Como já foi dito muitas vezes, a lógica geral abstrai de todo conteúdo do conhecimento e espera que, partindo de outro lugar, seja qual for, a ela sejam fornecidas representações para que as transforme em conceitos, o que se processa analiticamente. Ao contrário, a lógica transcendental possui um múltiplo de sensibilidade disposto a priori diante de si, a ela oferecido pela estética A77 transcendental, para suprir de uma matéria os conceitos puros do entendimento, sem a qual seriam destituídos de qualquer conteúdo e, portanto, totalmente vazios. Ora, espaço e tempo contêm um múltiplo de intuição a priori pura, mas pertencem, entretanto, às condições de receptividade de nossa mente, sob as quais exclusivamente pode ela acolher representações de objetos e, portanto, devem sempre também afetar o conceito destes. Somente a espontaneidade de nosso pensamento exige que esse múltiplo comece por ser percorrido, assumido e combinado para que a partir dele seja produzido um conhecimento. Chamo de síntese essa ação.
Entendo, B103 porém, por síntese, no seu sentido mais geral, a ação241 de combinar entre si diferentes representações e compreender sua multiplicidade em um conhecimento. Uma tal síntese é pura quando o múltiplo não é dado empiricamente, mas a priori (como no espaço e no tempo). Antes de toda análise de nossas representações, devem ser estas primeiramente dadas, nenhum conceito podendo surgir analiticamente se se tratar do conteúdo. A síntese de um múltiplo, porém (seja dado empiricamente ou a priori), começa por produzir um conhecimento, o qual decerto pode ser inicialmente ainda tosco e confuso e, assim, carente de análise; apesar disso, é somente a síntese que propriamente colhe os elementos A78 para os conhecimentos e os associa em um certo conteúdo; consequentemente, é a primeira coisa à qual temos que dar atenção se quisermos julgar sobre a origem primordial de nosso conhecimento.
A síntese em geral é, como veremos na sequência, o mero efeito da imaginação,242 de uma função cega, embora imprescindível, da alma, sem a qual não teríamos absolutamente qualquer conhecimento, mas da qual apenas raramente estamos conscientes. Contudo, produzir conceitos a partir dessa síntese é uma função que cabe ao entendimento,243 e mediante a qual ele nos provê pela primeira vez de conhecimento no sentido próprio.
Ora, B104 a síntese pura, geralmente representada, produz o conceito puro do entendimento. Entretanto, entendo por essa síntese aquilo que se apoia em um fundamento de unidade sintética a priori: assim, nossa numeração (sobretudo como é de se notar nos números maiores) é uma síntese segundo conceitos, visto que ocorre de acordo com um fundamento comum de unidade (por exemplo, a década). Por conseguinte, sob esse conceito a síntese do múltiplo se torna necessária.
— Crítica da Razão Pura by Immanuel Kant (Page 104 - 105)