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Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling: Brasil (Companhia das Letras) No rating

Aliando texto acessível e agradável, vasta documentação original e rica iconografia, Lilia Moritz Schwarcz e …

Passados os primeiros tempos das notícias desencontradas e de tantos boatos, foi preciso garantir o achado e impedir os ataques estrangeiros. Tinha-se que povoar e colonizar a terra, mas também encontrar algum tipo de estímulo econômico. Além de papagaios e macacos, havia à disposição apenas uma “madeira de tingir”, conhecida no Oriente como boa especiaria, e que poderia alcançar altos preços na Europa. Assim, logo depois da viagem de Cabral outras expedições portuguesas alçaram velas para explorar o novo território e extrair a planta nativa.

O pau-brasil era originalmente chamado “ibirapitanga”, nome dado pelos índios Tupi da costa a essa árvore que dominava a larga faixa litorânea. Alcançando até quinze metros, a espécie apresentava troncos, galhos e vagens cobertos por espinhos. A madeira era muito utilizada na construção de móveis finos, e de seu interior extraía-se uma resina avermelhada, boa para o uso como corante de tecidos. Calcula-se que na época existiam 70 milhões de espécimes, logo dizimados pelo extrativismo feito à base do escambo e a partir do trabalho da população nativa. Já nos anos 900 d.C. o produto podia ser encontrado nos registros das Índias Orientais, em meio a uma série de plantas que possibilitavam a produção de um corante vermelho. Tanto a madeira como o corante eram conhecidos por diferentes nomes — “brecillis”, “bersil”, “brezil”, “brasil”, “brazily” —, sendo todos derivados do nome latino “brasilia”, cujo significado é “cor de brasa” ou “vermelho”. Na Europa, o primeiro registro do desembarque de uma “kerka de bersil” data de 1085, na França. Já Américo Vespúcio, na expedição de Gaspar de Lemos de 1501, anota a presença da rica madeira na embarcação.

E é em 1502 que tem início a exploração mais sistemática do pau-brasil por colonizadores portugueses, a qual, a despeito de ser atribuído à madeira valor inferior ao das mercadorias orientais, gerou grande interesse: por vias tortas voltávamos ao comércio de especiarias. A Coroa portuguesa logo declarou sua exploração um monopólio real, portanto a atividade só poderia ser desenvolvida mediante pagamento de imposto. A primeira concessão foi feita em 1501 a Fernando de Noronha, o qual recebeu também uma ilha, a ilha de São João, que mais tarde seria convertida em capitania e ganharia o nome do donatário. O trabalho era executado a partir da mão de obra indígena, por meio da prática de escambo. Os indígenas cortavam as árvores e as levavam até os navios portugueses ancorados à beira-mar, e em troca obtinham facas, canivetes, espelhos, pedaços de tecido e outras quinquilharias. Em 1511 dá-se a primeira exportação do pau-brasil para Portugal na nave Bretoa, que saiu da Bahia com destino a Lisboa. E lá se foram 5 mil toras de madeira, macacos, saguis, gatos, muitos papagaios e quarenta indígenas que atiçaram a curiosidade europeia.

Desde 1512, com a introdução do produto no mercado internacional, o termo “Brasil” passou a designar oficialmente a América portuguesa. Alguma flutuação na nomenclatura continuou a existir, muitas vezes combinando-se os nomes: Terra Sante Crusis de lo Brasil e del Portugal. Detrás do impasse terminológico residia, entretanto, uma disputa mais complexa, entre o poder secular e o espiritual. A cruz erguida naquele ermo local teria durado pouco e o demônio é que reinaria na nova terra. Diziam inconformados os cronistas cristãos que, à medida que aumentavam os carregamentos e o comércio, interesses materiais venciam por sobre o lenho onde morrera Jesus. João de Barros, por exemplo, lamentava que se desse mais importância “ao nome de um pau que tinge panos” do que ao “daquele pau que deu tintura a todos os sacramentos por que fomos salvos, pelo sangue de Cristo que nele foi derramado”.

Começava então uma disputa entre o sangue derramado de Cristo e o vermelho da tintura, que seria crescentemente associado ao diabo, sobretudo a partir da obra de Pero de Magalhães Gândavo, provavelmente um copista português da Torre do Tombo, autor de História da província de Santa Cruz. Gândavo defendia a volta do primeiro nome, afirmando que fora obra do demônio buscar extinguir a memória de Santa Cruz. Mas a querela ia ficando meio desgastada, pois a colonização se impunha e tentava aglutinar o sentido mercantil à tarefa religiosa, missionária e catequética. O diabo continuava presente, mas a luta era santa também. A ambiguidade se instituiu nessa contenda acerca do nome, a qual projetava outras inquietações que se abatiam sobre a nova colônia.

Brasil by , (Page 31 - 33)