Miguel Medeiros quoted Brasil by Lilia Moritz Schwarcz
A imigração italiana ajuda a entender a associação dos trabalhadores brasileiros com o anarquismo — força política hegemônica no movimento operário italiano —, pelo menos em São Paulo. E, reza a boa tradição revolucionária, um anarquista italiano, ao imigrar, transformava-se num missionário dos ideais libertários. Os ideais desse grupo também desembarcaram na bagagem dos imigrantes espanhóis e portugueses, os quais assumiram papel decisivo na orientação política do movimento operário que crescia igualmente no Rio de Janeiro e em Minas Gerais. Anarquista é aquele que se propõe a criar uma sociedade sem Estado, formada por comunidades autogeridas cujo cotidiano é orientado pelos princípios da liberdade, da livre experimentação, da solidariedade e da fraternidade. No Brasil, os anarquistas se organizaram entre os operários através de associações de luta e de reivindicações — voltadas para a propaganda, melhoria das condições de vida do trabalhador e do seu acesso à educação. Criaram diversas publicações — O Amigo do Povo, A Voz do Trabalhador, A Terra Livre, A Plebe, A Lanterna — e utilizaram a greve como principal arma de mobilização e combate. Também se dividiram entre duas correntes. Os anarcossindicalistas predominaram em São Paulo e apostavam nas associações como principal espaço de atuação política. Já os anarcocomunistas acreditavam na insurreição como caminho de ação revolucionária. Todos, porém, estavam de acordo num ponto: apenas através da ação direta e autônoma dos operários seria possível alcançar a abolição do capitalismo e a instauração da anarquia.
Não por coincidência, o período de 1906 a 1908 foi marcado por um crescimento no número de greves. A classe operária reagia às péssimas condições de trabalho — não havia restrição de idade ou tempo máximo de jornada diária —, assim como lutava por melhores salários e pela criação de órgãos de representação, como sindicatos e partidos. Crianças trabalhavam nas fábricas a partir de cinco anos de idade, sendo que menores chegavam a constituir metade do número total de operários empregados. O censo industrial de 1919 também assinala a existência de largo contingente de mão de obra feminina. A presença de crianças e mulheres nas fábricas levava à diminuição do nível médio dos salários, enquanto a carestia aumentava nos anos de guerra.
— Brasil by Lilia Moritz Schwarcz, Heloisa Murgel Starling (Page 335)