Back
Eduardo Galeano: As Veias Abertas da América Latina (Paperback, Português language, 2010, L&PM) No rating

Remontando a 1970, sua primeira edição, atualizada em 1977, quando a maioria dos países do …

Os turistas adoram fotografar os indígenas do altiplano vestidos com suas roupas típicas. Ignoram, por certo, que a atual vestimenta indígena foi imposta por Carlos III em fins do século XVIII. Os trajes femininos que os espanhóis obrigaram as índias a usar eram cópias dos vestidos regionais das lavradoras estremenhas, andaluzas e bascas, e outro tanto ocorre com o penteado das índias, repartido ao meio, imposto pelo vice-rei Toledo. O mesmo não ocorre com o consumo de coca, que não nasceu com os espanhóis: já existia no tempo dos incas. A coca, no entanto, era distribuída com parcimônia; o governo incaico a monopolizava e só permitia seu uso para fins rituais ou para o duro trabalho nas minas. Os espanhóis estimularam intensamente o consumo da coca. Era um esplêndido negócio. No século XVI, em Potosí, gastava-se tanto em roupas europeias quanto em coca para os oprimidos. Em Cuzco, 400 mercadores espanhóis viviam do tráfico de coca; nas minas de prata de Potosí entravam anualmente 100 mil cestos com 1 milhão de quilos de folhas de coca. A igreja arrecadava impostos da droga. O inca Garcilaso de la Vega nos conta, em seus “comentários reais”, que a maior parte da renda do bispo, dos cônegos e demais ministros da igreja de Cuzco provinha dos dízimos sobre a coca, e que o transporte e a venda deste produto enriqueciam muitos espanhóis. Com as escassas moedas que obtinham em troca do trabalho, os índios compravam folhas de coca em vez de comida: mastigando-as, podiam suportar melhor as mortais tarefas impostas, ainda que ao preço de abreviar a vida. Além da coca, os indígenas consumiam aguardente, e seus amos se queixavam da propagação de “vícios maléficos”. Nesta altura do século XXI, os indígenas de Potosí continuam mascando coca para matar a fome e se matar, e continuam queimando as tripas com álcool puro. São as estéreis desforras dos condenados. Nas minas bolivianas, os operários ainda chamam de mita o seu salário.

As Veias Abertas da América Latina by  (Page 73)