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Фёдор Достоевский: Memórias do Subsolo (Paperback, Portuguese language, 2009, Editora 34)

Obra-prima da literatura mundial, esta pequena novela traz, em embrião, vários temas da fase madura …

Com efeito, o resultado direto e legal da consciência é a inércia, isto é, o ato de ficar conscientemente sentado de braços cruzados. Já aludi a isto há pouco. Repito, repito com insistência: todos os homens diretos e de ação são ativos justamente por serem parvos e limitados. Como explicá-lo? Do seguinte modo: em virtude de sua limitada inteligência, tomam as causas mais próximas e secundárias pelas causas primeiras e, deste modo, se convencem mais depressa e facilmente que os demais de haver encontrado o fundamento indiscutível para a sua ação e, então, se acalmam; e isto é de fato o mais importante. Para começar a agir, é preciso, de antemão, estar de todo tranquilo, não conservando quaisquer dúvidas. E como é que eu, por exemplo, me tranquilizarei? Onde estão as minhas causas primeiras, em que me apoie? Onde estão os fundamentos? Onde irei buscá-los? Faço exercício mental e, por conseguinte, em mim, cada causa primeira arrasta imediatamente atrás de si outra, ainda anterior, e assim por diante, até o infinito. Tal é, de fato, a essência de toda consciência, do próprio ato de pensar. E assim chegamos de novo às leis da natureza. E qual é, afinal, o resultado? Exatamente o mesmo. Lembrai-vos: ainda há pouco falei de vingança. (Provavelmente não atestastes nisso.) Já foi dito: o homem se vinga porque acredita que é justo. Quer dizer que ele encontrou a causa primeira, o fundamento: a justiça. Isto é, como ele está tranquilizado por todos os lados, vinga-se calmamente e com êxito, convicto de que pratica uma ação honesta e justa. Mas eu não vejo nisso justiça nem qualquer espécie de virtude; se começar a vingar-me, será unicamente por maldade. Esta, naturalmente, poderia sobrepujar tudo, todas as minhas dúvidas e, de fato, poderia funcionar com pleno êxito em lugar da causa primeira, e justamente por não ser a causa. Mas que fazer se não tenho sequer maldade? (Ainda há pouco foi assim mesmo que eu comecei.) O meu rancor, em virtude mais uma vez dessas execráveis leis da consciência, está sujeito à decomposição química. Quando se repara, o objeto volatiliza-se, as razões se evaporam, não se encontra o culpado, a ofensa não é mais ofensa, mas fatum, algo semelhante à dor de dentes, da qual ninguém é culpado, e, por conseguinte, resta mais uma vez a mesma saída, isto é, bater no muro, do modo mais doloroso. Assim, desiste-se, por não se ter encontrado a causa primeira. Mas experimenta apaixonar-te cegamente pelo teu sentimento, sem discussão, sem uma causa primeira, repelindo a consciência ao menos durante esse período. Odeia ou ama, apenas para não ficares sentado de braços cruzados. Depois de amanhã, o mais tardar, começarás a odiar-te, porque ludibriaste a ti mesmo, conscientemente. Resultado: uma bolha de sabão e a inércia. Ah, senhores, é possível que me considere um homem inteligente apenas porque, em toda a vida, não pude começar nem acabar coisa alguma. Admitamos que eu seja um tagarela, um tagarela inofensivo, magoado, como todos nós. Mas que fazer, se a destinação única e direta de todo homem inteligente é apenas a tagarelice, uma intencional transferência do oco para o vazio (Em russo, uma frase feita. (N. do T.))?

Memórias do Subsolo by