Felipe Romagna quoted A Trama das Árvores by Richard Powers
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Digamos que o planeta nasceu à meia-noite e que roda por um dia. Primeiro, não há nada. Duas horas se perdem com lava e meteoros. A vida só aparece às três ou quatro da manhã. Mesmo a essa altura, são apenas os pedaços mais rudimentares de autorreplicação. Do amanhecer ao final da manhã — um trilhão de anos de ramificações, tudo o que existe são células simples e singelas. Então, há tudo. Não muito depois do meio-dia, algo turbulento acontece. Um tipo de célula simples escraviza algumas outras. Os núcleos ganham membranas. As células desenvolvem organelas. O que antes era apenas um lugar com um único acampamento agora se torna uma cidade. Já passaram dois terços do dia quando os animais e as plantas se separam. E a vida ainda é unicelular. O dia cai antes que a vida complexa tome conta. Todos os grandes seres vivos chegam tarde, depois que o céu escurece. As águas-vivas e as minhocas vêm às nove da noite. Na virada da hora, a grande sacada acontece — espinhas dorsais, cartilagem, uma explosão de formas corporais. De um instante a outro, inúmeros novos ramos e troncos se abrem e enchem a copa. As plantas chegam à Terra um pouco antes das dez. Depois, os insetos, que instantaneamente começam a voar. Momentos mais tarde, tetrápodes rastejam a partir da lama das marés, carregando na pele e nas entranhas mundos inteiros de criaturas primitivas. Às onze horas, os dinossauros já fracassaram miseravelmente, deixando os mamíferos e as aves no comando por uma hora. Em algum ponto dos últimos sessenta minutos, no alto do dossel filogenético, a vida se torna consciente. Criaturas começam a especular. Animais começam a ensinar seus filhos sobre o passado e o futuro. Animais aprendem a realizar rituais. O homem anatomicamente moderno aparece quatro segundos antes da meia-noite. As primeiras pinturas rupestres surgem três segundos depois. E, um milésimo de um mover do ponteiro, a vida resolve o mistério do DNA e começa a mapear a árvore da vida. Até a meia-noite, a maior parte do globo foi convertida em fileiras de cultivo para o cuidado e a alimentação de uma única espécie. E é aí que a árvore da vida volta a se tornar outra coisa. É aí que o tronco gigante começa a balançar.
— A Trama das Árvores by Richard Powers (Page 611 - 612)