Miguel Medeiros quoted Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno)
Em sua obra anterior, mais conhecida, História e consciência de classe, Lukács adotou uma abordagem diferente. Ele radicalizou a noção hegeliana de alienação (que também está explicitamente presente nos primeiros escritos de Marx), transformando-a no conceito de reificação (o processo pelo qual relações humanas e formas de subjetividade se tornam cada vez mais “coisificadas” sob as condições do capitalismo de mercado). Lukács, então, empreendeu uma crítica marxista-humanista da aparente fusão feita por Hegel de dois conceitos-chave: objetificação e alienação. Como Lukács observa, Hegel identificou corretamente o labor ou trabalho como um dos elementos-chave na constituição da subjetividade moderna; recorde-se da famosa dialética do senhor e do escravo, na qual a experiência do labor, a objetivação dos nossos poderes através do trabalho produtivo, permitiu ao “escravo” vir a reconhecer sua liberdade como refletida na realidade social. Ao mesmo tempo, no entanto, Hegel articulou uma explicação sofisticada da maneira como a alienação (Entäusserung) resultou no fato de os produtos da nossa atividade assumirem uma vida própria como parte da objetividade social dentro da qual chegamos a reconhecer-nos a nós mesmos como membros de uma comunidade social. Para Hegel, todas as minhas ações, seja por meio da fala ou do trabalho, se tornam sujeitas às interpretações e normas que moldam a minha comunidade, e, portanto, já não são simplesmente expressão “privada” da minha subjetividade ou do meu desejo.
A crítica de Lukács, tirada de Marx, é que Hegel identifica “objetificação”, em geral, com o sentido específico da “alienação” característica da Modernidade. O resultado foi “ontologizar” a alienação como uma característica inevitável da atividade humana: a alienação é o resultado da objetificação ou humanização da natureza através do labor produtivo. Mais incisivamente, Lukács, assim como Marx, sublinhou as dimensões negativas da alienação que Hegel alegou poderem ser superadas através do pensamento ou do espírito absoluto. Para Hegel, a alienação em seu sentido negativo – expressa em várias formas “patológicas” de subjetividade e prática cultural – é uma característica estrutural da história; é somente no pensar que a divisão entre sujeito e objeto pode ser completamente superada. Para Marx, ao contrário, a alienação também significa um estranhamento da nossa essência humana como seres sociais e produtivos; e este conflito entre sujeito e objeto só pode ser superado através da transformação da ordem social e econômica como tal. Contra Hegel, Lukács argumentou que nem toda objetificação pode ser interpretada como alienação, seja no sentido de que descreve o estranhamento do sujeito do seu próprio potencial humano fundamental, ou no sentido de que a relação entre sujeito e objeto permanece fundamentalmente conflituosa. Embora a alienação exista em diferentes formações históricas e sociais, é a forma específica de objetificação encontrada no âmbito do capitalismo burguês que pode ser dita produzir alienação “patológica”.
Portanto, para Lukács, os críticos marxistas de Hegel estavam certos em identificarem o elemento mistificador no idealismo de Hegel, que distorce e oculta as relações sociais reais na sociedade; mas eles não conseguiram identificar a fonte desta mistificação, qual seja a confusão entre objetificação e alienação, e o fracasso em identificar a razão pela qual a sociedade burguesa sofre dessa alienação generalizada. “Objetificação”, em sentido amplo, é uma característica fundamental da racionalidade autoconsciente humana, uma vez que todas as formas de atividade humana envolvem a “objetificação” das capacidades humanas, dos desejos subjetivos e dos fins sociais. A alienação, por outro lado, assume uma forma particularmente debilitante sob as condições históricas específicas da sociedade burguesa, nomeadamente o predomínio da forma mercantil sob as condições do capitalismo moderno.
Tal como outros críticos marxistas, Lukács concluiu que a dialética idealista de Hegel precisava de um fundamento “materialista histórico” que demonstrasse suas deficiências prático-políticas (resolvendo oposições ao nível da teoria, e não da prática), mas também reconhecesse suas intuições conceituais (mostrando a inadequação das concepções de liberdade prevalecentes, consagradas no seio das instituições sociais modernas). Lukács introduziu, assim, o conceito de reificação (Verdinglichung) para capturar o sentido hegeliano de alienação sem considerá-lo – como o faria o hegelianismo existencial francês – um aspecto fundamental do ser humano que transcende a história e as diferentes formações sociais. Para Lukács não poderia haver nenhuma aproximação entre o existencialismo e o marxismo: o existencialismo permaneceria sempre uma mistificação “ideológica” da base material e histórica do fenômeno da alienação tão bem identificado pelos existencialistas.
— Hegelianismo by Robert Sinnerbrink (Pensamento Moderno) (Page 98 - 100)