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Fyodor Dostoevsky: Memórias do Subsolo (Paperback, Portuguese language, 2009, Editora 34)

Obra-prima da literatura mundial, esta pequena novela traz, em embrião, vários temas da fase madura …

De fato, se a vontade se combinar um dia completamente com a razão, passaremos a raciocinar em vez de desejar, justamente porque não podemos, por exemplo, conservando o uso da razão, querer algo desprovido de sentido e, deste modo, ir conscientemente contra a razão e desejar aquilo que é nocivo a nós próprios... E visto que todas as vontades e todos os raciocínios podem ser realmente calculados — pois algum dia hão de se descobrir as leis do nosso suposto livre-arbítrio —, então, deixando-se de lado as brincadeiras, será possível elaborar uma espécie de tabela, e nós passaremos realmente a desejar de acordo com esta. Se, por exemplo, efetuados uns cálculos, me demonstrarem que, se eu fiz uma figa (Na Rússia, o gesto tem sentido ofensivo. (N. do T.)) a uma determinada pessoa, foi porque deveria fazê-lo, irremissivelmente, de tal ou qual modo, então o que sobrará de livre em mim, sobretudo se sou um sábio e terminei um curso de ciências em alguma parte? Neste caso, poderei calcular de antemão toda a minha vida, por um prazo de trinta anos; numa palavra, mesmo que isto se arranje, nada mais teremos a fazer; será preciso aceitar tudo, de qualquer modo. E, em geral, devemos repetir a nós mesmos, sem descanso, que, impreterivelmente, em tal momento e em tais circunstâncias, a natureza não nos consulta; que é preciso aceitá-la tal como ela é, e não como nós a imaginamos, e, se realmente ansiamos por uma tabela e um calendário, bem... e mesmo por uma retorta, neste caso — que fazer? — é preciso aceitar também a retorta! Senão, ela vai impor-se prescindindo de nós...

Memórias do Subsolo by