Miguel Medeiros quoted A conquista da felicidade (Coleção Clássicos de Ouro)
Todos os grandes livros contêm partes aborrecidas e todas as grandes vidas contaram com períodos sem nenhum interesse. Imaginemos um moderno editor norte-americano a quem apresentassem o Antigo Testamento como se fosse um manuscrito novo, que ele vê pela primeira vez. Não é difícil imaginar quais seriam seus comentários, por exemplo, acerca das genealogias. “Meu senhor, está faltando garra neste capítulo. Não posso crer que o senhor ache que os leitores vão se interessar por uma simples lista de nomes próprios de pessoas a cujo respeito não se conta quase nada”, diria ele. “Reconheço que o começo da história tem bastante estilo — e isso me impressionou favoravelmente —, mas o senhor me parece obcecado com a ideia de contar tudo.” E continuaria: “Saliente os momentos importantes, elimine o supérfluo e traga-me novamente os originais quando os houver reduzido a um tamanho razoável.” Isto diria o editor moderno, sabendo que o leitor atual receia enfadar-se. E teria igual comportamento para com a obra de Confúcio, com o Corão, com O capital, de Marx, e com todos os livros consagrados que já venderam milhões de exemplares. E isso não se aplica apenas aos livros consagrados. Todos os melhores romances contêm páginas aborrecidas. Um romance que lance chamas da primeira à última página não será certamente um romance muito bom.
— A conquista da felicidade (Coleção Clássicos de Ouro)