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C. S. Lewis: Como cultivar uma vida de leitura (Portuguese language, Thomas Nelson Brasil) No rating

Em Como cultivar uma vida de leitura ― coletânea que reúne escritos do abrangente acervo …

Há duas formas de usufruir do passado, do mesmo modo como há duas maneiras de usufruir de um país estrangeiro. Um homem leva sua “inglesidade” consigo para o estrangeiro e a traz de volta, inalterada. Por onde quer que vá, associa-se com outros turistas ingleses; por “hotel bom”, quer dizer um estabelecimento que se assemelha a um hotel inglês. O turista desinteressado reclama do chá ruim de um lugar onde poderia ter tomado um café excelente. […] Entretanto, existe uma outra forma de viajar, assim como existe uma outra forma de ler. Você pode apreciar a comida local e o vinho local; pode partilhar da vida estrangeira; pode começar a ver o país estrangeiro conforme ele é, não para o turista, mas para o habitante local. Pode, enfim, voltar para casa transformado, pensando e sentindo de forma como nunca pensara e sentira antes. O mesmo acontece com a literatura. Podemos ir além da primeira impressão causada por um poema à nossa sensibilidade moderna. Estudando elementos extrínsecos ao poema, comparando-o com outros poemas e posicionando-nos no período de sua composição, penetramo-lo com um olhar mais próximo daquele dos nativos — talvez vendo, agora, que as associações que antes dávamos às palavras antigas eram falas; que as verdadeiras implicações são diferentes das que inicialmente supúnhamos; que aquilo que achávamos estranho era comum na época, e o que nos parecia comum era, para os padrões da época, estranho. […] [Parece-me] um desperdício do passado se nos contentarmos apenas em ver, na literatura das épocas que se foram, apenas o reflexo da nossa própria face.

Escrevo a fim de encorajar, se possível, o segundo tipo de leitura. Em parte, claro, por ter uma motivação histórica. Sou tanto ser humano quanto amante da poesia; e, sendo humano, sou inquiridor: quero tanto saber das coisas quanto usufruir delas. Mas ainda que a satisfação fosse o meu único objetivo, mesmo assim escolheria essa abordagem, esperando que ela me levasse a níveis ainda mais novos de satisfação, a coisas que eu jamais experimentaria em meu tempo — formas de sentimento, sabores, jornadas ao passado real. Apesar de já ter convivido comigo e com o meu século por sessenta anos, não sou tão apegado com um e com o outro a ponto de não desejar o vislumbre de um mundo que jaz além de ambos. Da mesma forma como as férias de um turista desinteressado me parecem um desperdício da Europa — pois ele deixa de aproveitar muito mais do que poderia ser explorado — assim também me parece um desperdício do passado se nos contentarmos apenas em ver, na literatura das épocas que se foram, apenas o reflexo da nossa própria face.

Como cultivar uma vida de leitura by  (Coleção Fundamentos)