Gostamos de pensar os indivíduos como únicos. Mas, se isso vale para todos, então todos temos a mesma qualidade, qual seja, nossa identidade única. O que temos em comum é o fato de sermos todos incomuns. Todos são especiais, o que significa que ninguém é especial. A verdade, porém, é que os seres humanos são incomuns só até certo ponto. Não existem qualidades exclusivas de uma pessoa só. Infelizmente, é impossível existir um mundo onde apenas uma pessoa seja irascível, vingativa ou mortalmente agressiva. Isso porque os seres humanos não são essencialmente tão diferentes entre si, verdade que os pós-modernistas relutam em admitir. Compartilhamos uma quantidade enorme de coisas simplesmente por sermos humanos, e isso se revela no vocabulário que temos para tratar do caráter humano. Compartilhamos inclusive os processos sociais pelos quais vimos a nos individualizar. É verdade que os indivíduos combinam essas qualidades comuns de maneiras muito diversas, e em parte é isso o que os torna tão diferenciados. Mas as qualidades em si são moeda corrente. Não faz muito sentido dizer que só eu sinto um ciúme tão insano, nem chamar a moeda que tenho no bolso de dime, muito embora mais ninguém fale assim. Chaucer e Pope decerto concordariam, mas Oscar Wilde e Allen Ginsberg provavelmente não. Os críticos literários podem pensar que os indivíduos são incomparáveis, mas os sociólogos discordam. Se os seres humanos fossem, na maioria, encantadoramente imprevisíveis, os sociólogos perderiam o emprego. Eles, como os stalinistas, não se interessam pelo indivíduo. Pelo contrário, examinam padrões comuns de comportamento. É uma verdade sociológica que as filas nas caixas de supermercado sempre são mais ou menos do mesmo comprimento, pois os seres humanos são semelhantes em sua relutância de perder tempo demais com tarefas tediosas e relativamente triviais, como pagar as compras no mercado. Seria realmente estranho que alguém fizesse fila só para se divertir. Nesse caso, seria uma boa ação avisar os serviços de assistência social. Ao tentar captar a “essência” de um indivíduo, no sentido daquilo que o faz peculiar, inevitavelmente usaremos termos genéricos. Isso vale tanto para a literatura quanto para a linguagem do cotidiano. Às vezes, considera-se que as obras literárias dizem respeito sobretudo ao concreto e específico. Mas aqui há uma ironia. Um escritor pode amontoar frases e mais frases, adjetivos e mais adjetivos, para capturar a essência esquiva de alguma coisa. Mas, quanto mais usa a linguagem para descrever um personagem ou situação, mais tende a soterrá-lo sob uma montanha de generalidades. Ou simplesmente a soterrá-lo sob a própria linguagem.
— Como ler Literatura by Terence Eagleton (27%)