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Eduardo Galeano: As Veias Abertas da América Latina (Paperback, Português language, 2010, L&PM) No rating

Remontando a 1970, sua primeira edição, atualizada em 1977, quando a maioria dos países do …

A estrutura do atraso do campo latino-americano opera também como uma estrutura do desperdício: desperdício da força de trabalho, da terra disponível, dos capitais, do produto e, sobretudo, desperdício das esquivas oportunidades históricas de desenvolvimento. O latifúndio e seu parente pobre, o minifúndio, constituem, em quase todos os países latino-americanos, o gargalo da garrafa que estrangula o crescimento agropecuário e o desenvolvimento de toda a economia. O regime da propriedade imprime sua marca no regime da produção: 1,5 por cento dos proprietários agrícolas latino-americanos possui a metade das terras cultiváveis, e a América Latina gasta anualmente mais de 500 milhões de dólares para comprar no estrangeiro alimentos que facilmente poderia produzir em suas imensas e férteis terras. Apenas 5 por cento da superfície total está cultivada: a mais baixa proporção do mundo e, portanto, o maior desperdício[1]. De resto, nas escassas terras cultivadas os rendimentos são muito baixos. E as técnicas modernas de produção, virtual monopólio das grandes empresas agrícolas, em sua maioria estrangeiras, são empregadas de tal modo que em vez de ajudar os solos os envenenam para ganhar o máximo num mínimo de tempo.[2]

O latifúndio integra, às vezes como Rei Sol, uma constelação de poder que, na feliz expressão de Maza Zavala, multiplica os famintos, mas não os pães[3]. Em vez de absorver mão de obra, o latifúndio a expulsa: em 40 anos, os trabalhadores latino-americanos do campo foram reduzidos em mais de 20 por cento. Sobram tecnocratas dispostos a afirmar, aplicando mecanicamente receitas prontas, que este é um índice de progresso: a urbanização acelerada, a migração massiva da população campesina. Os desempregados, que o sistema vomita sem descanso, de fato migram para as cidades, aumentando seus subúrbios. Mas as fábricas, que também segregam desempregados na medida em que se modernizam, não oferecem oportunidades a essa mão de obra excedente e não especializada. Os progressos tecnológicos do campo, quando ocorrem, agravam o problema. Crescem os lucros dos terras-tenentes quando são implementados meios mais modernos de exploração de suas propriedades, mas mais braços resultam inativos e se torna maior a brecha que separa ricos e pobres. A introdução de equipamentos motorizados, por exemplo, elimina mais empregos rurais do que aqueles que cria. Os latino-americanos que produzem os alimentos, em jornadas de sol a sol, normalmente sofrem de desnutrição: seus ganhos são miseráveis, e a renda que o campo gera é gasta nas cidades ou viaja para o exterior. As melhores técnicas para aumentar os magros rendimentos do solo, e que deixam intato o regime de propriedade vigente, ainda que contribuam para o progresso geral, não representam nenhuma bênção para os camponeses. Não aumentam seus salários nem sua participação nas colheitas. O campo irradia pobreza para muitos e riqueza para bem poucos. Os aviões privados sobrevoam os desertos miseráveis, multiplica-se o luxo estéril nos grandes balneários e a Europa ferve de turistas latino-americanos transbordantes de dinheiro, que não cuidam do cultivo de suas terras mas não deixam de cuidar do cultivo de seus espíritos.

As Veias Abertas da América Latina by  (Page 171 - 173)