Nosso conhecimento nasce de duas fontes fundamentais da mente, sendo a primeira o receber representações (a receptividade das impressões), enquanto a segunda, a faculdade de conhecer um objeto por meio dessas representações (espontaneidade dos conceitos); através da primeira, um objeto nos é dado, ao passo que, através da segunda, este é pensado em relação àquela representação (como mera determinação da mente). Assim, intuição e conceitos constituem os elementos de todo nosso conhecimento, do que resulta que nem conceitos sem intuição que de algum modo lhes corresponda, nem intuição sem conceitos podem produzir conhecimento. Ambos são ou puros ou empíricos. São empíricos quando a sensação (a qual pressupõe a presença real do objeto) está nele contida; são, porém, puros quando nenhuma sensação está mesclada à representação. Pode-se chamar estes últimos de matéria do conhecimento sensível. B75 Consequentemente, a intuição pura contém apenas a forma em que algo A51 é intuído, e o conceito puro somente a forma do pensar um objeto em geral. Somente intuições ou conceitos puros são possíveis a priori, enquanto empíricos somente a posteriori.
Se chamarmos de sensibilidade a receptividade de nossa mente para receber representações na medida em que é ela afetada de algum modo, então, pelo contrário, a faculdade de produzir, ela mesma, representações, ou a espontaneidade do conhecimento, é o entendimento.173 Nossa natureza é tal que a intuição nunca pode ser outra coisa senão sensível, isto é, tudo que ela contém é o modo no qual somos afetados pelos objetos. Pelo contrário, a faculdade para pensar o objeto sensível da intuição sensível é o entendimento. Nenhum desses atributos174 deve ser preferido em relação aos outros. Sem sensibilidade, nenhum objeto nos seria dado, e, sem entendimento, nenhum seria pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios, intuições sem conceitos são cegas.175 Daí é tão necessário tornar seus conceitos176 sensíveis (isto é, adicionar a eles o objeto na intuição) quanto tornar suas intuições compreensíveis (isto é, submetê-las aos conceitos). Ambas essas faculdades, ou capacidades,177 ademais, não podem permutar suas funções. O entendimento não é capaz de intuir coisa alguma, ao passo que os sentidos não são capazes de pensar nada. O conhecimento só pode nascer de sua associação.178 B76 Não se deve, porém, em virtude disso, confundir suas participações, A52 havendo, sim, grandes motivos para separá-los entre si cuidadosamente, e distingui-los. Daí distinguirmos a ciência das regras da sensibilidade em geral, isto é, a estética, da ciência das regras do entendimento em geral, isto é, a lógica.
— Crítica da Razão Pura by Immanuel Kant (Page 86 - 87)