Miguel Medeiros quoted O tomismo by Etienne Gilson
Se nos atemos às partes da filosofia nas quais Santo Tomás mostra-se mais original, constatamos que elas são, em geral, limítrofes do território próprio da teologia. Chamá-las de "limítrofes” não é dizer o bastante; elas ai estão ancoradas. Não somente não tentamos nunca expor sua filosofia sem acionar livremente suas obras teológicas, mas é frequentemente nelas que buscamos a fórmula definitiva de seu pensamento a respeito da existência de Deus e seus atributos, da criação, da natureza humana e das regras da vida moral. Os Comentários de Santo Tomás a Aristóteles são-nos documentos muito preciosos, cuja perda seria deplorável. Todavia, se eles tivessem sido todos perdidos, as duas Sumas permitiriam ainda conhecer o que há de mais pessoal e de mais profundo em sua filosofia. Caso fossem as obras teológicas de Santo Tomás que tivessem sido perdidas e se os comentários a Aristóteles tivessem permanecido, estaríamos nós suficientemente bem informados sobre sua filosofia? Doutor cristão, Santo Tomás colheu de todos os lados elementos para levar a bom termo a tarefa que havia assumido. Para elaborar sua obra, ele extraiu tudo o que pôde utilizar de Aristóteles, mas também de Dionisio, o Pseudoareopagita, do Livro das causas, de Santo Agostinho, de Boécio, de Avicena, de Averróis. Não se pode, portanto, esquecer que ele não estudou Aristóteles senão para melhor preparar uma obra que, acima de tudo, era uma teologia. Donde ser possível estabelecer essa regra geral: as partes da filosofia tomista foram tanto mais profundamente elaboradas quanto mais elas interessavam diretamente à sua teologia. A teologia de Santo Tomás é a de um filósofo, mas sua filosofia é a de uma pessoa santa.
— O tomismo by Etienne Gilson (Page 13 - 14)