Miguel Medeiros quoted Batismo de sangue by Frei Betto
Expliquei-lhe que o cristianismo é essencialmente transformador e essa revolução não se limita à história, culmina na transcendência. Jesus anunciou o Reino de Deus, a transformação radical deste mundo, segundo o projeto libertador do Pai. Onde há justiça, liberdade e amor, aí estão as sementes do Reino. O cristão, como discípulo de Cristo, não tem outro compromisso senão com o Espírito que nos anima na direção dessa esperança. A fé desmascara, à luz da palavra de Deus, o discurso ideológico dos dominadores. Jesus assume a identidade dos oprimidos, e neles quer ser amado e servido: “Tive fome e me destes de comer. Tive sede e me destes de beber. Era forasteiro e me recolhestes. Estive nu e me vestistes, doente e me visitastes, preso e viestes ver-me”(Mateus 25, 35-36). Servir à causa de libertação dos pobres é servir a Cristo. Mas uma parte da Igreja afastou-se historicamente da proposta evangélica. Trocou a aliança com o povo pela aliança com o poder. E o capital simbólico de nossa fé foi apropriado pelos opressores. O cristianismo passou a ser o espírito religioso do liberalismo. Deus, porém, não abandonou o seu povo. O Concílio Vaticano II e a Conferência Episcopal de Medellín eram prenúncios de uma Igreja convertida às suas origens. Na América Latina, a religião cristã não seria mais o ópio do povo e o ócio da burguesia. Seria, sim, sinal de contradição, pedra de escândalo, fogo que queima e alumia, espada que divide. Já não se poderia servir a Deus e ao dinheiro
Falei-lhe dos místicos, esses homens e mulheres capazes de se deixar subverter pela graça do Espírito. Essa revolução interior é tão importante – e difícil – como a que se busca no âmbito social e político. Ela faz surgir o homem e a mulher novos, livres dos demônios opressores que nos habitam. Nesse aspecto, o marxismo parecia-me insuficiente, não chegara a elaborar uma proposta de revolução de subjetividade humana. Acentuava demasiadamente a objetividade, quase identificando o homem com sua atividade produtiva.
— Batismo de sangue by Frei Betto (Page 103 - 104)