“Ha, ha, ha! Depois disso, o senhor encontrará prazer mesmo numa dor de dentes!”, exclamareis rindo. — Como não? Há prazer mesmo numa dor de dentes — respondo. — Tive dor de dentes um mês inteiro; sei o que é isto. Neste caso, naturalmente, a pessoa não se enfurece em silêncio, mas geme; no entanto, não são gemidos sinceros, são gemidos maldosos, e tudo consiste justamente nessa maldade. Nesses gemidos é que se expressa o prazer do sofredor; se não sentisse neles prazer, não iria sequer soltá-los. É um bom exemplo, meus senhores, e vou desenvolvê-lo. Nestes gemidos se expressa, em primeiro lugar, toda a inutilidade de vossa dor, humilhante para a nossa consciência; toda a legalidade da natureza, com a qual, naturalmente, pouco vos importais, mas que, apesar de tudo, vos faz sofrer, enquanto ela não sofre. Expressa-se neles a consciência de que não tendes um inimigo, mas a dor existe; a consciência de que, apesar de todos os Wahenheim (Em 1864 apareciam frequentemente nos jornais de São Petersburgo anúncios dos dentistas Wahenheim. (Nota de I. Z. Siérman para a edição soviética de 1956-1958.)), sois plenamente escravos dos vossos dentes; de que, se alguém quiser, os vossos dentes deixarão de doer, e, se não quiser, hão de doer uns três meses mais; finalmente, se ainda não concordais e mesmo assim protestais, resta-vos, para vosso consolo, dar uma surra em vossa própria pessoa ou esmurrar do modo mais doloroso o vosso muro, e absolutamente nada mais. Bem, é justamente por essas ofensas sangrentas, por essas zombarias, não se sabe da parte de quem, que começa por fim o prazer, que chega, às vezes, à suprema voluptuosidade. Peço-vos, senhores: prestai um dia atenção aos gemidos de um homem instruído do século XIX que sofra de dor de dentes, no segundo ou terceiro dia da afecção, por exemplo, quando ele já começa a gemer, não como o fazia no primeiro dia, isto é, não simplesmente porque lhe doam os dentes; não do modo como o faz algum rude mujique, mas como geme um homem atingido pelo desenvolvimento geral e pela civilização europeia, um homem “que renunciou ao solo e aos princípios populares” (Expressão muito em voga nos meios revolucionários russos na época, dos quais surgiria, poucos anos depois, o movimento populista. (N. do T.)), como se diz agora. Os seus gemidos tornam-se maus, perversos, vis, e continuam, dias e noites seguidos. E ele próprio percebe que não trará nenhum proveito a si mesmo com os seus gemidos. Melhor do que ninguém, ele sabe que apenas tortura e irrita a si mesmo e aos demais. Sabe que até o público, perante o qual se esforça, e toda a sua família já o ouvem com asco, não lhe dão um níquel de crédito e sentem, no íntimo, que ele poderia gemer de outro modo, mais simplesmente, sem garganteios nem sacudidelas, e que se diverte, por maldade e raiva. Pois bem, é justamente em todos esses atos conscientes e infames que consiste a volúpia. “Eu vos inquieto, faço-vos mal ao coração, não deixo ninguém dormir. Pois não durmais, senti vós também, a todo instante, que estou com dor de dentes. Para vós, eu já não sou o herói, que anteriormente quis parecer, mas simplesmente um homem ruizinho, um chenapan (Vagabundo, bandido, calhorda, em francês. (N. do T.)). Bem, seja! Estou muito contente porque vós me decifrastes. Senti-vos mal, ouvindo os meus gemidos ignobeizinhos? Pois que vos sintais mal; agora, vou soltar, em vossa intenção, um garganteio ainda pior...” Não compreendeis, mesmo agora, senhores? Não, ao que parece é preciso adquirir um profundo desenvolvimento, uma profunda consciência, para compreender todas as sinuosidades dessa volúpia! Estais rindo? Fico muito contente. Os meus gracejos, senhores, são naturalmente de mau gosto, desiguais, incoerentes, repassados de autodesconfiança. Mas isto realmente ocorre porque eu não me respeito. Pode porventura um homem consciente respeitar-se um pouco sequer?