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Eduardo Galeano: As Veias Abertas da América Latina (Paperback, Português language, 2010, L&PM) No rating

Remontando a 1970, sua primeira edição, atualizada em 1977, quando a maioria dos países do …

O café trouxe consigo a inflação para o Brasil; entre 1824 e 1854, o preço de um homem se multiplicou por dois. Nem o algodão do Norte nem o açúcar do Nordeste, esgotados já os ciclos de prosperidade, podiam pagar aqueles caros escravos. O Brasil se deslocou para o Sul. Além da mão de obra escrava, o café usou os braços dos imigrantes europeus, que entregavam aos proprietários metade de suas colheitas, num regime a meias que ainda hoje prevalece no interior do Brasil. Os turistas que hoje em dia atravessam os bosques da Tijuca para ir nadar nas águas da Barra ignoram que ali, nas montanhas que cercam o Rio de Janeiro, houve grandes cafezais já faz mais de um século. Pelos flancos da serra, as plantações, em sua desesperada busca do húmus de novas terras virgens, rumaram para São Paulo. Já agonizava o século quando os latifundiários cafezistas, convertidos na nova elite social do Brasil, apontaram os lápis e fizeram as contas: os salários de subsistência eram mais baratos do que a compra e a manutenção dos escassos escravos. Aboliu-se a escravidão em 1888, e assim se inauguraram as formas combinadas de servidão feudal e trabalho assalariado que persistem nos dias atuais. Legiões de braceiros “livres” acompanhariam, desde então, a peregrinação do café. O vale do rio Paraíba se tornou a zona mais rica do país, mas logo foi devastado por essa planta perecedoura que, cultivada num sistema destrutivo, ia deixando em seu rastro matas arrasadas, reservas naturais esgotadas e uma decadência geral. A erosão arruinava sem piedade as terras anteriormente intatas, e de saque em saque ia baixando seus rendimentos, debilitando as plantas e tornando-as vulneráveis às pragas. O latifúndio cafezista invadiu a vasta meseta purpúrea a ocidente de São Paulo; com métodos de exploração menos bestiais, transformou-a num “mar de café”, e continuou avançando para oeste. Chegou às ribeiras do Paraná; colidindo com as savanas do Mato Grosso, desviou-se para o sul e, nos últimos anos, retomou a marcha para o oeste, já ultrapassando as fronteiras do Paraguai.

As Veias Abertas da América Latina by  (Page 134 - 135)