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Ailton Krenak: Futuro ancestral (Paperback, Português language, Companhia das Letras) No rating

A ideia de futuro por vezes nos assombra com cenários apocalípticos. Por outras, ela se …

José Mujica, ex-presidente do Uruguai, diz que estamos substituindo a ideia de cidadão pela experiência de consumidor, e assim o mundo passa a ser habitado por clientes — alguns preferenciais. Para completar o circo, tem um monte de gente querendo viver eternamente: pessoas que morrem de medo de morrer. A borboleta morre, o passarinho vem voando, bate a cara aqui e morre, a abelha se reproduz e morre, a bananeira cresce, dá banana e morre… Nós somos os únicos chatos do planeta que querem prevalecer na face da Terra a todo custo e, claro, não entrar na lista de extinção de jeito nenhum. Tem uma frase interessante que é atribuída ao Einstein: “A vida começou aqui na Terra sem os humanos e pode terminar sem nós”. Esse pode é um cuidado lá dele, de não detonar de vez a bomba. Já eu sou mais arrogante e digo que a vida começou sem os humanos e vai acabar sem a gente. Não somos os donos da chave nem seremos os últimos a sair. Aliás, acho antes que seremos postos para fora — por incompetência, inadimplência, abuso e todo tipo de prevaricação em que a gente se meteu em favor da ideia de prolongar nossa própria vida. A cidade em si é uma tentativa de fazer isso ad aeternum. Vai ver é por isso que chamaram Roma de “a cidade eterna”. É muito bonito esse título, mas o que será que se esconde por trás dele? Não será justamente esse desejo insistente dos humanos de quererem se perpetuar no planeta? Roma foi um império muito duradouro e fundou uma boa parte dos elementos que constituem nosso repertório urbano, que foi sendo calibrado nesse longo período de prepotência humana. Os romanos mesmo resolveram governar o mundo por decreto, a partir da vontade de um cara chamado César, a quem deram plenos poderes: matava, degolava, queimava, arregaçava tudo e depois se resolvia com Deus, que era o chefe dele. Sei lá que Deus era esse, a questão fundamental é que começamos a imitar esse modelo e espalhamos cidades pelo mundo inteiro.

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