Back
G. W. F. Hegel: Fenomenologia do espírito (Paperback, Editora Vozes) No rating

Esta tradução da Fenomenologia do espírito foi publicada pela Vozes em 1992 em dois volumes …

73 [Es ist eine) Segundo uma representação natural, a filosofia, antes de abordar a Coisa mesma ou seja, o conhecimento efetivo do que é, em verdade, necessita primeiro pôr-se de acordo sobre o conhecer, o qual se considera ou um instrumento com que se domina o absoluto, ou um meio através do qual o absoluto é contemplado.

Parece correto esse cuidado, pois há, possivelmente, diversos tipos de conhecimento. Alguns poderiam ser mais idôneos que outros para a obtenção do fim último, e por isso seria possível uma falsa escolha entre eles. Há também outro motivo: sendo o conhecer uma faculdade de espécie e de âmbito determinados, sem uma determinação mais exata de sua natureza e de seus limites, há o risco de alcançar as nuvens do erro em lugar do céu da verdade.

Ora, esse cuidado chega até a transformar-se na convicção de que constitui um contrassenso, em seu conceito, todo empreendimento visando conquistar para a consciência o que é em si, mediante o conhecer; e que entre o conhecer e o absoluto passa uma nítida linha divisória. Pois, se o conhecer é o instrumento para apoderar-se da essência absoluta, logo se suspeita que a aplicação de um instrumento não deixe a Coisa tal como é para si, mas com ele traga conformação e alteração. Ou então o conhecimento não é instrumento de nossa atividade, mas de certa maneira um meio passivo, através do qual a luz da verdade chega até nós; nesse caso também não recebemos a verdade como é em si, mas como é nesse meio e através dele.

Nos dois casos, usamos um meio que produz imediatamente o contrário de seu fim; melhor dito, o contrassenso está antes em recorrermos em geral a um meio. Sem dúvida, parece possível remediar esse inconveniente pelo conhecimento do modo-de-atuação do instrumento, o que permitiria descontar no resultado a contribuição do instrumento para a representação do absoluto que por meio dele fazemos; obtendo assim o verdadeiro em sua pureza. Só que essa correção nos levaria, de fato, aonde antes estávamos. Ao retirar novamente, de uma coisa elaborada, o que o instrumento operou nela, então essa coisa no caso o absoluto fica para nós exatamente como era antes desse esforço; que, portanto, foi inútil. Se através do instrumento o absoluto tivesse apenas de achegar-se a nós, como o passarinho na visgueira, sem que nada nele mudasse, ele zombaria desse artifício, seja não estivesse e não quisesse estar perto de nós em si e para si. Pois, nesse caso o conhecimento seria um artifício, porque, com seu atarefar-se complexo, daria a impressão de produzir algo totalmente diverso do que só a relação imediata relação que por isso não exige esforço. Por outra: se o exame do conhecer aqui representado como um meio faz-nos conhecer a lei da refração de seus raios, de nada ainda nos serviria descontar a refração no resultado. Com efeito, o conhecer não é o desvio do raio: é o próprio raio, através do qual a verdade nos toca. Ao subtraí-lo, só nos restaria a pura direção ou o lugar vazio.

Fenomenologia do espírito by  (Page 69 - 70)