mas esta é uma realidade relativa: as relações que a constituem, aliás, são válidas apenas nos próprios limites do mundo material, exatamente como o tempo. Se o tempo e o espaço podem ser conhecidos por intuição, cada um em si e independentemente da matéria, esta, pelo contrário, não poderá ser apercebida sem eles. Por um lado, a própria forma da matéria, que não podemos separar, pressupõe o espaço; e, por outro lado, a sua atividade, que é todo o seu ser, implica sempre qualquer mudança, isto é, uma determinação do tempo. Mas a matéria não tem como condição o tempo e o espaço considerados separadamente; é a combinação deles que constitui a sua essência, residindo esta inteiramente, como o demonstramos, na atividade e na causalidade. Com efeito, todos os fenômenos e todos os estados possíveis, que são inumeráveis, poderiam, sem se incomodarem mutuamente, coexistir no espaço infinito, e, por outro lado, sucederem-se sem dificuldade na infinitude do tempo; daí que se torne inútil e mesmo inaplicável uma relação de dependência recíproca e uma lei que determinasse os fenômenos de acordo com esta relação necessária: assim, nem esta justaposição no es paço nem esta sucessão no tempo são suficientes para engendrar a causalidade, enquanto cada uma das duas formas permanecer isolada e se desenvolver independentemente da outra. Ora, constituindo a causalidade a própria essência da matéria, se a primeira não existisse, a segunda desapareceria também. Para que a lei da causalidade conserve todo o seu significado e necessidade, a mudança efetuada não deve limitar-se a uma simples transformação dos diversos estados considerados em si mesmos: é preciso, antes de mais nada, que, num determinado ponto do espaço, tal estado exista agora e um outro a seguir, é preciso, além disso, que, num momento determinado, tal fenômeno se produza aqui e um outro acolá. É apenas graças a esta limitação reciproca do tempo e do espaço um pelo outro que a lei que regula a mudança se torna inteligível e necessária. Aquilo que a lei da causalidade determina não é, portanto, a simples sucessão dos estados no próprio tempo, mas no tempo considerado em relação a um espaço dado; por outro lado, também não é a presença dos fenômenos num certo lugar, mas a sua presença nesse ponto num instante marcado. A mudança, isto é, a transformação de estado, regulada pela lei da causalidade, liga-se então, em cada caso, a uma parte do espaço e a uma parte correspondente do tempo, dados simultaneamente. É, pois, a causalidade que forma a ligação entre o tempo e o espaço. Ora, já vimos que toda a essência da matéria consiste na atividade, em outras palavras, na causalidade; daqui resulta que o espaço e o tempo coexistem, assim, na matéria; esta deve, portanto, reunir na sua oposição as propriedades do tempo e do espaço, e conciliar (coisa impossível em cada uma das duas formas isoladas da outra) a fuga inconstante do tempo com a invariável e rígida fixidez do espaço. Quanto à divisibilidade infinita, a matéria recebe-a dos dois; é graças a esta combinação que se torna possível, antes de mais nada, a simultaneidade; esta não poderia existir nem só no tempo, que não admite justaposição, nem no espaço puro, em relação ao qual não há antes como depois ou agora. Mas a verdadeira essência da realidade é precisamente simultaneidade de vários estados, simultaneidade que produz, antes de mais nada, a duração; esta, com efeito, apenas é inteligível pelo contraste entre aquilo que muda e aquilo que permanece; do mesmo modo, é a antítese do permanente e do variável que caracteriza a mudança ou modificação na qualidade e na forma, ao mesmo tempo que a fixidez na substância, que é a matéria. Se o mundo existisse unicamente no espaço, seria rígido e imóvel: não haveria sucessão, nem mudança, nem ação; uma vez suprimida a ação, a matéria sê-lo-ia do mesmo modo. Se o mundo existisse unicamente no tempo, tudo se tornaria fugidio; então, não haveria permanência, nem justaposição, nem simultaneidade, e, por consequência, não haveria duração; também não haveria matéria como há pouco. É da combinação do tempo e do espaço que resulta a matéria, que é a possibilidade da existência simultânea; a duração também daí deriva e torna possível, por sua vez, a permanência da substância sob a mudança dos estados. A matéria, ao existir como resultado da combinação do tempo e do espaço, conserva sempre a marca dupla. A realidade que ela retira do espaço é atestada, antes de mais nada, pela forma que lhe é inerente; em seguida, e, sobretudo, pela sua permanência ou substancialidade: a mudança, com efeito, apenas pertence ao tempo, que, considerado em si mesmo e na sua pureza, não tem nada de estável; a permanência da matéria não é, pois, certa a priori a não ser na medida em que ela assenta na do espaço. A matéria, por outro lado, assemelha-se ao tempo pela qualidade (ou acidente), sem a qual não poderia aparecer; e esta qualidade consiste sempre na causalidade, na ação exercida sobre uma outra matéria, por conseguinte na mudança que faz parte da noção de tempo. Esta ação, contudo, apenas é possível, de direito, com a condição de se relacionar simultaneamente com o espaço e o tempo, e retira daí toda a sua inteligibilidade. A determinação do estado que deve necessariamente existir em certo lugar, em certo momento dado, eis ao que se limita a jurisdição da lei da causalidade. É porque as qualidades essenciais da matéria derivam das formas do pensamento conhecidas a priori que nós determinamos também a priori certas propriedades: por exemplo, de encher o espaço; é a impenetrabilidade, que equivale à atividade; além disso, a extensão, a divisibilidade infinita, a permanência que não é senão a indestrutibilidade; enfim, a mobilidade; quanto ao peso, talvez convenha (o que aliás não constitui uma exceção à doutrina) relacioná-lo com o conhecimento a posteriori e isso apesar da opinião de Kant que, nos Primeiros princípios metafísicos da ciência natural, o coloca entre as propriedades conhecíveis a priori.
— O Mundo como Vontade e Representação by Arthur Schopenhauer (Page 15 - 17)