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Matthew P. Walker: Por Que Nós Dormimos (EBook, Portuguese language, 2018, Intrínseca) 4 stars

Como o sono pode melhorar nossa saúde, ajudar nos relacionamentos e nos fazer produzir e …

O ritmo circadiano de 24 horas é o primeiro dos dois fatores que determinam a vigília e o sono. O segundo é a pressão do sono. Neste exato momento, uma substância química chamada adenosina está se acumulando em seu cérebro. Sua concentração continuará aumentando a cada minuto de vigília que transcorre. Quanto mais tempo você passar acordado, mais adenosina será acumulada. Pense na adenosina como um barômetro químico que registra continuamente o tempo transcorrido desde que você acordou esta manhã.

Uma consequência do aumento do nível de adenosina no cérebro é o crescente desejo de dormir, conhecido como pressão do sono — ela é a segunda força que determina quando você se sente sonolento e, por isso, tem que se deitar. Recorrendo a um engenhoso efeito de dupla ação, concentrações elevadas de adenosina ao mesmo tempo baixam o “volume” de regiões promotoras do estado de vigília no cérebro e elevam o mostrador das regiões indutoras de sono. Em virtude dessa pressão química do sono, quando a concentração de adenosina chega ao pico, uma irresistível ânsia de dormir se apodera de você.5 Isso acontece com a maioria das pessoas depois que passam de doze a dezesseis horas acordadas.

Entretanto, é possível suprimir artificialmente o sinal de sono da adenosina utilizando uma substância química que faz você se sentir mais alerta e desperto: a cafeína. Ela não é um suplemento alimentar; pelo contrário, é o estimulante psicoativo mais consumido (e abusado) no mundo. É o segundo produto mais comercializado no planeta, perdendo apenas para o petróleo. O consumo de cafeína representa um dos mais longos e maiores estudos não supervisionados sobre o uso de drogas pela raça humana já conduzidos — e que talvez só tenha o álcool como rival — e perdura até hoje.

A cafeína derrota a adenosina pelo privilégio de se conectar aos locais de ligação da adenosina — ou receptores — no cérebro. No entanto, depois que ocupa esses receptores, a cafeína não os estimula como a adenosina faz, deixando você sonolento. Ao contrário, ela bloqueia e inativa os receptores, se comportando como um agente encobridor. É o equivalente de enfiar o dedo no ouvido para deixar de ouvir um som. Ao sequestrar e ocupar esses receptores, a cafeína bloqueia o sinal de sonolência normalmente transmitido ao cérebro pela adenosina. O resultado: ela engana você, fazendo com que se sinta alerta e desperto, apesar dos elevados níveis de adenosina que de outro modo o teriam induzido a dormir.

Os níveis de cafeína circulante chegam ao máximo cerca de trinta minutos após a administração oral. Contudo, o problema é a persistência da substância em seu sistema. Na farmacologia, usa-se a expressão “meia-vida” ao discutir a eficácia de uma droga. O termo se refere simplesmente ao tempo que o corpo leva para remover 50% da concentração de uma droga. A cafeína tem uma meia-vida média de cinco a sete horas. Digamos que você tome uma xícara de café após o jantar, por volta de sete e meia da noite. Isso significa que, à uma e meia da manhã, 50% da cafeína ainda pode estar ativa e circulando por todo o seu tecido cerebral. Em outras palavras, à uma e meia da manhã você estará apenas a meio caminho de completar a tarefa de limpar o cérebro da cafeína ingerida após o jantar.

Mas não há nada de benigno na marca de 50%. Meia dose de cafeína ainda é muito poderosa e resta ainda muito trabalho de decomposição pela frente ao longo de toda a noite antes que a substância seja eliminada por completo. O sono não virá facilmente ou será tranquilo no decorrer da noite enquanto seu cérebro luta contra a força contrária da cafeína. A maioria das pessoas não se dá conta de quanto tempo é necessário para superar uma única dose da substância e por isso não consegue estabelecer pela manhã o vínculo entre a má noite de sono e a xícara de café tomada dez horas antes no jantar.

A cafeína — que não é predominante apenas no café, em certos chás e muitas bebidas energéticas, mas também em alimentos como o chocolate meio-amargo e o sorvete, bem como comprimidos para emagrecer e analgésicos — é um dos culpados mais comuns por impedir que as pessoas adormeçam com facilidade e depois durmam profundamente, o que em geral é tido por insônia, um problema médico real. É importante também ter consciência de que descafeinado não significa não cafeinado. Uma xícara de café descafeinado contém de 15% a 30% da dose de uma xícara de café normal, o que está longe de ser isento de cafeína. Tomar de três a quatro xícaras de café descafeinado à noite é tão danoso para o seu sono quanto uma xícara de café normal.

Mas a “sacudida” do café uma hora desaparece. A cafeína é removida do seu sistema por uma enzima do fígado,6 que a degrada aos poucos. Devido em grande parte à genética,7 algumas pessoas têm uma versão mais eficiente da enzima que degrada a cafeína, permitindo que o fígado a retire depressa da corrente sanguínea. Esses raros indivíduos conseguem tomar um espresso após o jantar e adormecer rapidamente à meia-noite sem nenhum problema. Já os outros têm uma versão da enzima que age mais lentamente. Por isso, são muito sensíveis aos efeitos dessa substância — uma xícara de chá ou de café tomada de manhã terá efeito por grande parte do dia, e se eles tomarem uma segunda xícara, mesmo que no começo da tarde, terão dificuldade para dormir à noite. O envelhecimento também afeta a velocidade da remoção da cafeína: quanto mais velhos ficamos, mais tempo o cérebro e o corpo levam para eliminar a substância, e assim mais sensíveis nos tornamos à influência perturbadora da cafeína sobre o sono durante a velhice.

Se você está tentando permanecer acordado tarde da noite tomando cafeína, prepare-se para uma consequência desagradável quando o fígado conseguir expulsar a substância do seu organismo: um fenômeno comumente conhecido como “choque de cafeína”. Como um robô de brinquedo cujas baterias estão se esgotando, seus níveis de energia despencam depressa. Você tem dificuldade para funcionar e se concentrar, sentindo de novo uma forte sensação de sono.

Hoje sabemos o motivo. Durante todo o tempo em que a cafeína está em seu sistema, a substância química da sonolência bloqueada por ela (a adenosina) continua a se acumular. No entanto, o cérebro não está ciente dessa maré montante de adenosina estimuladora do sono já que a parede de cafeína que você criou a está escondendo. Mas, assim que o fígado acaba com essa barricada de cafeína, você sente uma reação violenta: é atingido pela sonolência que havia experimentado duas ou três horas atrás, antes de tomar a xícara de café, mais toda a adenosina extra que se acumulou nas horas transcorridas desde então. Quando os receptores ficam vazios graças à decomposição da cafeína, a adenosina volta depressa e os abafa. Quando isso acontece, você é assaltado por uma vontade fortíssima de dormir provocada pela adenosina — o “choque de cafeína” mencionado há pouco. A menos que consuma ainda mais cafeína para reduzir o peso da adenosina, o que iniciaria um ciclo de dependência, você vai achar muito, muito difícil se manter acordado.

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