Miguel Medeiros quoted Brasil by Lilia Moritz Schwarcz
Na Fazenda Santa Cruz, que pertencia à monarquia e distava sessenta quilômetros da cidade, “forneciam-se” produtos agrícolas mas também “artistas clássicos”: todos negros. Os escravos dessa propriedade, além de trabalharem nas lavouras, eram iniciados na música sacra, formando corais e tocando instrumentos. Esses músicos foram ganhando fama, e a escola recebeu a denominação de Conservatório de Santa Cruz. Embora a fazenda estivesse passando por um processo de decadência financeira, os mestres nunca pararam de exercer seu ofício, e a escola de música granjearia novo impulso com d. João. Em 1817 o prédio foi reformado, e a capela, redecorada, prevendo-se apresentações da orquestra e do coral. Ademais, Santa Cruz tornou-se a residência de verão da família real e sede de solenidades. Os músicos escravos dedicavam muito tempo ao estudo teórico e à prática instrumental, sob orientação de mestres como o próprio José Maurício. Costume inaugurado pelo príncipe regente, os artistas de Santa Cruz seriam constantemente “emprestados” para integrar a orquestra, o coral ou a banda do Paço de São Cristóvão e da Capela Real. Tocavam rabecas, violoncelos, clarinetas, rabecões, flautas, fagotes, trombones, trompas, pistons, requintas, bumbos, flautins de ébano; executavam marchas militares e patrióticas, valsas, modinhas, quadrilhas. Também apresentavam óperas. D. João, amante da música, comparecia ao teatro, nos dias de gala, e às vezes adormecia. Acordava então assustado e perguntava a um de seus fiéis camareiros: “Já se casaram os patifes?”.
— Brasil by Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling (Page 186 - 187)