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C. S. Lewis: Como cultivar uma vida de leitura (Portuguese language, Thomas Nelson Brasil) No rating

Em Como cultivar uma vida de leitura ― coletânea que reúne escritos do abrangente acervo …

Circula por aí uma ideia estranha de que livros antigos, sobre qualquer assunto, devem ser lidos apenas por profissionais, e que os amadores devem contentar-se com livros modernos. Assim, descobri, ensinando literatura inglesa, que, se um aluno comum deseja aprender algo sobre o platonismo, a última coisa que ele pensa em fazer é procurar uma tradução de O Banquete, de Platão, na prateleira da biblioteca. Ele prefere ler um livro moderno e tedioso dez vezes mais comprido, cheio de “ismos” e influências, que só apresenta informações sobre o que Platão realmente falou mais ou menos a cada doze páginas. Tal erro é, de certa forma, aceitável, pois nasce da humildade. O aluno tem certo receio de se defrontar com um dos grandes filósofos face a face. Ele se sente inadequado e acha que não o entenderá. No entanto, desconhece que aquele grande homem, justamente por causa de sua grandeza, é muito mais inteligível do que seu comentarista moderno. O aluno mais simples consegue entender, se não tudo, grande parte do que Platão falou; em contrapartida, quase ninguém consegue entender certos livros sobre o platonismo. Sempre foi, portanto, um dos meus principais empenhos como professor persuadir os jovens de que o conhecimento de primeira mão é não apenas mais digno de ser adquirido do que o conhecimento de segunda mão, como também costuma ser muito mais fácil e mais agradável. Em nenhum outro lugar, a preferência equivocada por livros modernos e a timidez diante de livros antigos são mais exacerbadas do que na teologia. Quase sempre que nos deparamos com um pequeno grupo de estudos composto por cristãos leigos, podemos ter certeza de que eles estão estudando não Lucas, Paulo, Agostinho, Tomás de Aquino, Hooker[ 15 ] ou Butler[ 16 ], mas M. Berdyaev[ 17 ], M. Maritain[ 18 ], Niebuhr[ 19 ], Sayers[ 20 ] ou até eu mesmo. Ora, isso me parece estar às avessas. Naturalmente, uma vez que eu mesmo sou um escritor, meu desejo não é que o leitor comum pare de ler livros modernos. Porém, se ele tiver de escolher entre o novo e o antigo, minha recomendação é que ele leia o antigo. E eu lhe daria esse conselho justamente porque o leitor comum é um amador e, portanto, está muito menos protegido do que o especialista contra os perigos de uma dieta contemporânea exclusiva. Um livro novo ainda está em teste, e o amador não está em posição de julgá-lo. Ele tem de ser testado segundo o grande acervo do pensamento cristão formado ao longo dos séculos, e todas as suas implicações ocultas (das quais muitas vezes nem mesmo o próprio autor suspeita) têm de ser trazidas à luz. Muitas vezes, ele não pode ser compreendido sem o conhecimento proveniente de uma boa quantidade de outros livros modernos.

Como cultivar uma vida de leitura by  (Coleção Fundamentos)