"É muito mais fácil espiar por baixo da saia de uma mulher que esteja no alto de um pedestal"
4 stars
Nesse livro, Nadya Tolokonnikova, uma das participantes e fundadoras do grupo Pussy Riot, que utiliza de arte punk para denunciar crimes de Estado na Rússia, relata suas experiências no ativismo. O Pussy Riot ficou conhecido no começo dos anos 2010 por suas ações artísticas irreverentes e destemidas contra a plutocracia putinesca, e Nadya e outras companheiras suas foram presas pelo Estado russo por desobediência civil.
O livro tem formato de guia, e, apesar de eu ter muita preguiça desses manuais de ativismo, senti que aqui esse formato fez sentido. Além de guia, é uma autobiografia. Nadya escreveu o livro originalmente em inglês, que não é sua língua materna, o que ajudou a linguagem a ser simples e direta. Dessa forma, a leitura é para todes, mesmo aqueles que não são muito iniciados no ativismo ou que não têm grandes contextos de ciências sociais e políticas ou filosofia.
São 10 regras que ela separa por capítulos; a própria autora argumenta que podem ser jogadas no lixo caso o leitor assim o queira. Cada capítulo é separado em três partes: palavras, ações e heróis, que têm função autobiográfica, filosófica e historiográfica de certa forma.
Dentre os heróis citados por Nadya, estão Martin Luther King, a dupla Yes Men, Michel Foucault, Aleksandra Kollontai e bell hooks, entre outros.
Como Nadya é grande crítica da oligarquia de Putin e também do capitalismo norte-americano na figura de Trump (que havia sido recém-eleito quando o livro foi lançado), você também pode esperar grandes críticas ao autoritarismo soviético, que tem grandes rusgas na sociedade russa até hoje. Penso que tais críticas são essenciais para uma análise justa do período do socialismo real. Entretanto, senti que as palavras macias e até inspiradas por uma pessoa específica, Vladimir Bukovsky, me incomodaram. Em alguns aspectos, a crítica anti-autoritária em relação à URSS acabam sendo em grande parte apenas anti-comunismo e pró-capitalismo. Longe de mim querer dizer o que um sobrevivente de prisões e trabalho forçado deve achar ou não, mas não acho justo nos colocarmos contra abusos em regimes comunistas se achamos ok recebermos medalhas cujo nome são Truman-Reagan (sem brincadeira, é só olhar a Wikipedia).
Enfim, acho que a particularidade russa tem muito a ver com essa questão: como propor uma subversão a Putin e sua oligarquia, detonar o capitalismo e fazer uma crítica justa e correta aos tempos soviéticos, tudo ao mesmo tempo, sem cair em falácias? De qualquer forma, acho que Nadya se saiu muito bem no livro.
Minha parte preferida do livro foram as menções à anti-psiquiatria e luta antimanicomial, e a parte que mais me tocou foram seus relatos dos tempos de prisão e trabalho forçado, ainda que eu não concorde com todas as saídas que ela propõe para a questão do encarceramento na Rússia. De qualquer forma, excelente livro, com um problema ou outro. Não é difícil de ser lido, e nos ajuda a criar esperanças para a luta nesse começo de 2024.