Parte integrante de uma tetralogia denominada O Reino, este Jerusalém é mais um passo essencial no objectivo de Gonçalo Tavares em “perceber o mal, como é que ele surge, em que situações se desenvolve e manifesta”. Assim, a sua capa preta não se trata de uma mera opção estética, mas sim de um primeiro sinal transmitido aos leitores sobre o seu conteúdo, antes mesmo de o desfolharem.
Jerusalém destaca-se pela ausência de linearidade narrativa, entrecortando os acontecimentos decorrentes na madrugada de 29 de Maio, com o passado e o futuro das personagens neles envolvidas. Neste aspecto Tavares é exemplar, unindo todos os fragmentos de forma coerente, o que simplifica a tarefa de acompanhar a complexidade cronológica, de modo a que o leitor dedique a sua atenção à análise subjacente à história, sem nunca perder o seu sentido de orientação.
“Apesar do medo da própria cabeça e do que ela poderia …
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Ricardo Lourenço rated O regresso do rei: 4 stars
O regresso do rei by J.R.R. Tolkien (o Senhor dos anéis III)
THE RETURN OF THE KING, which brings to a close the great epic of war and adventure begun in The …
Ricardo Lourenço rated Ensaio sobre a cegueira: 5 stars
Ensaio sobre a cegueira by José Saramago (O campo da palavra)
Una ceguera blanca se expande de manera fulminante. Internados en cuarentena o perdidos por la ciudad, los ciegos deben enfrentarse …
Ricardo Lourenço rated As duas Torres: 4 stars
As duas Torres by J.R.R. Tolkien
The Two Towers is the second volume of J. R. R. Tolkien's high fantasy novel The Lord of the Rings. …
Ricardo Lourenço rated Caim: romance: 4 stars
Ricardo Lourenço rated Ensaio sobre a lucidez: 4 stars
Ensaio sobre a lucidez by José Saramago (O campo da palavra)
During the town elections of a nameless city, most of its inhabitants, by their own individual choices, decide to exert …
Ricardo Lourenço reviewed Jerusalém by Gonçalo M. Tavares (O campo da palavra)
Review of 'Jerusalém' on 'Goodreads'
4 stars
Parte integrante de uma tetralogia denominada O Reino, este Jerusalém é mais um passo essencial no objectivo de Gonçalo Tavares em “perceber o mal, como é que ele surge, em que situações se desenvolve e manifesta”. Assim, a sua capa preta não se trata de uma mera opção estética, mas sim de um primeiro sinal transmitido aos leitores sobre o seu conteúdo, antes mesmo de o desfolharem.
Jerusalém destaca-se pela ausência de linearidade narrativa, entrecortando os acontecimentos decorrentes na madrugada de 29 de Maio, com o passado e o futuro das personagens neles envolvidas. Neste aspecto Tavares é exemplar, unindo todos os fragmentos de forma coerente, o que simplifica a tarefa de acompanhar a complexidade cronológica, de modo a que o leitor dedique a sua atenção à análise subjacente à história, sem nunca perder o seu sentido de orientação.
“Apesar do medo da própria cabeça e do que ela poderia empurrar para dentro dos seus actos, Theodor era absolutamente saudável, em qualquer parâmetro que fosse considerado. Fisicamente, mentalmente e espiritualmente. Estas três categorias eram, aliás, para Theodor uma espécie de pontos cardeais indispensáveis à existência, e, em particular, à existência com saúde.”
Os limites da sanidade são explorados através das personagens que, com a possível excepção do médico Theodor, apresentam falhas a nível físico ou psicológico, algo que conjugado com um discurso despido de eufemismos, nos rodeia de uma perturbadora atmosfera que põe a nu características da natureza humana que nem sempre nos apraz verificar. O próprio Theodor orienta os seus esforços para estudar a História do horror da humanidade, procurando identificar uma tendência que lhe permita representar graficamente a sua evolução e, acima de tudo, prever o seu comportamento futuro.
“A História do horror é a substância determinante da História; e qualquer História tem uma normalidade, nada existe sem normalidade. E tal como se vê nas folhas quadriculadas de um electrocardiograma a saúde ou a doença de um homem, eu verei no gráfico, resultado dos meus estudos, a saúde e a doença, não de um único homem, não de um único indivíduo, mas dos homens no seu conjunto; do colectivo, da totalidade do mais relevante e abjecto comportamento humano.”
Com esta racionalidade científica contrasta a aleatoriedade presente ao longo do romance, a transcendência “como um imperativo de sanidade e de racionalidade absoluta” em oposição à ausência de transcendência na trágica representação da realidade. Poucos são os momentos que quebram o ambiente sombrio, esperanças que rapidamente se desvanecem, frágeis ilusões de felicidade que cedo se estilhaçam.
“O ovo, qualquer ovo, era para Mylia um material perturbante. O que mais rapidamente muda, o que é composto de maior desassossego, o que existe já para ser outra coisa. Havia em qualquer ovo uma espécie de altruísmo material, concreto, que ela não via em mais nenhuma coisa do mundo. Aparecer porque se quer fazer aparecer outra coisa. O altruísmo material era o altruísmo moral e não havia outro. O espírito não é generoso, o imaterial não é generoso: que pode perder o que não existe?”
Perturbante é muito provavelmente a melhor palavra para descrever Jerusalém. É certo que presentemente a violência começa a atingir o nível de banalidade, levando a uma onda de indiferença perante a reincidente crueldade que nos assola, mas Gonçalo Tavares consegue neste romance fazer-nos repensar não só a nossa ideia do mundo, mas também, e como qualquer bom livro, a nossa ideia sobre nós próprios.
“O sobrevivente de um campo de concentração disse:
«Os homens normais não sabem que tudo é possível.» Theodor sublinhou a frase.”
Ricardo Lourenço rated The Icewind Dale Trilogy: 3 stars
The Icewind Dale Trilogy by R. A. Salvatore (Icewind Dale Trilogy)
This work is an Omnibus containing the following works:
- [The Crystal Shard][1]
- [Streams of Silver][2]
- [The Halfling's Gem][3]
Also See: …
Ricardo Lourenço rated O ano da morte de Ricardo Reis: 5 stars
Ricardo Lourenço rated A Irmandade do Anel: 4 stars
A Irmandade do Anel by J.R.R. Tolkien (O senhor dos Anéis I)
The first part of the Lord of the Rings trilogy, Tolkien’s classic epic of Good versus Evil, set in the …
Ricardo Lourenço reviewed O evangelho do enforcado by David Soares (Colecção Bang!)
Review of 'O evangelho do enforcado' on 'Goodreads'
4 stars
Representando um mundo medieval português do séc. XV, O Evangelho do Enforcado aborda de forma indirecta os enigmáticos painéis ditos de São Vicente. Indirectamente porque, ao invés de identificar cada uma das figuras representadas nos painéis, David Soares procura, por um lado, ilustrar com autenticidade o panorama político, económico e social da época, e por outro, desmistificar a desfasada imagem que temos de algumas das personagens históricas que figuram no romance. O desenvolvimento destes elementos, não só proporciona um sólido suporte para as teorias desenvolvidas posteriormente (no respeitante à simbologia por detrás dos painéis), como torna possível a coesão narrativa apresentada pelo autor.
Este compromisso com a verdade já tinha sido assumido nos anteriores romances de David Soares, algo que o próprio destacou em diversas entrevistas:
“A minha preocupação principal é com a história com h pequeno. A ficção vem sempre em primeiro lugar. Mas quando estou a trabalhar com …
Representando um mundo medieval português do séc. XV, O Evangelho do Enforcado aborda de forma indirecta os enigmáticos painéis ditos de São Vicente. Indirectamente porque, ao invés de identificar cada uma das figuras representadas nos painéis, David Soares procura, por um lado, ilustrar com autenticidade o panorama político, económico e social da época, e por outro, desmistificar a desfasada imagem que temos de algumas das personagens históricas que figuram no romance. O desenvolvimento destes elementos, não só proporciona um sólido suporte para as teorias desenvolvidas posteriormente (no respeitante à simbologia por detrás dos painéis), como torna possível a coesão narrativa apresentada pelo autor.
Este compromisso com a verdade já tinha sido assumido nos anteriores romances de David Soares, algo que o próprio destacou em diversas entrevistas:
“A minha preocupação principal é com a história com h pequeno. A ficção vem sempre em primeiro lugar. Mas quando estou a trabalhar com informações históricas baseadas em factos reais, tenho a preocupação de ser o mais verdadeiro possível, no que concerne à originalidade, e às intenções do texto ficcional. E a vontade de procurar a verdade, muitas vezes entra em conflito com aquela imagem estereotipada e mitificada de certas personagens da nossa História.” in Livraria Ideal
Assim, a discrepância entre o retrato de certas personagens e a ideia generalizada que temos destas resulta, não de um intenção em chocar o leitor, mas sim da consulta de registos e análises históricas em que Soares se baseia, que muitas vezes estilhaçam a aura de virtude que rodeia essas mesmas figuras.
“(...) os anjos de alguns são os diabos de outros.”
A extensiva investigação e a imaginação do autor combinam-se, alimentando uma construção de personagens impressionante, quer ao nível da caracterização da sua personalidade, quer ao nível da estratificação social(1). De entre estas personagens, destaca-se Nuno Gonçalves (pintor dos painéis), apresentado como um psicopata que nutre um intenso fascínio por cadáveres.
“O coração dele era um cemitério: só os mortos conseguiam entrar.”
À necrofilia juntam-se também as tendências assassinas, algo que, no entanto, Nuno consegue conjugar com a sua ascensão como pintor, desde um mero aprendiz até ao posto de pintor régio, através do seu estilo pessoal e da diferente perspectiva com que encara a pintura.
“Gosto de sombras, pensou ele. Parecem almas que os mortos deixaram cair ao chão.”
O romance prima também pela vívida imagem que nos transmite da sociedade do séc. XV, tanto na descrição dos seus costumes e crenças, como na linguagem utilizada. Dentro dessa imagem geral, encaixa-se Lisboa, palco principal da história, uma cidade em crescimento, mas também uma cidade de contrastes, não existindo qualquer pudor em mergulhar no seu lado mais obscuro, revelando a pobreza, a sujidade e a fome que nele se ocultam. Um ambiente em que a miséria impera, e a esperança se esbate.
“Esta cidade é uma ferida, pensou. Somos o sangue dela e estamos todos doentes. As muralhas vão fechar-se sobre as nossas cabeças... Vamos secar e morrer. Todos, todos.
(...)
A não ser que a ferida se mantenha sempre a sangrar, pensou. Assim nunca irá fechar. É por isso que sofremos. O mundo precisas de sangrar para não morrer. Riu. Devíamos sangrar a rir e rir a sangrar. Devíamos comer carne nos dias de peixe e peixe nos outros.
Esta cidade é o crucifixo onde estamos todos pregados.”
É de louvar todo o trabalho efectuado por David Soares, que com as suas palavras consegue fundir o fantástico com a realidade, pintando um quadro medieval de incomparável (ainda que por vezes assustadora) beleza. O Evangelho do Enforcado é, portanto, mais um importante passo para a cartografia do imaginário português, assim como um exemplar antídoto contra a inevitabilidade inerente à nossa vida.
“A criação – a arte – é o único antídoto contra a morte.
Aquilo que se cria na terra subsiste no Todo.
Por isso... Sê responsável como o que crias, pintor.
Não desperdices... nada.”
(1) Neste capítulo, estranha-se a ausência de tradução das frequentes passagens em Latim, especialmente tendo em conta todo o cuidado reflectido na elaboração das notas e bibliografia finais. Por outro lado, o mesmo não acontece com o francês, embora a presença de um intérprete nos diálogos efectuados nessa língua sirva de argumento justificativo, dado que seria redundante e repetitivo adoptar à letra as falas na língua original. No entanto, considero que esse espírito prático deveria englobar o Latim, seja através de notas de rodapé, ou notas no final dos capítulos em que as falas se inserem.