A estrutura do atraso do campo latino-americano opera também como uma estrutura do desperdício: desperdício da força de trabalho, da terra disponível, dos capitais, do produto e, sobretudo, desperdício das esquivas oportunidades históricas de desenvolvimento. O latifúndio e seu parente pobre, o minifúndio, constituem, em quase todos os países latino-americanos, o gargalo da garrafa que estrangula o crescimento agropecuário e o desenvolvimento de toda a economia. O regime da propriedade imprime sua marca no regime da produção: 1,5 por cento dos proprietários agrícolas latino-americanos possui a metade das terras cultiváveis, e a América Latina gasta anualmente mais de 500 milhões de dólares para comprar no estrangeiro alimentos que facilmente poderia produzir em suas imensas e férteis terras. Apenas 5 por cento da superfície total está cultivada: a mais baixa proporção do mundo e, portanto, o maior desperdício[1]. De resto, nas escassas terras cultivadas os rendimentos são muito baixos. E as técnicas modernas de produção, virtual monopólio das grandes empresas agrícolas, em sua maioria estrangeiras, são empregadas de tal modo que em vez de ajudar os solos os envenenam para ganhar o máximo num mínimo de tempo.[2]
O latifúndio integra, às vezes como Rei Sol, uma constelação de poder que, na feliz expressão de Maza Zavala, multiplica os famintos, mas não os pães[3]. Em vez de absorver mão de obra, o latifúndio a expulsa: em 40 anos, os trabalhadores latino-americanos do campo foram reduzidos em mais de 20 por cento. Sobram tecnocratas dispostos a afirmar, aplicando mecanicamente receitas prontas, que este é um índice de progresso: a urbanização acelerada, a migração massiva da população campesina. Os desempregados, que o sistema vomita sem descanso, de fato migram para as cidades, aumentando seus subúrbios. Mas as fábricas, que também segregam desempregados na medida em que se modernizam, não oferecem oportunidades a essa mão de obra excedente e não especializada. Os progressos tecnológicos do campo, quando ocorrem, agravam o problema. Crescem os lucros dos terras-tenentes quando são implementados meios mais modernos de exploração de suas propriedades, mas mais braços resultam inativos e se torna maior a brecha que separa ricos e pobres. A introdução de equipamentos motorizados, por exemplo, elimina mais empregos rurais do que aqueles que cria. Os latino-americanos que produzem os alimentos, em jornadas de sol a sol, normalmente sofrem de desnutrição: seus ganhos são miseráveis, e a renda que o campo gera é gasta nas cidades ou viaja para o exterior. As melhores técnicas para aumentar os magros rendimentos do solo, e que deixam intato o regime de propriedade vigente, ainda que contribuam para o progresso geral, não representam nenhuma bênção para os camponeses. Não aumentam seus salários nem sua participação nas colheitas. O campo irradia pobreza para muitos e riqueza para bem poucos. Os aviões privados sobrevoam os desertos miseráveis, multiplica-se o luxo estéril nos grandes balneários e a Europa ferve de turistas latino-americanos transbordantes de dinheiro, que não cuidam do cultivo de suas terras mas não deixam de cuidar do cultivo de seus espíritos.
— As Veias Abertas da América Latina by Eduardo Galeano (Page 171 - 173)