– É claro – concordou Anne. – Achei que você tivesse entendido isso. Ele está aqui dentro de cada um de nós e, numa forma de vida superior como essa à que estamos nos referindo, Ele certamente estaria ainda mais manifesto. Mas... deixe-me contar minha piada de gato. É muito curta e simples. Uma anfitriã vai dar um jantar e tem um belo bife de T-bone de três quilos sobre a bancada da cozinha, aguardando para ser preparado enquanto ela estiver conversando com os convidados na sala de estar, tomando alguns drinques e coisas do tipo. Mas então ela pede licença para ir até a cozinha preparar o bife... e ele não está mais lá. E o gato da família está num canto, limpando o rosto tranquilamente.
– O gato pegou o bife – disse Barney. – Será? Os convidados são chamados, discutem a situação. O bife sumiu, todos os três quilos. Lá está o gato, parecendo bem alimentado e feliz. “Pese o gato”, alguém diz. Já tomaram alguns drinques, parece uma boa ideia. Então, eles vão até o banheiro e pesam o gato na balança. Ela marca exatos três quilos. Todos veem o peso indicado, e um convidado diz: “Pronto, achamos o bife”. Estão satisfeitos, agora sabem o que aconteceu. Têm uma prova empírica. Então, um deles fica apreensivo e diz, confuso: “Mas onde está o gato?”. – Já ouvi essa piada antes – disse Barney. – E ainda não entendo a aplicação. Anne disse: – Essa piada apresenta a essência mais pura já alcançada para o problema da ontologia. Se refletir o bastante... – Meu Deus – ele disse, nervoso –, são três quilos de gato. Não faz sentido... não tem bife nenhum se a balança indica três quilos. – Lembre-se do vinho e da hóstia – disse Anne calmamente. Ele ficou olhando para ela. A ideia, por um momento, pareceu ter ficado clara. – Sim – ela disse. – O gato não é o bife. Mas o gato poderia ser uma manifestação do bife naquele momento. A palavra-chave aí é é. Não nos diga, Barney, que o que quer que tenha penetrado Palmer Eldritch é Deus, porque você não sabe tanto assim sobre Ele. Ninguém pode saber. Mas essa entidade viva do espaço intersistemas pode, como nós, apresentar-se à Sua imagem. Um modo que Ele escolheu para Se mostrar a nós. Se o mapa não é o território, o vaso não é o ceramista. Então, não fale em termos ontológicos, Barney, não diga é.
— Os três estigmas de Palmer Eldritch by Philip K. Dick (Page 238 - 239)