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Peter Kropotkin: O Princípio anarquista e outros ensaios (Paperback, Português language, Editora Hedra) No rating

Além do artigo que intitula a presente edição, publicado em 1913, a edição abrange os …

Ora, consideremos um operário, supondo-o um dos mais favorecidos, ganhando relativamente bem, sem jamais ter ficado desempregado ou enfermo; esse operário poderá viver uma vida confortável que deveria ser assegurada a todos aqueles que produzem, satisfazer todas as suas necessidades físicas e intelectuais, enquanto trabalha? Sejamos francos, mal poderá satisfazer um centésimo de suas necessidades, e das mais limitadas; será preciso que ele as reduza ainda mais se quiser economizar alguns centavos para seus dias de velhice. E qualquer que seja sua parcimônia, nunca conseguirá economizar o bastante para viver sem fazer nada. As economias feitas no período produtivo mal chegarão a compensar o déficit que a velhice traz, se não lhe bastam heranças ou qualquer outra renda inesperada que nada tem a ver com o trabalho. Para um desses trabalhadores privilegiados, é preciso quantos miseráveis que não têm o que comer para saciar a fome!? E ainda o desenvolvimento do industrialismo e do equipamento mecânico tendem a aumentar o número de desempregados, a diminuir o número dos operários abastados. * * * Agora, suponhamos que o trabalhador abastado, em vez de continuar a aplicar suas economias em quaisquer valores, ao reunir certa soma, passe trabalhar por conta. Na prática, o operário sozinho quase não existe isoladamente. O pequeno patrão, com dois ou três operários, vive, talvez, um pouco melhor que eles, todavia, perseguido incessantemente pelos prazos, não pode esperar por qualquer melhoria, já se dá por feliz se consegue manter-se em seu bem-estar relativo e evitar a falência. Os altos lucros, as grandes fortunas, a vida nababesca são reservadas aos grandes proprietários, aos grandes acionistas, aos grandes usineiros, aos grandes especuladores que não trabalham mas ocupam os operários às centenas. O que prova que o capital é trabalho acumulado, mas o trabalho dos outros acumulado nas mãos de um único é roubo. De tudo isso conclui-se claramente que a propriedade individual só é acessível àqueles que exploram seus semelhantes. A história da humanidade demonstra-nos que essa forma de propriedade não é a mesma das primeiras associações humanas, que ocorreu apenas muito tarde em sua evolução, quando a família começou a liberar-se da promiscuidade, que a propriedade individual começou a mostrar-se na propriedade comum ao clã, à tribo. Isso em nada provaria sua legitimidade se essa apropriação pudesse ser operada de modo não arbitrário e demonstrar aos burgueses — que quiseram fazer disso um argumento em seu favor, sustentando que a propriedade sempre foi o que é hoje — que esse argumento não tem mais valor aos nossos olhos. * * * De resto, aqueles que vituperam tanto contra os anarquistas, que reivindicam a força para despossuí-los, puseram nisso tantas formas para despossuir a nobreza em 1789 e frustrar os camponeses que se haviam colocado ao trabalho enforcando os hobereaux,3 destruindo os títulos de nobreza, apoderando-se dos bens senhoriais? Os confiscos e as vendas fictícias, ou a preços irrisórios, que eles praticaram tiveram por objetivo despojar os possuidores primordiais, e os camponeses que esperavam sua parte disso, para açambarcar-lhes seu lucro? Não se permitiram isso pelo simples direito da força que eles mascararam e sancionaram por comédias legais? Essa espoliação não foi mais iníqua — admitindo que a que exigimos o seja, o que não é — porquanto não foi feita em proveito da coletividade, e só contribuiu para enriquecer alguns traficantes que se apressaram a fazer a guerra aos camponeses que se haviam lançado ao assalto dos castelos, fuzilando-os e tratando-os de bandoleiros? Os burgueses são, portanto, inoportunos ao gritar roubo quando se quer forçá-los a restituir, pois sua propriedade é apenas o fruto de um roubo.

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